Reconhecendo potencialidades e limitações do uso de um material concreto acessível para o ensino de operações com polinômios em uma turma regular com estudantes cegos inseridos.
Para introduzir a temática apresentam-se considerações sobre a inclusão na legislação; a linguagem dos deficientes visuais; o papel do professor em relação ao ensino destes estudantes; o uso de materiais manipuláveis e concepções de álgebra e educação algébrica.
Metodologicamente, a pesquisa se concretiza com a elaboração de um material acessível aos alunos cegos para o ensino de operações com polinômios.
Como potencialidades observa-se que o uso do material possibilita a inclusão do estudante com deficiência visual além de motivar e propiciar a aprendizagem sobre a representação e a operação com polinômios para todos os estudantes da turma.
Destaca-se como limitações a necessidade de montar o material, o que pode ser feito por professores e estudantes; e o erro conceitual matemático em relação à representação possível de monômios dadas as características do material utilizado.
Sobre a legislação e inclusão de pessoas com deficiência
No Brasil, é com a Constituição Federal que a Educação Inclusiva ganha destaque, incorporando em seu artigo 208, o dever do estado ao atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988).
Porém, o papel da escola vai muito além de simplesmente colocar um aluno em sala de aula