Desde  os  seus  primórdios,  a  humanidade  interagiu  com  a  Natureza,  seu  ambiente  original,  primeiramente  para conhecer  os  seus  recursos  e  sobreviver,  depois  para  extrair  materiais  utilizados  em  atividades  artísticas,  sociais  e econômicas, ou seja, para criar uma cultura. A partir do momento em que passou a tentar explicar a natureza pela razão, não por mitos e religiões, o ser humano criou a Ciência. Esta, de uma visão integrada da natureza na Grécia Antiga, passou no Renascimento a um modelo mecanicista e reducionista, inspirado pelo relógio mecânico e criador de um universo mecânico. Este modelo de Ciência exauriu-se por suas próprias limitações. A teoria dos sistemas, a termodinâmica do não-equilíbrio e o pensamento complexo abrem perspectivas para uma nova forma, não só de Ciência, mas também de o ser humano se reencontrar com a Natureza, da qual nunca deixou de fazer parte, e com a sua própria natureza interior.
Os filósofos gregos desenvolveram uma sofisticada concepção da natureza como um organismo vivo, a qual foi herdada por nossos antepassados medievais. [...] Os grandes filósofos acreditavam que o mundo da natureza fosse vivo devido ao seu movimento incessante (SHELDRAKE, 1993: 53-54).
As  primeiras  culturas  humanas  procuravam  explicar o que ocorria na natureza, aquilo que estava além de sua compreensão, através de espíritos que habitavam as rochas, as árvores, os animais, os corpos aquáticos e o céu: era a época da magia e dos mitos, em que forças inexplicáveis despertavam o temor e a admiração do Homem.
Na  Grécia  Antiga,  século  VI  a.C.,  emergiu  um  novo tipo de explicação para o cosmos e a natureza, a partir da razão, iniciativa dos atualmente denominados filósofos pré-socráticos (os primeiros cientistas - na época, ciência e filosofia não se dissociavam). Tornava-se mais complexo o entendimento do mundo, que passou, conforme Bornheim (1999), do estágio mítico ao noético (do mito e da magia para a percepção e o raciocínio).
Heisenberg (1981) credita aos pré-socráticos os conceitos de matéria, de ser e vir-a-ser (devir, o resultado das transformações do ser). Para Tales de Mileto, a água era a causa material de todas as coisas; para Anaximandro, havia uma substância primeira, eterna, infinita e indestrutível, o apeíron,  a  envolver  o  mundo,  e  uma  luta  entre  o  ser  e  o vir-a-ser, sem um dominar o outro, conflito responsável pela  criação  do  mundo;  para  Anaxímenes  de  Mileto,  o princípio  fundamental  era  o  ar;  Parmênides de Eléia entendia a mudança como ilusão (não existiria o vir-a-ser); Heráclito de Éfeso via o fogo como elemento primordial de incessantes mudanças, da antítese entre o ser e o devir, do conflito de opostos criador da unidade, em um mundo ao  mesmo  tempo  unidade  e  variedade;  Empédocles  de Agrigento adotou o pluralismo dos quatro elementos, terra, água, ar e fogo, a se misturar uns aos outros quando o Amor se aproxima e o Conflito se distancia (origem da variedade das coisas), e a se separar na situação oposta; Anaxágoras de Clazômene defendia a mistura e a separação de elementos como causa das mudanças (a diversidade viria das diferentes proporções de vários tipos de sementes presentes em todas as coisas) e a presença de todas as coisas em tudo; Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera criaram um materialismo, com base na antítese entre o cheio e o vazio, e o conceito de átomo como as menores unidades de matéria, indestrutíveis, sem propriedades físicas. O sistema de Leucipo se baseava em  um  completo  determinismo:  tudo  ocorria  por  uma razão ou necessidade.
Todos os pré-socráticos tinham a mesma preocupação: introduzir algum tipo de ordem para entender o mundo, a  ordem  entendida  como  alguma  forma  de  Unidade,  e reduzir tudo a um princípio fundamental, do qual derivaria a infinidade das coisas. Bornheim (1999) lembra que os pré-socráticos criaram o termo physis, a partir dos vegetais, com o significado de fonte originária, gênese de todas as  coisas,  realidade  subjacente  às  experiências,  princípio de  tudo  o  que  vem  a  ser,  algo  fundamental  presente  em tudo  o  que  ocorre;  não  somente  a  natureza  concreta  e objetiva, mas também seu componente psíquico e espiritual, conceito mais abrangente que o atual de natureza. A physis estaria no movimento dos elementos em Anaximandro; na transformação dos elementos em Anaxímenes; no fluxo dos elementos, na tensão e harmonia entre os contrários, na divisão da unidade no múltiplo e no retorno do múltiplo à unidade, em Heráclito de Éfeso. 
Para Prigogine & Stengers (1997), a Ciência constitui uma tentativa de o ser humano dialogar com a natureza, por meio da razão e da experimentação, para tentar dela obter respostas aos seus questionamentos. Tal diálogo já ocorria com  os  antigos  gregos,  no  entanto  faltou-lhes  aplicar  o método  experimental,  para  sua  concepção  de  ciência  se assemelhar à atual.
A  filosofia  de  Platão  trouxe  uma  nova  concepção de  realidade,  primou  pela  razão,  pelo  mundo  das  idéias oposto  ao  da  natureza  sensível  (dualismo  precursor  do elaborado por Descartes). Aristóteles voltou ao estudo da  natureza  sensível,  para  ele  organizada  e  solidária; observou-a, classificou-a, elaborou leis sobre o universo. Prigogine & Stengers (1997) entendem que, no seio do mundo  aristotélico  o  Homem  encontrava  o  seu  lugar, simultaneamente, como ser vivo e ser conhecedor; o mundo era  a  sua  medida;  o  conhecimento  intelectual  atingia  o próprio princípio das coisas, a causa e a razão última de seu devir, o fim que as habita e organiza.
Na Europa Medieval, Deus estava no centro do universo; para Sheldrake (1993), as teorias gregas sobre a natureza, a tecnologia romana, as tradições locais pré-cristãs e a religião cristã se harmonizavam em uma complexa síntese. Para o europeu  medieval,  o  microcosmo,  seu  pequeno  mundo pessoal, espelhava o macrocosmo, o universo.A  partir  do  Renascimento,  o  Homem  colocou-se  no centro do Universo, um antropocentrismo que consagrou seu  poder  sobre  o  objeto  Natureza,  a  ser  conhecida  no diálogo com o sujeito Homem pelo método científico inspirado na filosofia utilitarista de Bacon, no dualismo de Descartes,  na  matemática  e  física  de  Galileu  e  Kepler  (e depois, de Newton). A natureza, geometrizada, passou a ser considerada sem vida, mecânica.Inspirada pelas idéias filosóficas, ligadas aos conceitos fundamentais da ciência na época, a atitude humana perante a natureza cambiou do contemplativo para o pragmático, nos séculos XVI e XVII (Heisenberg, 1981). Segundo Prigogine & Stengers (1997), ocorreu uma mudança da visão de natureza: a antiga era fonte de sabedoria; a medieval falava de Deus; a moderna tornou-se muda.
Filósofo  e  político,  Francis  Bacon  recomendava torturar  a  natureza  para  esta  revelar  seus  segredos,  ser dissecada,  forçada  a  sair  do  estado  natural,  amassada  e moldada,  reduzida  a  escrava,  constrangida  a  servir.  Por sua  vez,  Galileu  descrevia  uma  natureza  sem  qualidades sensíveis (no seu entender, ilusórias), valorizava apenas as que poderiam ser mensuradas e quantificadas, em uma combinação  do  trabalho  empírico  com  a  matemática. Descartes  questionou  a  aceitação  não  crítica  do  que  os sentidos percebem e acreditava no raciocínio lógico como ponto  de  partida  para  se  chegar  a  um  conhecimento fundamental. A separação entre matéria e espírito (corpo e alma), prenunciada em Platão, tornou-se total. Os animais  e  as  plantas  não  diferiam  de  máquinas  simples, de autômatos com seu comportamento determinado por causas  materiais.  O  universo  era  constituído  por  matéria em  movimento,  tudo  funcionava  de  maneira  mecânica. A  natureza  era  morta,  inanimada.  Newton,  pela  lei  da gravitação  universal,  encontrou  uma  força  similar  a  uma qualidade oculta, fórmula de um devir repetitivo, a explicar todos  os  movimentos  de  todo  o  Universo,  consagrado como mecânico, determinado, reversível. A transformação da natureza em máquina se completou e Newton tornou-se o símbolo da ciência moderna. Sua mecânica descrevia um mundo onde Deus e as pessoas eram desnecessárias. Segundo Prigogine (1996), a ciência clássica ou moderna, assim estruturada, com modelo na física, em suas leis da certeza, em seu determinismo, negava a complexidade e o devir: elaborou um mundo idealizado, estático, previsível, ao qual o Homem era estranho.
Na opinião de Sheldrake (1993), a revolução mecanicista criou  um  modelo  de  universo  similar  a  uma  máquina;  a natureza perdia sua espontaneidade, liberdade, criatividade. O universo de Newton funcionava como um relógio, novo modelo para explicar o movimento dos astros.
Império da razão técnica, a ciência clássica ou moderna procurou encontrar as unidades elementares, antagonizou o  sujeito  humano  e  o  objeto  natureza.  O  homem  do Ocidente  negou  a  diversidade,  hierarquizou-a,  dominou o diferente, ou seja, os outros homens e a natureza; esta, inanimada, regida por leis sem subjetividade, foi seccionada em objetos e em áreas de estudo. O mundo das qualidades e das percepções sensíveis, em que se vive, ama e morre, cedeu lugar ao dageometria deificada, da quantidade, em que para tudo há lugar - exceto para o Homem. Importava entender a natureza apenas para ela ser controlada e servir aos desígnios humanos.
Para Heisenberg (1981), a ciência clássica partiu da  ilusão  de  descrever  o  mundo,  ou  partes  dele,  sem referência alguma aos seres humanos:  mundo idealizado, objetivamente descrito. Os resultados científicos obtidos pela  experimentação,  como  método  fundamental  da ciência da natureza, eram avaliados por critérios puramente objetivos.  Uma  abordagem  reducionista,  que  visava  a converter conhecimento em poder.
Em suma, de acordo com Prigogine & Stengers (1997), na ciência clássica: o Homem era um ser estranho ao mundo descrito;  a  Natureza,  submissa,  estúpida,  mecânica,  um autômato, simplificada, repartida em pedaços, mutilada, para ser  interrogada  pela  hipótese  testada  na  experimentação; a  complexidade  e  a  diversidade  dos  processos  naturais se  reduziam  a  casos  de  aplicação  de  leis  gerais;  leis dinâmicas descreviam o mundo por trajetórias reversíveis e  deterministas;  havia  uma  linguagem  matemática  única, a da geometria deificada; inexistia lugar para qualidades sensíveis;  o  relógio  mecânico  servia  como  paradigma; a  descrição  do  mundo  era  mais  objetiva,  eliminado  o observador,  e  feita  de  um  ponto  exterior;  discriminava-se  entre  uma  realidade  objetiva  e  o  ilusório,  ligado  à subjetividade humana; esgotavam-se todas as possibilidades de aproximação racional aos fenômenos da natureza, para a ciência descobrir a verdade global; negava-se a liberdade, a  possibilidade  de  inovação  e  a  existência  de  processos intrinsecamente  irreversíveis,  considerados  resultantes apenas da imperfeição dos meios de manipulação, e não das leis que regem o mundo; o funcionamento físico-químico de um ser vivo regia-se pelas mesmas leis da matéria inanimada; negavam-se  as  dificuldades,  questões  persistentes  e instabilizadoras do desenvolvimento científico; cada novo progresso acarretava mais desencantamento; a oposição ao mecanicismo era vista como oposição à ciência; impedia-se a manifestação de outros saberes e conhecimentos.Para D’Ambrosio (1997), essa concepção reducionista da ciência moderna levou o Homem a tratar a natureza e o universo como poços de riquezas infindas, privilegiou um modelo único de desenvolvimento, ignorou a complexidade cultural,  econômica,  espiritual  e  social  de  sua  espécie,  e empobreceu  a  própria  concepção  de  ser  humano,  visto como pequena engrenagem em um universo mecânico. A fragmentação da Ciência em inúmeras disciplinas causou a perda de visão do todo, esvaziou de sentido a vida das pessoas, incapacitou-as a perceberem a beleza do mundo. Porém,  a  própria  ciência  moderna  continha  em  si  o germe de sua destruição. A idéia de tudo estar determinado abriu  caminho  para  idéias  de  indeter minismo  e  de espontaneidade. No século XIX, quando a ciência clássica mecanicista  chegava  ao  auge  como  explicação  para  o universo e seu método granjeava uma crescente confiança, surgiram  questões  que  ela  não  conseguia  resolver,  como as  relativas  aos  campos  eletromagnéticos  e  à  dissipação do calor.
Na física, conforme Prigogine & Stengers (1997), a ciência do calor foi a grande ameaça ao edifício newtoniano. A transmissão de calor por condução, diretamente de um corpo a outro, afigurou-se como processo irreversível, inexplicável  pela  ciência  clássica.  O  aprofundamento  das pesquisas levou à criação da primeira ciência não clássica, primeiro  passo  para  uma  ciência  da  complexidade,  a termodinâmica.  O  mundo  queima  como  fornalha  e  não se  recupera;  conserva-se  a  quantidade  de  energia,  mas esta  se  dissipa  como  calor.  O  mundo  tende  a  um  estado de  equilíbrio  térmico.  Clausius  formulou  o  conceito  de entropia, evolução espontânea e irreversível dos sistemas térmicos.  Em  sistemas  fechados,  a  entropia  tenderia  a aumentar até o valor máximo possível.
Na Biologia, Darwin e Wallace elaboraram uma teoria evolutiva, baseada no processo de seleção natural, em que os indivíduos aptos sobreviviam e geravam descendentes. Através  de  pequenas  variações  acumuladas,  os  seres orgânicos aos poucos se modificavam e novas espécies mais complexas emergiam.
Contra o iluminismo científico reducionista e mecanicista também reagiu, no início do século XIX, o movimento do romantismo, que sugeria a presença de uma verdade elevada que  o  Homem  precisava  conhecer  pelas  emoções,  não só pela razão. A tradição científica da Alemanha, menos reducionista que as da França e da Inglaterra, abriu espaço para a escola da Naturphilosophie, cujos adeptos Goethe e Schelling sugeriam a existência de uma unidade subjacente a todas as coisas, a ser conhecida não apenas pela lógica, pela razão pura, mas também pela apreciação estética, como recomendava Kant.
Segundo Helferich (2005), na conexão entre o iluminismo e o romantismo e entre os modos racional e intuitivo de entender  o  universo,  pela  prática  de  uma  metodologia rigorosa e de observações minuciosas, despontou Alexander Von  Humboldt,  que  unia  o  conhecimento  científico à  apreciação  estética  da  natureza:  aquele  sem  esta  não tinha  valor.  Insatisfeito  em  apenas  medir  e  catalogar  a natureza, Humboldt a descrevia de modo inspirado, aliava o rigor científico à admiração apaixonada pela beleza transcendente  de  um  universo  pesquisado.  Para  ele,  de nada valia saber a composição do ar, se não se apreciasse a beleza de um límpido céu de verão: o deleite com as estrelas complementava o fato de suas órbitas serem marcadas por uma precisão matemática.
A partir de uma coleta de dados sistemática e acurada, Humboldt  inventariou,  com  o  auxílio  de  Bonpland,  as plantas da América e aumentou o conhecimento sobre suas espécies de animais; estudou a influência de fatores físicos sobre a vida das plantas, criou a biogeografia; confirmou a mudança do campo magnético da Terra com a latitude; refez mapas da América Latina e pesquisou culturas indígenas. Suas descobertas abrangeram os campos da geografia, geologia e geofísica, antropologia, fisiologia, botânica, zoologia e oceanografia. Com Humboldt, híbrido singular de  iluminismo  e  romantismo,  intelecto  e  sentimento, contemplação e ação, a ciência criava ordem (cosmos) a partir da aparente desordem (caos) dos fenômenos naturais. As  conexões  e  relações  entre  os  elementos  da  natureza adquiriram valor na tentativa de se descobrir a sua unidade. A busca do padrão de todas as coisas era sua meta: em suas viagens  por  várias  regiões  do  mundo,  tentou  encontrar a  unidade  na  diversidade,  a  harmonia  subjacente  sob  as complexidades da natureza.
No mesmo século XIX, no estudo dos gases, as leis  da  cinética  química  reintroduziram  o  caos  na  física, exigiram  uma  descrição  estatística  para  eventos  com população numerosa, e o conceito de alças de retroação. Na termodinâmica, Boltzmann interpretou o crescimento irreversível  da  entropia  como  expressão  do  crescimento da desordem molecular. Seu raciocínio, generalizado para sistemas  que  admitem  um  estado  de  equilíbrio,  permitiu criar  uma  resposta  da  física  à  questão  da  complexidade da natureza: a termodinâmica do equilíbrio (Prigogine & Stengers, 1997).
No início do século XX, com base em avanços teóricos  originados,  no  século  anterior,  pelo  estudo  dos campos  eletromagnéticos,  Einstein  formulou  a  teoria  da relatividade restrita, que trouxe novos atributos ao tempo e  ao  espaço,  inter-relacionados  de  forma  desconhecida na  mecânica  de  Newton,  onde  eram  independentes.  Na relatividade geral, Einstein concluiu pela ação da gravidade sobre a luz (desvio de trajetória), pela geometria não-euclidiana para o espaço (curvo) e pela relação desse espaço curvo com a distribuição das massas no universo.
Heisenberg (1981) relata o abalo para a ciência clássica  que  adveio  da  física  quântica,  cuja  natureza  dos fenômenos  diferia  radicalmente  do  que  ocorre  no  nível macroscópico:  não  se  poderia  prever  com  certeza  o resultado  das  observações,  que  dependia  do  observador, incluía  componentes  subjetivos;  o  instrumento  medidor interagia com o observador, a atitude deste selecionava o evento  real  ocorrido  entre  os  possíveis;  os  resultados  só encontravam  explicação  pela  análise  estatística.  A  física atômica  afastou  a  física  da  tendência  materialista  que  a permeara  no  século  XIX.  A  teoria  quântica  não  permite uma  descrição  totalmente  objetiva  da  natureza;  suas  leis substituíram as da mecânica clássica no nível microscópico, estenderam e modificaram a lógica clássica. Prigogine & Stengers (1997) relatam que, no século XX, também emergiu a termodinâmica do não equilíbrio: nas estruturas dissipativas, os estados instáveis aumentam a entropia, as flutuações se amplificam e geram processos de organização espontânea.  As  noções  de  história,  de  estrutura  e  de atividade funcional impõem-se na descrição da ordem por flutuação, brotada do não-equilíbrio.
Os  sistemas  vivos  constituem  exemplos  de  uma termodinâmica longe do equilíbrio. Do estudo de suas inter-relações com o meio ambiente e entre si, emergiu a Ecologia, inicialmente como ramo da Biologia, posteriormente uma ciência com status próprio, que contribuiu para a criação de uma nova abordagem científica, holística.
Segundo Prigogine & Stengers (1997), as ciências naturais  agora  descrevem  processos  evolutivos  múltiplos e  divergentes,  singularidades,  instabilidades  e  crises,  uma natureza  onde  proliferam  estruturas  ativas,  um  universo rico  em  diversidades  qualitativas  e  surpresas  potenciais. A indeterminação e a irreversibilidade criadora de ordem prevalecem no mundo, com o papel construtivo de permitir os processos de organização espontânea dentro da natureza. Prigogine (1996) comenta que as leis da natureza tratam agora tratam de possibilidades e afirmam o devir, não mais apenas o ser. A ciência do devir estuda processos de não-equilíbrio e irreversíveis, como as estruturas dissipativas, suas oscilações e bifurcações, os sistemas caóticos; cria conceitos novos, como o de auto-organização. A ciência atual evita as concepções alienantes de um mundo totalmente previsível, regido por leis sem qualquer lugar para a novidade (como na física clássica), e de um mundo sem causas, onde nada se prevê ou se descreve em termos gerais. A irreversibilidade e  a  indeterminação  constituem  regra  na  natureza,  e  a reversibilidade  e  o  determinismo,  casos  particulares;  o tempo reencontrado fala da nova aliança entre o Homem e a Natureza; a descrição do mundo abre-o e situa o Homem no seu interior. A preferência nos estudos deixa o estável, volta-se  ao  mutável,  como  a  evolução  das  espécies  vivas e as mudanças geológicas; o diálogo racional se processa com uma natureza complexa e múltipla. A física tradicional reduzia a explicação dos fenômenos complexos a elementos simples; a ciência atual procura na complexidade uma nova forma de ser e estar no mundo.
Bertalanffy (1973) propôs transformar as categorias do  pensamento  pelo  trabalho  com  o  complexo,  as totalidades, os sistemas compostos por diversas variáveis interdependentes, organizadas com interações não-lineares fortes:  a  pesquisa  dos  sistemas  como  entidades,  não como aglomerados de partes, constituiria a única maneira inteligível de estudar organizações.
O ponto de vista sistêmico remonta a pensadores como Aristóteles,  Nicolau  de  Cusa,  Ibn-Khaldum,  Paracelso, Vico  e  Leibniz.  Um  de  seus  precursores  no  século  XIX, Claude Bernard, criou o conceito de homeostase, aplicado ao equilíbrio interno dos seres vivos. Bertalanffy elaborou sua teoria dos sistemas a partir da concepção organísmica em biologia, que reconhece os organismos como sistemas abertos e tenta descobrir seus princípios de organização. A  teoria  enfatiza  questões  sobre  ordem,  organização e  totalidade,  excluídas  da  ciência  mecanicista  como metafísicas, e do procedimento analítico, válido se não há interações  entre  as  partes,  ou  se  elas  são  lineares,  o  que permite aos processos parciais se sobreporem para formar o todo (algo estranho aos sistemas). A ordem hierárquica, conceito  primordial  na  teoria  sistêmica,  relaciona-se  a questões de diferenciação e evolução, e com a medida da organização. Os sistemas abertos (em que várias condições iniciais geram um mesmo resultado) produzem entropia em processos irreversíveis e importam negentropia (organizam-se internamente). O segundo princípio da termodinâmica pode se formular com a entropia no papel de uma medida de probabilidade e a tendência para a máxima entropia como tendência para a máxima desordem. A evolução biológica assinala uma seqüência de transições para ordens mais altas, maior heterogeneidade e organização.
O princípio da isomorfia, aplicável aos sistemas em geral,  alerta  para  a  existência  de  propriedades  gerais dos  sistemas  em  vários  campos:  por  exemplo,  o  uso  de equações  e  outros  recursos  matemáticos  para  descrever o  comportamento  de  espécies animais  e  vegetais em  um ecossistema. A isomorfia se manifestaria também no nível das leis e na unidade da ciência.
A teoria da informação de Shannon, simultânea à teoria geral dos sistemas, compara o fluxo de informação a um fluxo de energia, conceitua a informação como expressão isomorfa à da negentropia e cria a expectativa de se utilizá-la como medida de organização (a entropia como medida da desorganização ou da desordem). Ela influencia a cibernética, uma teoria dos sistemas de controle preocupada com  a  transferência  de  informação  entre  o  sistema  e  o meio  e  dentro  de  um  sistema.  A  cibernética,  que  resulta da tecnologia dos computadores, da teoria da informação e  das  máquinas  auto-reguladoras,  utiliza  os  conceitos  de retroação e informação e pode ser tida como parte da teoria dos sistemas: o sistema cibernético seria um caso especial de sistema auto-regulado; seu modelo aplica-se a mecanismos reguladores em biologia e em outras ciências. No entanto, a cibernética não produziu uma explicação para a totalidade das coisas, uma grande concepção de mundo; ela se coloca mais  como  uma  extensão  do  que  como  substituição  da concepção mecanicista.
A teoria geral dos sistemas, para Bertalanffy (1973), oferece vantagens sobre a abordagem clássica da ciência: assume  um  papel  que  lembra  o  da  lógica  aristotélica  na antiga  Grécia;  soluciona  problemas  desprezados  pela ciência clássica (da complexidade organizada); elabora um pensamento que acredita em oposições complementares; delineia um modelo isomórfico aplicável a vários campos do conhecimento; propõe modelos para explicar os seres vivos e suas propriedades de auto-regulação e auto-restauração, ausentes  nos  sistemas  tecnológicos;  compreende  os acontecimentos como determinados pelos sistemas, mais do que por decisões individuais; valoriza sistemas alternativos, como outras culturas e saberes; contribui para uma educação integrada e estimula a interdisciplinaridade.
Sistemas
Um sistema pode ser inicialmente definido como uma entidade unitária, de natureza complexa e organizada, constituída por um conjunto não vazio de elementos ativos que mantêm relações, com características de invariança no tempo que lhe garantem sua própria identidade. [...] um sistema consiste num conjunto de elementos que formam uma estrutura, a qual possui uma funcionalidade (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2000: 284-285).
Um  sistema  só  existe  se  houver  um  conjunto de  elementos,  o  universo  do  sistema,  que  mantêm interações e inter-relações entre si; o mero agrupamento casual  de  unidades  próximas  ou  justapostas  não  o define. Os elementos que compõem o sistema são suas  partes,  agentes  ou  atores  a  realizar  atividades; suas propriedades podem se expressar por parâmetros variáveis  ou  constantes,  cujos  valores  decorrem  de características do próprio elemento, de suas relações com  outros  elementos  e  das  restrições  externas que  sofre.  Classificam-se  tais  elementos  em  três grupos: os de entrada ou importação (inputs), os de processos de transformação interna do sistema, e os de saída ou exportação (outputs). Em conseqüência das propriedades de seus elementos e das interações entre estes, um sistema desenvolve processos, assume estados e apresenta propriedades específicas.
As relações entre os elementos de um sistema não tornam as propriedades deste uma mera soma das propriedades de seus elementos ou subsistemas; ocorre tanto a emergência de novas propriedades como o impedimento da manifestação de outras. Morin (2005a) afirma que o todo é mais do que a soma de suas partes (graças às propriedades emergentes) e ao mesmo tempo é menos do que a soma de suas partes (devido às imposições). Como exemplos de emergências, o autor cita o perfume das flores e a beleza das obras de arte;  a  regulação  da  atividade  de  uma  enzima  no  interior de uma célula ou a não expressão de todo o conjunto de genes desta são exemplos do segundo caso. As relações que implicam em restrições, imposições, sujeições e repressões levam à criação de regras, hierarquias, controles, ajustes de equilíbrio e comando de mudanças.
Conforme Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), a sinergia (positiva nas emergências, negativa nas inibições) constitui a primeira propriedade a emergir ao se constituir um  sistema;  outras  propriedades  fundamentais  são  a globalidade  (estabelecimento  de  uma  unidade  global invariante) e a possibilidade de surgirem novidades; simultaneamente,  o  sistema  preserva  sua  estrutura  e propriedades e se abre a inovações. 
Os elementos ativos de um sistema estabelecem entre si relações diretas e indiretas. A rede dessas relações pode assumir a forma de árvore, como nas relações de hierarquia, ou circular (de anel, de laço), ao se processar pelo princípio do  círculo  recorrente:  os  efeitos  da  relação  entre  os elementos são causas dessa mesma relação; o produto de um sistema regula a produção do mesmo produto; o estado final de um sistema gera ou modifica seu estado inicial; retroagem os efeitos sobre suas causas. As retroalimentações (retroações) podem ser positivas, se os círculos reforçam uma ação e provocam um efeito cumulativo; ou negativas (homeostáticas), se a estabilizam.
As relações de hierarquia constituem um caso particular de relações de ordem. Para se considerar um sistema como ordenado, pelo menos uma das relações que caracterizam sua estrutura deve ser de ordem, ou seja, esta precisa estar obrigatoriamente presente no sistema.
Cumpre distinguir ordem e organização: para Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), a segunda constitui característica essencial de cada sistema; a primeira, característica particular de certas organizações e sistemas. Uma organização pode ser não ordenada, isto é, um sistema organizado pode não apresentar relações de ordem internas; e uma organização ordenada  pode  não  ser  totalmente  hierarquizada.  Ainda segundo os autores, a organização de um sistema identifica-se no conjunto de características estruturais e funcionais, a representar as relações, atividades e funções desse sistema, que  o  capacitam  a  transformar,  produzir,  reunir,  manter e  gerar  seus  próprios  componentes;  ela  transforma  a diversidade de comportamentos dos vários elementos do sistema em uma relação global e também cria diversidade e especificidades. 
A  estrutura  de  um  sistema,  invariante  ou  não  com  o tempo, resulta de uma articulação das relações entre os seus elementos; estes também conferem um funcionamento ao sistema e conduzem os processos de sua transformação. As funções de um sistema advêm de atividades desenvolvidas pelos seus elementos. Ao se exercerem, elas determinam uma funcionalidade do sistema, que se revela, então, como uma estrutura em funcionamento.
A distribuição dos elementos no interior de um sistema leva-os  a  encontros  fortuitos  que  determinam  relações entre  eles,  a  partir  das  quais  se  origina  a  propriedade  da organização.  Toda  organização  contém  certa  dose  de desorganização, que estimula ou reduz a organização.  Para exercer o papel de criação, um sistema precisa se constituir e se desenvolver de modo às forças de atração ou cooperação entre seus elementos predominarem sobre as de repulsão ou competição, que semeiam desorganização. Ao preponderar esta, por condições criadas pelas forças de competição, o sistema  entra  em  desintegração.  Na  situação  oposta,  em que  se  salientam  as  forças  de  organização,  propaga-se a  integração  do  sistema.  Em  seus  limites,  a  crise  de  um sistema se manifesta como desorganização ou organização plena, ou seja, mobilidade ou imobilidade total. As forças de  competição  ou  cooperação  podem  advir  do  exterior do  sistema.  Por  estar  aberto  à  novidade,  o  sistema  pode sofrer  desintegração  e  desorganização,  que  precedem  a sua reorganização.
Um sistema pode ter objetivos (finalidades, propósitos, intenções, expectativas), a ele atribuídos e explicitados por um sujeito que o observa e pesquisa. Este também identifica suas  fronteiras,  que  permitem  delimitar  os  elementos internos, externos e de fronteira do sistema. Tudo o que se situa fora do sistema é o seu meio ambiente, universo que  o  complementa.  Os  elementos  internos  mantêm determinado  tipo  de  relação  apenas  com  elementos  do universo  do  sistema,  não  com  os  do  universo  do  meio ambiente,  que,  por  sua  vez,  mantêm  um  tipo  de  relação exclusivamente entre si, não com aqueles do sistema. Já os elementos de fronteira estabelecem relações bilaterais entre o sistema e o meio ambiente, ao relacionarem-se com os elementos internos e externos ao sistema; como elementos de importação e exportação, são responsáveis pelas entradas no e saídas do sistema.
Energia, matéria e informação fluem do sistema para seu meio ambiente e vice-versa. Um sistema seria totalmente aberto  se  a  ele  fossem  externos  todos  os  elementos  de fronteira; entretanto, se todos estes pertencerem ao universo do sistema, este se torna um conjunto fechado.
Um  sistema  em  estado  de  equilíbrio  apresenta  como característica  a  estabilidade;  em  desequilíbrio,  manifesta instabilidade. Existe um potencial para a segunda, em um sistema em estado estável, ou para a estabilidade, em um sistema  em  estado  instável.  Em  estado  de  equilíbrio,  o sistema não se transforma, mantém as suas características organizacionais; em desequilíbrio, ele se altera, mudam suas características de organização.
Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000) citam duas características dos sistemas como associadas à manutenção ou à mudança de seu estado: a regulagem, em que o sistema e  seu  estado  de  equilíbrio  se  mantêm,  e  a  adaptação, expressada pela mudança para um novo estado de equilíbrio. A  regulagem  e  a  adaptação  se  dão  através  de  atividades exercidas por elementos externos, internos ou de fronteira do sistema. Alterações no comportamento dos elementos de um sistema indicam sua mudança de estado.
As mudanças de organização ocorrem devido às certezas e  incertezas  que  permeiam  as  relações  dos  elementos  de um  sistema  e  incluem-se  entre  os  processos  do  sistema tidos como emergências (excetua-se a sobrevivência, uma condição prévia de existência do sistema): se decorrem de atividades predeterminadas e realizadas por elementos internos, externos ou de fronteira, são previsíveis; se não forem predeterminadas, e sim espontâneas e autônomas, são  imprevisíveis. Mudanças  predeterminadas  podem complementar  e  facilitar  as  espontâneas,  ou  divergirem delas e antagonizá-las, criando dificuldades para o seu desenvolvimento,  o  que  traz  ao  sistema  um  estado  de contradição e conflito (crise). As mudanças podem ocorrer de modo contínuo ou descontínuo, através de incrementos ou  de  forma  radical,  em  que  há  completa  ruptura  com a  organização  interior,  como  nos  casos  de  catástrofes sistêmicas. As mudanças de estado se identificam pelos novos comportamentos dos elementos de entrada e saída do sistema; cada estado novo é considerado uma novidade no sistema.
Inesperados e imprevisíveis podem ser as propriedades e os comportamentos a surgir nas mudanças espontâneas, pois eles se baseiam em relações de sinergia, decorrem de altos graus de liberdade nas atividades dos elementos, da alta sensibilidade destes às contingências e circunstâncias ambientais,  ou  de  desvios  casuais.  Tal  ocorre  quando atividades  autônomas  de  elementos  do  meio  ambiente, caracterizadas como ruídos, perturbações ou flutuações, se introduzem no sistema e influenciam as suas mudanças.
Existem  várias  categorias  de  sistemas:  segue  abaixo uma tipologia elaborada por Bresciani Filho & D’Ottaviano (2004).
Se  as  sucessivas  mudanças  no  estado  de  um  sistema ocorrem  de  forma  a  se  manterem  proporcionais  os valores  atribuídos  às  suas  variáveis,  do  estado  inicial  aos subseqüentes, em relação a uma variável que caracteriza essa evolução dos estados, classifica-se o sistema como linear. Em um sistema não-linear não ocorre obrigatoriamente essa proporcionalidade; e se a sua evolução for hipersensível às condições iniciais, uma pequena alteração de uma variável no  estado  inicial  causará  grandes  mudanças  nos  estados posteriores do sistema.Um  sistema  dinâmico  aberto  troca  energia  e  massa (informação, só a contida na massa e na energia) com seu  meio  ambiente;  se  não  houver  troca,  é  um  sistema conservativo.  Se  o  sistema  perde  energia  para  o  meio ambiente,  é  dissipativo  ou  degenerativo;  se  a  recebe,  é regenerativo.Em um sistema determinístico, cada estado emerge do anterior conforme uma lei preestabelecida (causas iguais, efeitos iguais); pode-se prever o estado seguinte ou deduzir o precedente. 
Um sistema determinístico pode comportar uma pequena influência de fatores casuais, aleatórios, probabilísticos,  sem  seu  comportamento  evolutivo  ser afetado  pela  retirada  dos  mesmos;  esse  comportamento pode se apresentar probabilístico e determinista ao mesmo tempo; a partir de um estado inicial não identificado com exatidão, todavia, por uma distribuição de lei probabilística, pode-se deduzir, de acordo com uma lei determinista, seu futuro estado.
Em  um  sistema  dinâmico  caótico  predominam  no comportamento  leis  determinísticas,  embora  ele  possa conter uma dose de aleatoriedade, o que dificulta prever sua evolução,  ou  seja,  embora  de  natureza  determinista,  esse caos pode comportar-se de modo não previsível. No caos entrópico, descaracteriza-se, em sua evolução, a organização do sistema: interações entre fatores de influência (com parâmetros variáveis ou constantes), de estabilidade e de  instabilidade,  agem  no  sistema,  desenvolvem  vários processos  inter-relacionados,  promovem  tanto  a  sua organização  quanto  a  sua  desorganização.  As  forças dinâmicas de estabilidade atuam para criar condições de o sistema se organizar e se equilibrar; forças de instabilidade no sentido contrário atuam. A convergência e a divergência entre os dois tipos de força criam as condições básicas para os sistemas dinâmicos apresentarem um comportamento caótico  que,  ao  ser  observado,  permite  compreender processos considerados em parte organizados, esperados e  deter minados,  em  parte  aleatórios,  inesperados  e desorganizados.
O conjunto de estados de um sistema dissipativo, após determinado tempo, converge para caracterizar uma região permanente no espaço, em forma de pontos, curvas, ciclos ou outras figuras: os atratores, um conjunto de soluções para os estados de um sistema.
Os sistemas dinâmicos caóticos mostram durante sua evolução  uma  hipersensibilidade  às  condições  iniciais  e mudanças do comportamento organizado para o caótico; seu  conjunto  de  estados  desenha  atratores  caóticos  ou estranhos. Estes são representados por trajetórias alongadas, dobradas,  irregulares  e  com  dimensões  fracionadas (fractais). O aspecto irregular desses atratores estranhos resulta da dinâmica caótica de seus sistemas, de natureza determinística, não das perturbações, flutuações ou ruídos, de natureza estocástica e origem externa ao sistema. Já um fractal se revela como uma figura cuja forma se repete em escalas dimensionais cada vez mais diminutas, conservando um padrão de semelhança.
Um  sistema  dinâmico,  na  condição  de  estabilidade, apresenta-se  sob  o  controle  de  retroações  negativas,  que amortecem as influências das variáveis que provocariam uma  mudança  de  estado,  fazendo  o  sistema  retornar  ao estado  inicial.  Na  condição  de  instabilidade,  conduzido por retroações positivas, que reforçam as influências das mudanças ocorridas nas variáveis, o sistema sofre mudanças de  estado,  que  se  acumulam  e  podem  conduzi-lo  a  um colapso. Se ambas as retroações, negativas e positivas, se manifestam, seus efeitos podem levar o sistema a multifárias situações de comportamento.
Um  sistema  estruturalmente  estável  mantém  suas características dinâmicas diante de pequenas perturbações. Já nas transições de um comportamento estável para um instável,  do  organizado  para  o  caótico,  com  perda  de estabilidade  estrutural,  surgem  as  bifurcações;  os  pontos em  que  se  separam  duas  evoluções  temporais  de  um sistema denominam-se pontos de bifurcação. Um número crescente  de  variáveis  acopladas  entre  si,  a  influir  no sistema, com variadas freqüências de mudanças, pode gerar bifurcações: o sistema pode passar do estado estável para o aspecto periódico e, então, ao caótico (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2004).
A evolução caótica de um sistema dissipativo de energia pode  conduzi-lo  a  um  conjunto  de  estados  que  formam atratores  estranhos,  criadores  de  uma  nova  organização implícita surgida do caos, e a um comportamento instável e complexo. Sua hipersensibilidade às condições iniciais torna imprevisíveis,  em  um  longo  prazo,  as  conseqüências  das alterações nas variáveis desse sistema, que podem evoluir aceleradamente  com  o  passar  do  tempo.  Um  sistema  de evolução caótica acaba por se tornar irreversível no tempo, pois  se  torna  desprezível  a  probabilidade  de  retornar  à sua condição inicial, perdido um sincronismo perfeito das variáveis no espaço e no tempo.
Criação, auto-organização e complexidade
Sistemas complexos apresentam necessariamente relações circulares, apesar de seus elementos não serem obrigatoriamente numerosos. Os sistemas constituídos de muitos elementos, mesmo com relações arborescentes, podem ser considerados apenas complicados, mas não obrigatoriamente complexos. [...] a complexidade depende de quantidade de elementos, variedade de elementos, quantidade de relações e variedade de relações (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2000: 292-293).
A organização de um sistema apresenta dois aspectos complementares:  o  for mal,  em  que  uma  estr utura, predeter minada  ou  preconcebida  (constituída  por elementos internos, externos ou de fronteira) atende a um funcionamento que visa a uma finalidade prefixada; o  informal,  com  uma  estrutura  e  um  funcionamento correspondente, não predeterminado, nem preconcebido ou planejado, que espontaneamente decorre das atividades dos  elementos  inter nos  do  sistema  (raramente  de sua fronteira), com elevado grau de autonomia. Os aspectos  formal  e  informal  se  entrelaçam  para  constituir um  sistema,  e  dinamicamente  se  relacionam  para transformar organizacionalmente o sistema, em processos predeterminados,  preconcebidos  ou  planejados,  por atividades de elementos de fora, de dentro ou de fronteira; em  processos  espontâneos,  conseqüências  das  atividades autônomas de elementos internos do sistema (raramente de fronteira); ou ainda pela interação das atividades autônomas com as predeterminadas. 
A presença, na organização informal e nas mudanças organizacionais,  de  propriedades  e  de  comportamentos inesperados  e  imprevisíveis,  baseados  na  existência  de relações de sinergia, decorre dos altos graus de liberdade nas  atividades  dos  elementos,  de  altas  sensibilidades  dos mesmos  às  contingências  ambientais  ou  até  de  eventos do acaso.
Um sistema pode adquirir a propriedade de ser criativo: a  criação,  uma  emergência,  procede  de  transformações, predeterminadas, ou espontâneas e autônomas, de elementos do sistema (ou de sua fronteira), ou da interação dos dois tipos de transformação. Ela pode ser um novo produto ou resultar  de  um  processo  de  mudança  organizacional,  em que surgem estruturas ou funcionamentos novos.    
A criação deriva da influência de fatores ligados aos  graus  de  autonomia  e  à  natureza  constitutiva  dos elementos do sistema (eventualmente de fronteira), como a  plasticidade  e  a  elasticidade,  ou  de  uma  capacidade  de imaginação e concepção do sistema. Fatores incluídos na organização deste ou um meio ambiente motivador podem incitar a criação.
Entre a criação e a organização pode existir um círculo recorrente, em que a primeira estimula a modificação da segunda, que propicia a ocorrência da primeira.
Recorrência  similar  pode  existir  entre  a  criação  no sistema e o meio ambiente; este pode propiciar a criação, que por sua vez o altera. A criação pode se inserir no processo dinâmico relacional entre o meio ambiente e o sistema, que a este garante sobreviver, reproduzir-se e evoluir. Porém, uma auto-referência se faz necessária para o sistema não perder seu caráter e sua identidade. Atlan (1992) caracteriza a auto-referência como uma memória do sistema, um registro de estados de seu passado.
Para Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), na evolução de  um  sistema,  sucede-se  uma  seqüência  de  estados  de desequilíbrio e de equilíbrio; diversas organizações surgem durante a transformação do sistema provocada pela ação de  elementos  internos,  externos  e  de  fronteira.  Se  cada nova organização surgida for uma novidade, a evolução do sistema se define como criativa. A evolução pode assumir o caráter oposto, de um processo de dispersão de elementos ou de degradação rumo à desorganização; também pode gerar uma diversidade de organizações.
A interação das atividades predeterminadas, porventura existentes,  com  as  espontâneas  e  autônomas  entre  os elementos internos (ou de fronteira) de um sistema, através de  processos  recorrentes,  ou  a  introdução  de  atividades autônomas  do  meio  ambiente,  como  perturbações, ruídos e flutuações, pode despertar no sistema processos de  auto-organização,  que  modificam  ou  criam  novas organizações.
A auto-organização e a criação podem se relacionar por meio de um círculo recorrente no qual a auto-organização propicia a realização da criação e esta, ao se realizar, propicia uma modificação na forma de uma auto-organização.
O conjunto das características estruturais e funcionais de um sistema, sua organização, representa as relações entre os seus elementos e as suas atividades e deixa subjacente no  seu  interior  a  presença  de  uma  dinâmica  estrutural  e funcional. A estrutura e o funcionamento, com seus padrões de formação e evolução definidos, conferem uma identidade ao sistema. Em um processo de auto-organização não há padrões de formação e evolução predeterminados; muda-se  de  um  estado  para  outro  novo,  emergente,  por  um mecanismo de adaptação estrutural e funcional.
Uma  organização  emergente,  derivada  da  auto-organização, não apresenta necessariamente as características que a qualifiquem como criação organizacional. Nesses casos, a organização emergente pode ser identificada como uma reprodução ou duplicação de outra já existente ou com existência anterior. Isso ocorre na autopoese, propriedade auto-organizativa que garante uma constante manutenção e a reprodução dos seres vivos (Maturana & Varela, 1995). Na unidade autopoética, os componentes se envolvem no conjunto  das  reações  metabólicas  e  possuem  um  limite definido, a membrana celular (portanto, constituem um sistema). Para a unidade autopoética, o ser e o fazer não se separam e constituem um modo de organização.
A autopoese refere-se à produção contínua da vida por ela própria. Os seres orgânicos não manteriam a vida sem o comportamento autopoético; subsistem como sistemas ao eliminar para o meio ambiente calor, ruído e incerteza, isto é, entropia e desordem.Os  sistemas  dinâmicos  caóticos  também  comportam processos  de  auto-organização.  A  transição  de  um comportamento organizado para um caótico, de um regime estável para um instável, com perda de estabilidade estrutural, decorre da evolução temporal hipersensível às condições iniciais. Os parâmetros de organização do sistema podem influenciar nas transições de fase, em que as mudanças estabelecidas podem gerar novos padrões de organização. 
Os  sistemas  dinâmicos  caóticos  admitem  processos  que comportam emergências (criações, transformações) com auto-organização: o estudo da dinâmica da constituição, da mudança dos atratores do sistema, pode se confundir com o dos processos de auto-organização. Um sistema complexo pode ter muitos atratores, que mudam em função de certos parâmetros de controle funcionais e estruturais do sistema (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2004).
Um  sistema  de  evolução  caótica  se  torna  irreversível no tempo, pela quase impossível probabilidade de retornar às suas condições iniciais. Prigogine (2002) insinua uma intimidade entre irreversibilidade e complexidade: ambas formariam  uma  alça  recorrente.  A  presença  de  relações circulares é característica necessária a um sistema complexo: um  sistema  dinâmico  caótico  é  um  exemplo  de  sistema complexo.
Segundo Bresciani Filho & D’Ottaviano (2004), a caracterização  das  noções  de  relação  e  de  tipos  especiais de relações permite discutir a noção de complexidade. Sua compreensão  pode  se  dar  pela  visão  sistêmica  relacional desta  forma:  um  sistema  só  pode  ser  descrito  por  inter-relações entre todos seus elementos; uma relação decorre de uma característica particular dos elementos constituintes do universo do sistema; este é criado por uma distribuição inter-relacional  peculiar  de  seus  elementos;  tais  inter-relações dependem de uma referência comum de todo o conjunto de elementos a constituir o sistema, determinantes da identidade deste. Quanto maior a quantidade e variedade dos  elementos,  quanto  maior  a  quantidade  e  variedade das  relações  entre  eles,  maior  será  a  complexidade  do sistema.
Atlan (1992) destaca a presença de dois conjuntos de  noções  opostas  nos  sistemas:  de  um  lado,  repetição, regularidade  e  redundância;  do  outro,  improbabilidade, variedade e complexidade; e também os compromissos entre dois extremos, o de uma ordem repetitiva, perfeitamente simétrica, e o de uma variedade infinitamente complexa, imprevisível  em  seus  detalhes.  Inspirado  pela  teoria  da informação, pela cibernética e pelo princípio de ordem a partir do ruído, o autor propõe uma complexidade através do ruído, em que o elemento aleatório desempenha notável papel na organização dos sistemas.
A  auto-organização  leva  a  um  aumento  espontâneo de  complexidade  e  não  se  restringe  aos  seres  vivos  e  a modelos que os simulam: ela existe também em sistemas físico-químicos distantes do equilíbrio, cujas propriedades auto-organizadoras se originam de pareamentos de fluxos e  de  flutuações  aleatórias,  propriedades  de  sistemas termodinamicamente  abertos.  A  auto-organização,  um processo  de  aumento  de  complexidade  estrutural  e funcional,  resulta  de  uma  sucessão  de  desorganizações 
companhadas  pelo  estabelecimento  de  um  nível  de variedade maior e de redundância mais baixa.
Para um sistema ser auto-organizador, sua redundância inicial  deve  ser  mínima  e  o  aumento  de  complexidade ocorrer pela destruição das restrições internas do sistema, isto é, de sua redundância, antagônica à ação do ruído. O acaso não gera apenas desordem, contribui para elaborar uma complexidade organizacional. Uma aparente desordem oculta  uma  ordem  determinada.  Paradoxo:  o  ruído  que organiza  deixa  de  ser  necessariamente  um  ruído,  um elemento de desorganização; de acordo com a reação do sistema, ele passa a fazer parte de uma organização. O ruído produz erros no sistema, que a eles reage e modifica a si mesmo em um sentido que lhe seja benéfico, garantindo, ao menos, a sua sobrevivência. Se o sistema integra os erros, estes  perdem  seu  caráter  de  erro.  O  acaso  e  o  aleatório, sempre considerados antinômicos à ordem e ao organizado, contribuem para organizar o sistema.
Através  de  uma  seqüência  de  org anizações  e desorganizações,  ordens  e  desordens,  que  promovem modificações e criações no sistema, este se reorganiza e se torna mais complexo. A informação que o sistema possui sobre si mesmo, que aumenta pelo efeito do que ao observador parece ser um ruído, permite ao sistema funcionar e existir como sistema. Atlan (1992) acredita em uma circulação de incerteza entre o sistema e seu observador. Quanto mais desorganizado um sistema, menos informação ele carrega e maior se torna a incerteza do observador a seu respeito. A incerteza sobre um sistema seria uma medida da informação que falta sobre ele, caso em que a complexidade pode ser interpretada como um desconhecimento sobre os detalhes do sistema.
Morin (1999) ressalta a importância das interações e inter-retroações, especialmente nos fenômenos biológicos, e a relação antagonista e ao mesmo tempo complementar entre as noções de ordem, de desordem e de organização, que possibilitam a geração (a organização) de fenômenos ordenados a partir de agitações ou turbulências generalizadas. A  organização,  que  compõe  um  sistema  a  partir  de elementos diversificados, simultaneamente constitui uma unidade  e  uma  multiplicidade,  em  uma  complexidade lógica  que  o  autor  denomina  unitas  multiplex,  que  exige não transformar o um em múltiplo, nem este em um. Ao se  organizar  um  todo,  coações  inibem  ou  reprimem  as potencialidades dos elementos que se organizam, de forma ao sistema constituído se apresentar menor do que a soma de suas partes. Contudo, esse todo organizado, esse sistema, também  se  revela  maior  do  que  a  soma  de  suas  partes: surgem qualidades novas, as emergências, que retroagem ao  nível  dos  elementos  e  os  estimulam  a  exprimir  suas potencialidades (princípio sistêmico ou organizacional). Também se verifica que a organização não se origina somente de um centro de comando e decisão, mas pode surgir em múltiplos  centros  ou  de  interações  espontâneas  entre grupos  de  indivíduos,  como  em  organizações  biológicas e  sociais.  No  princípio  hologramático,  cada  elemento  de um sistema contém toda ou quase toda a informação do conjunto. Exemplo: uma célula armazena toda a informação genética do ser global, mas apenas parte de seus genes se manifesta, devido a inibições, repressões. O todo está na parte,  que  está  no  todo.  Só  se  pode  conhecer  o  todo  ao se conhecer todas as partes, e compreender a estas ao se conhecer o todo. Um circuito de ida e volta se faz necessário entre  os  pontos  individuais  e  seu  conjunto,  entre  cada elemento e o sistema que os inclui. Nem a fragmentação, nem o totalitarismo do global. Com base no princípio do anel retroativo de Wiener, um dos criadores da cibernética, que rompe com a causalidade linear e permite a autonomia, a auto-regulação de um sistema, Morin (1999) se refere ao princípio de organização recursiva, aquela cujos efeitos e produtos produzem e causam o que os produz. A interação entre os indivíduos produz uma sociedade humana; essas interações criam um todo organizador que retroage sobre os  indivíduos  e  os  engendra  como  humanidade,  através da linguagem e cultura. Quanto aos conceitos fechados e claros, o autor lembra: a complexidade não apenas exprime acasos,  desordens,  complicações,  fenômenos  mesclados; ela confunde as fronteiras de conceitos (como os de causa e efeito, produtor e produto, um e múltiplo) e rompe com a  idéia  cartesiana  de  clareza  e  distinção  das  coisas  como critério de verdade; não se enunciam mais verdades claras e nítidas, elas se cingem de ambigüidade e confusão (ruído). A separação nítida entre o objeto (sobretudo os seres vivos) e o seu meio ambiente atinge novo patamar: não se pode mais, como na ciência clássica, retirar o objeto de seu meio ambiente, isolá-lo em um meio artificial, para modificá-lo,  controlar  suas  alterações  para  conhecê-lo.  (Etólogos quebraram este imperativo de isolamento e manipulação.) A  autonomia,  ignota  no  determinismo,  assoma  com  a teoria dos sistemas: estes sobrevivem ao captar energia do meio ambiente, sua autonomia se funda na dependência do meio ambiente. Os conceitos de autonomia e dependência passam  a  se  complementar  em  seu  antagonismo.  Um sistema autônomo precisa, no universo da complexidade, comportar-se  simultaneamente  como  aberto  e  fechado, para preservar sua individualidade e originalidade. Para ser autônomo,  precisa-se  ser  dependente.  Como  exemplos, podem-se  citar  os  sistemas  vivos,  a  partir  dos  quais  se concebe o princípio da auto-eco-organização, um viver de morte  e  morrer  de  vida,  opostas  complementares  a  vida e a morte. Brota aqui o princípio dialógico: princípios ou noções que se excluem e ao mesmo tempo não se separam na mesma realidade; noções contraditórias se associam para conceber um fenômeno complexo, como a formação do universo pela ordem/desordem/interações/organização. O mundo físico não se entrega ao acaso, nem se submete a leis estritas: as organizações nascem de encontros aleatórios e  obedecem  a  determinados  princípios  que  determinam como esses elementos se ligam no todo.
Para Morin (1999), o observador volta à cena, desfaz-se a  ilusão  de  eliminá-lo  no  ato  de  observar:  o  observador-conceptor se integra na sua observação e concepção, uma volta  à  modéstia  intelectual  e  a  uma  aspiração  autêntica da  verdade;  se  a  teoria  não  explicar  o  problema  de  sua própria  produção,  ele  permanece.  Restaura-se  o  sujeito, o conhecimento se assume como reconstrução/tradução por um espírito/cérebro dentro de certa cultura e em uma determinada época (Morin, 2000). 
Sobre o paradoxo da contradição, Morin (1999) explica que a lógica clássica tinha valor de uma verdade absoluta e geral, não admitia contradições; estas exigiam o retorno do pensamento ao início do raciocínio. Mas o dialogar com a contradição permite estabelecer relações complementares e contraditórias entre noções fundamentais necessárias para se conceber o universo. O autor sugere transgredir a lógica aristotélica, ou substituí-la por outras.
A complexidade deve ser encarada como um desafio, que nos encoraja a prosseguir no diálogo com o universo, sem pretendermos conhecê-lo em sua totalidade; que exige estratégia para avançar no incerto e aleatório; que avança no  mundo  real  e  concreto  dos  fenômenos  sem  temer a  incerteza,  mas  as  integra  com  o  máximo  de  certezas possíveis.  Sem  metodologia,  cria  seu  próprio  método: nunca considerar os conceitos fechados, rearticular o que foi separado, promover o diálogo entre os antagonismos complementares, pensar de forma organizacional, valorizar as relações auto-eco-organizadoras e hologramáticas, assim como a recursividade. 
Não  se  trata  de  abandonar  os  princípios  de  ordem, de  autorizar  todas  as  transgressões,  de  expulsar  todas  as certezas,  de  opor  o  holismo  global  a  um  reducionismo mutilador;  trata-se  de  repor  as  partes  na  totalidade,  de articular ordem e desordem, de promover o diálogo entre a autonomia e a dependência, de integrar o pensamento linear e o sistêmico, de um ir e vir entre certezas e incertezas, de um unir e ao mesmo tempo distinguir, de repor as partes na totalidade e o todo nas partes (Morin, 2000).
Sistemas ambientais
Os sistemas ambientais representam entidades organizadas na superfície terrestres, de modo que a espacialidade se torna uma das suas características inerentes. A organização desses sistemas vincula-se com a estruturação e funcionamento de (e entre) seus elementos, assim como resulta da dinâmica evolutiva. Em virtude da variedade de elementos componentes e dos fluxos de interação, constituem exemplos de sistemas complexos espaciais (Christofoletti, 1999: 35).
De acordo com Troppmair (2004), não se estuda de  maneira  isolada  solo,  clima,  água,  vegetação  e  outros componentes  do  meio  ambiente;  este  precisa  ser  visto como o lugar em que os seres vivos, inclusive o Homem, desenvolvem suas atividades, o que exige em sua pesquisa uma visão integrada e sistêmica. Uma concepção sistêmica permite entender os sistemas ambientais como organizações espaciais, estruturadas e em funcionamento como unidades complexas.  Como  exemplos  de  sistemas  ambientais complexos, existem os ecossistemas (sistemas ambientais biológicos constituídos em função dos seres vivos) e os geossistemas  (sistemas  ambientais  para  as  sociedades humanas, constituídos por elementos físicos e biológicos da natureza, analisados pela perspectiva geográfica). O  estudo  dos  sistemas  ambientais  aponta  para  duas abordagens: a ecológica e a geográfica. A primeira enfoca as características das comunidades biológicas e seus habitats; a segunda se volta para a contribuição dos elementos físicos e biogeográficos na organização do espaço; a interação de  ambas  permite  compreender  de  maneira  integrada a  complexidade  de  um  sistema  ambiental.  Conhecer  os elementos de um sistema ambiental, e como este funciona, permite elaborar modelos para estudá-lo, através dos quais se  pode  prever,  por  exemplo,  que  impactos  ambientais podem afetá-lo, como romperiam o seu equilíbrio, assim como mitigar e reparar, ao menos parcialmente, os efeitos de tais impactos.
Ecossistemas
Os organismos vivos e o seu ambiente não-vivo (abiótico) estão inseparavelmente inter-relacionados e interagem entre si. Chamamos de sistema ecológico ouecossistemaqualquer unidade (biossistema) que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica) numa dada área, interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não-vivas (Odum, 1988: 9).
A  idéia  da  interação  entre  os  seres  vivos  e  seu  meio ambiente (e dos seres humanos com a natureza) é antiga. Na  segunda  metade  do  século  XIX,  ela  apareceu  em publicações sobre ecologia nos Estados Unidos e Europa. Em 1935, o britânico Tansley sistematizou o termo ecossistema. Segundo Tricart (1977), Tansley entendia o  ecossistema  como  um  conjunto  de  seres  vivos  que dependem mutuamente uns dos outros e do meio ambiente em que vivem. De acordo com Christofoletti (1999), o conceito teve o objetivo de definir uma unidade resultante das interações entre todos os seres vivos habitantes de uma determinada região com as características físicas da mesma, ou seja, incluir não apenas os seres vivos, mas também os fatores físicos do meio ambiente - não se poderia separar os dois componentes de um sistema ambiental. Sem a presença de seres vivos, não há ecossistema.
Odum (1988) entende que em um ecossistema interagem uma comunidade biótica, o fluxo de energia e a ciclagem de matéria. O fluxo de energia unidirecional (irreversível) provém do Sol: parte da energia luminosa, captada pelos seres vivos clorofilados, transforma-se em energia química e se inclui na matéria orgânica sintetizada durante a fotossíntese; outra parte da energia, liberada na forma de calor, retorna ao sistema, dissipa-se (o ser vivo exporta entropia), não é reutilizada. Os materiais, como o  nitrogênio,  a  água,  o  fósforo  e  o  carbono,  podem  ser reutilizados  inúmeras  vezes,  passam  constantemente  do corpo dos seres vivos para o meio ambiente físico e vice-versa. Todos os ecossistemas, inclusive o global, a biosfera, são  sistemas  abertos  com  uma  entrada  e  uma  saída  para a energia que flui, para os seres vivos que emigram ou imigram, para os materiais que se movimentam em ciclos. A comunidade biótica se constitui pelo conjunto de seres vivos do ecossistema.
Do ponto de vista trófico, um ecossistema apresenta os organismos autótrofos, plantas ou bactérias clorofiladas, fixadoras  de  energia  luminosa,  que  retiram,  do  meio ambiente, substâncias simples como água e sais minerais e sintetizam substâncias orgânicas complexas; e os organismos heterótrofos,  que  sobrevivem  direta  ou  indiretamente  à custa de substâncias orgânicas provenientes dos autótrofos, também  nomeados  como  produtores.  Os  heterótrofos organizam-se em dois grupos: consumidores, representado pelos animais, que se alimentam diretamente das plantas ou de outros animais, e decompositores, principalmente fungos e bactérias, que degradam a matéria morta e os dejetos de animais. A decomposição libera, no meio ambiente físico, nutrientes  inorgânicos  como  a  água  e  o  gás  carbônico, disponibilizados aos produtores.
A cadeia trófica consiste em uma série de organismos em  que  cada  qual  se  alimenta  do  anterior.  Por  exemplo, um vegetal é devorado por um pequeno mamífero roedor, este por uma serpente, esta por um gavião. A planta capta energia da luz do Sol na fotossíntese, armazena-a na forma de energia química nos alimentos produzidos e dissipa parte dessa energia, como calor (entropia) em processos como a respiração. Portanto, nem toda energia que ela absorve se  mantém  em  seu  organismo;  a  quantidade  de  energia contida em alimentos que ela cede ao roedor, consumidor primário, é menor do que a captada por ela. O roedor, por sua vez, também dissipa energia na forma de calor em seus processos metabólicos. A quantidade de energia que ele cede ao consumidor secundário, a serpente, ao ser devorado, é menor do que a que obteve da planta. O mesmo sucederá à serpente, ao ser predada pelo consumidor terciário, o gavião. Cada nível trófico dissipa como calor (entropia) parte da energia que recebeu do anterior, de modo que existe um limite para o número de elos da cadeia trófica.
As  relações  que  ligam  os  seres  vivos  entre  si,  como o  predatismo,  em  que  um  mata  e  devora  a  outro,  o parasitismo, em que um se alimenta de outro mantido vivo, a simbiose, em que dois seres de espécies diferentes se unem para colaborar entre si, constituem casos de emergências em um ecossistema, no entender de Morin (2005b). A predação, uma relação antagônica extrema, de predador e presa (o gavião com a serpente, esta com o roedor), produz sua própria regulação e adquire o caráter de um fator de organização.  A  destruição  se  torna  também  um  fator  de conservação do predador e da presa, da diversidade e do antagonismo organizacional. No caso do mutualismo, um ser vivo se liga a outro de espécie diferente numa relação circular tão íntima, que a morte de um deles acarreta a do parceiro. As relações dentro de um ecossistema chegam a atingir formas tão complexas, que um ser vivo depende de outro para se reproduzir, como no caso da orquídea-balde e de sua abelha polinizadora. A extinção de uma das espécies resultaria também na de sua parceira. Morin (2005b) conclui, então,  que  a  unitas  multiplex  (unidade  na  diversidade  e diversidade na unidade) está presente nos ecossistemas.
O  estudo  dos  ecossistemas  se  efetua  pela  Ecologia. Este vocábulo, proposto por Ernst Haeckel, em 1869, inicialmente  um  ramo  da  Biologia,  assume  atualmente  o caráter de Ciência com um campo de estudos definido. A Ecologia pesquisa os ciclos de nutrientes, o fluxo de energia, as relações dos seres vivos com seu meio ambiente físico (biótopo) e entre si, as populações (conjunto de espécimes de uma espécie), as comunidades bióticas (biocenoses), os ecossistemas,  os  biomas  (biossistemas  de  grande  porte, como a Floresta Tropical) e a biosfera ou ecosfera (toda parte da Terra onde existe vida).
Dois  conceitos  importantes  em  ecologia  são  os  de biodiversidade e sucessão ecológica. O primeiro se refere à variedade de espécies de um ecossistema, bioma, biosfera ou de regiões geograficamente delimitadas, como um país ou uma cidade. O segundo conceito se refere ao conjunto de modificações na diversidade biológica de um ecossistema e nas suas condições ambientais ao longo do tempo, rumo a um nível de organização cada vez mais complexo. Ao longo de um processo de sucessão ecológica, cada novo estágio (uma série) representa um novo estado do ecossistema; cada novo habitat ou nicho ecológico, surgido e disponível para ocupação, pode ser reputado como uma emergência; a evolução progride rumo a sucessivos níveis mais estáveis, organizados  e  complexos,  com  maior  biodiversidade  e biomassa, até atingir o estágio clímax, o mais elevado nível de  complexidade  do  ecossistema  durante  seu  processo evolutivo.  Se  um  ecossistema  em  estágio  clímax  entra em crise, sofre danos por ação de agentes naturais como incêndios,  abalos  sísmicos,  erupções  vulcânicas,  ou  pela deliberada  ação  do  Homem,  sua  complexidade  diminui. Pode  ocorrer  uma  sucessão  secundária  com  sua  parcial recuperação, como no Parque Estadual da Cantareira (São Paulo); em geral, origina-se um disclímax diverso do clímax primitivo, menos biodiverso e menos complexo.
Intervenções humanas causadoras de simplificação de sistemas ambientais ocorrem, por exemplo, ao se eliminar uma  mata  nativa  e  se  lotear  o  terreno  para  instalar  um condomínio, ou ao se substituí-la por um florestamento com  monoculturas  de  espécies  exóticas,  como  nos empreendimentos  da  indústria  de  papel  e  celulose.  Nos dois  casos,  reduz-se  a  biodiversidade  e  a  complexidade do sistema.
Para Tricart (1977), o Homem participa dos ecossistemas em que vive e os modifica conforme as suas necessidades, qualquer que seja o nível de desenvolvimento da sociedade humana.  Não  existiriam  mais  ecossistemas  totalmente naturais, todos sofreram algum nível de modificação pela ação humana.
Geossistemas
[...] o Geossistema é um sistema natural, complexo e integrado onde há circulação de energia e matéria e onde ocorre exploração biológica, inclusive aquela praticada pelo homem. Pela ação antrópica poderão ocorrer pequenas alterações no sistema, afetando algumas de suas características, porém estas serão perceptíveis apenas em micro-escala e nunca com tal intensidade que o Geossistema seja totalmente [...] descaracterizado ou condenado a desaparecer (Troppmair, 2000: 5).
No século XX, a teoria geral dos sistemas adentrou o terreno da Geografia, com as propostas de classificação de sistemas geográficos, inclusive dos naturais, como as paisagens, e da formulação de modelos para pesquisá-los. A conexão entre duas contribuições, a tradição dos naturalistas viajantes  e  a  teoria  dos  sistemas,  permitiu  elaborar  um modelo teórico, para estudar o espaço geográfico, que valoriza  a  integração  entre  os  elementos  dos  sistemas naturais:  a  teoria  dos  geossistemas,  uma  abordagem sistêmica  que  permite  delinear  unidades  espaciais,  em diversas escalas, com características elementares, relacionais e  dinâmicas,  similares  entre  si.  Duas  escolas  elaboraram o  conceito  de  geossistema,  cada  qual  com  suas  nuances próprias: a russa, principalmente através de Sotchava (1977), e a francesa, com Bertrand (2005).   
Para Sotchava (1977), o estudo dos geossistemas não se dirige aos seus componentes naturais em si, mas às conexões que estabelecem entre si; não  se detém apenas na  descrição  da  morfologia  das  paisagens  e  subsistemas, mas  visa  à  compreensão  de  sua  estrutura  funcional  e sua  dinâmica.  Os  geossistemas  constituem  formações naturais,  contudo  os  fatores  econômicos  e  sociais  atuam sobre eles: as paisagens antropogênicas significam estados alterados  de  primitivos  geossistemas  naturais.  Não  se define um geossistema pela justaposição de características reconhecidas  em  sua  análise,  isto  é,  classificações pedológicas, geológicas, fitogeográficas, climatológicas e geomorfológicas:  a  unidade  mínima  de  um  geossistema se define pela ocorrência de fluxos de matéria e energia limitados a um determinado espaço, abrangendo o território onde se encontram os elementos que asseguram a unidade deste sistema. Os geossistemas, sistemas dinâmicos abertos, em  que  se  introduz  negentropia  oriunda  do  Sol  e  das forças internas da Terra, subdividem-se em terrestres e os referentes aos oceanos e mares, e ocupam áreas de centenas ou milhares de quilômetros quadrados. Por sua dinâmica, os geossistemas admitem uma classificação através de seus estados sucessivos, algo fundamental para se planejar sua utilização  humana,  o  que  exige  a  elaboração  de  modelos que reflitam a influência de parâmetros econômicos e sociais  nas  conexões  do  geossistema.  O  uso  de  modelos e gráficos, em especial nos geossistemas modificados pela intervenção humana, permite prognosticar a sua evolução e sugere as medidas mais adequadas para se proteger o meio ambiente.
Bertrand (2004) salienta a importância dos termos de origem ecológica, como a biocenose (número de espécies e indivíduos de uma região determinada) e o ecossistema. Este não apresenta escala definida (pode variar de uma lagoa até um oceano), é um conceito biológico, não geográfico, não recomendável para estudar o espaço, embora autores da Rússia e Estados Unidos o considerem como um sistema energético representativo de uma paisagem. O conceito de geossistema enfatiza a complexidade e a dinâmica do espaço estudado: uma paisagem nítida e delimitada, combinação local  e  única  de  elementos  de  vários  subsistemas  em interação (clima, rocha, sistema de declive, etc.) e de uma dinâmica  comum  (mesmas  geomorfogênese,  pedogênese e degradação antrópica). Essa paisagem apresenta certa homogeneidade fisionômica, um mesmo tipo de evolução, unidade biológica e um contínuo ecológico que combina fatores  da  geomorfologia,  hidrologia  e  clima  (potencial ecológico  do  geossistema,  oposto  complementar  à  sua exploração biológica). Na escala de um geossistema, que  varia  de  alguns  poucos  a  centenas  de  quilômetros quadrados,  sucede-se  a  maioria  das  interações  entre  os elementos  da  paisagem.  Na  evolução  do  geossistema,  as diversas  formas  de  energia  interagem  e  comumente  se descortina um mosaico de paisagens em vários estágios, que permitem reconstituir sua cadeia histórica. O estágio clímax, de  equilíbrio  entre  o  potencial  ecológico  e  a  exploração biológica, raramente emerge pela complexidade dinâmica do geossistema num reduzido espaço-tempo, no qual a ação antrópica se torna determinante para promover alterações profundas.
Ao diferenciar ecossistema e geossistema, Troppmair (1983) entende que o primeiro termo, oriundo da Biologia, estuda as relações verticais entre os seres vivos e o seu meio ambiente, enquanto o segundo compreende inter-relações horizontais, geográficas e espaciais, analisa a interação de distribuição no espaço de componentes naturais, alterados ou não pelo Homem. Segundo Troppmair (2000), em um geossistema circula matéria e flui energia. A matéria contém vários produtos: naturais, metálicos, minerais não metálicos (calcário, argila), agrícolas de origem vegetal ou animal, industriais  semi-acabados  e  acabados,  que  abastecem  a esfera econômica ou que contém idéias, como os jornais e livros. A energia flui de forma unidirecional como nos ecossistemas e sua principal fonte é o Sol. Outras formas de energia são a hidráulica, a dos combustíveis fósseis, a eólica, a gravitacional e as de origem biológica, produzidas ou não pelo Homem para movimentar seus equipamentos e manter sua sociedade. Na dinâmica do geossistema, as alterações das  variáveis  podem  ocorrer  em  minutos,  como  no  caso do clima; no prazo de dias, caso das variações do estado do tempo; em meses, na variação da fenologia da fauna e flora, assim como nos ciclos hidrológicos; ou levar de milhares ou milhões de anos, como na pedogênese e morfogênese. As diferentes características de cada geossistema permitem falar-se em uma geodiversidade, diferentes formas de sua organização,  tal  como  existe  a  diversidade  biológica  nos ecossistemas.
Troppmair (2001) considera o geossistema como a própria  paisagem  vista  como  um  sistema,  unidade  real e  integrada.  Pode-se  acrescentar  ao  seu  ponto  de  vista, em uma visão sistêmica, que cada nova paisagem a surgir no  interior  de  um  geossistema  teria  o  caráter  de  uma emergência e que as atividades humanas podem contribuir para aumentar a sua complexidade.
O conceito de geossistema resgata a visão do espaço dos antigos gregos e de naturalistas como Alexander Von Humboldt, de um todo integrado e complexo.
Considerações finais
A Natureza é o que religa, articula, faz comunicar em profundeza o antropológico ao biológico e ao físico. Precisamos então reencontrar a Natureza para reencontrar nossa Natureza, como haviam sentido os românticos, autênticos guardiões da complexidade durante o século da grande Simplificação. A partir de então, vemos que a natureza do que nos afasta da Natureza constitui um desenvolvimento da Natureza, e nos aproxima ao mais íntimo da Natureza da Natureza. A Natureza da Natureza está em nossa natureza (Morin, 2005a: 451).
A teoria mecanicista da natureza, que a esta considerava inanimada  e  morta,  motriz  do  progresso  econômico  a qualquer  custo,  aparentemente  esvai-se.  Todavia,  todo cuidado é pouco. Prigogine & Stengers (1997) alertam para as repetidas ressurreições da fênix mecanicista, que sempre reaparece quando parece liquidada.Atlan (1992) se assusta com o neomecanicismo embutido na cibernética, teme a possível substituição do Homem por sistemas cibernéticos. Para Bertalanffy (1973), em um mundo cibernético, com referência nos sistemas, não mais nas pessoas, o ser humano se  tornaria  substituível  e  consumível;  em  um  grande sistema mundial, não passaria de um boneco dirigido por botões.  A  teoria  geral  dos  sistemas  pode  contribuir  para se engendrar um estado ou nação como nível superior na hierarquia de um sistema, constituiria o fundamento de um estado totalitário, em que o ser humano seria uma célula insignificante em um organismo (pouco diferente de ser uma peça em uma engrenagem).
O relógio mecânico de Newton foi apenas substituído pelo digital, sem alma como a natureza vista por Descartes? Uma civilização que valoriza tanto a Ciência só se torna boa se o aumento do conhecimento humano for acompanhado por um aumento de sua sabedoria interior. Ou então, instala-se uma crise. O que se sucede com um sistema em crise?Pelo ponto de vista da teoria dos sistemas, uma crise se apresenta como uma oportunidade para uma mudança. A humanidade passa por um momento de bifurcação, em que pode derivar para a emergência de um estado sistêmico mais complexo e estável. Para tanto, não se prescinde do resgate  da  physis,  não  mais  relegada  aos  antigos  gregos, através do estudo dos sistemas ambientais.
Uma   natureza que  parte  do   indeterminismo, espontaneidade  e  criatividade,  e  se  auto-organiza;  que se  alimenta  da  desordem  e  da  incerteza,  age  de  maneira flexível  e  aberta,  sem  planos  definitivos  e  se  abre  às singularidades e novidades: esse novo conceito desconstrói as  bases  da  civilização  moderna,  cria  uma  nova  visão  de natureza humana e um novo sentido para o relacionamento humano  com  o  mundo  natural.  Tradições  passadas  se reconciliam com novas linhas de pensamento, a ciência e a espiritualidade se aproximam. 
Segundo Morin (2005a), emerge da atual crise um novo universo, unidade de cosmos, physis e caos, singular, fenomênico  e  generativo,  que  produz  de  si  mesmo desordem,  ordem,  organização,  dispersão  e  diversidade: uma unidade complexa, que não exclui o singular pelo geral, nem o geral pelo singular. Um universo em movimento, em devir, em que a história se faz presente. Nesse universo, a physis se reencontra com a plenitude genérica a ela atribuída pelos pré-socráticos. Reanimada e regenerada, ela precisa ser generalizada, reintroduzida em tudo que é humano, em tudo o que é vivo.
Interagir  de  for ma  complexa  com  a  Natureza, interiorizá-la  como  valor  perene,  como  fonte  de  alegria, beleza  e  identidade,  promove  um  retorno  à  Natureza interior humana e seu resgate para reintegrá-la à Natureza exterior,  ao  se  assumir  responsabilidades  com  a  vida  e  a Terra. Assim se resgatará um homem que não se reduz à sua dimensão social nem à de Homo faber, que não se assume só como Homo demens, mas que sabe ser Homo sapiens, que se  preocupa  em  valorizar  a  beleza  e  a  funcionalidade  do meio ambiente.
Somos seres vivos, seres humanos, não somos máquinas, não  somos  constituídos  por  engrenagens  ou  circuitos integrados.  Por  mais  habilidades  que  um  computador manifeste, ele nunca será humano. A metáfora da máquina precisa ser abandonada, o fantasma da máquina precisa ser exorcizado, como no conto de Andersen “O rouxinol do imperador da China”: o supremo mandatário chinês trocou o pássaro verdadeiro por um mecânico, adoeceu por este funcionar mal e recuperou-se com a volta do pássaro vivo, com seu canto verdadeiro, não uma gravação a se repetir. Metáfora  do  resgate  do  ser  humano  de  sua  opção  pelo mecânico, repetitivo, decepcionante, em favor da religação com a natureza da qual nunca deixou de fazer parte?
Como deve proceder então o pesquisador? O legado de Humboldt se afigura como exemplo: buscar a unidade da natureza permanece o seu papel; estudar as emergências e complexidades na organização do espaço, através de uma colaboração interdisciplinar de diversos profissionais, sem deixar  de  assumir  a  responsabilidade  pelo  conhecimento gerado, sem se omitir quanto à maneira pela qual ele será utilizado.  Tal  postura  contribuirá  para  substituir  a  visão estritamente econômica pela ecológica, para se conservar e usar com sabedoria e consciência o espaço geográfico, preservar os ecossistemas e sua biodiversidade, manter o equilíbrio e a qualidade ambiental na Terra.
 
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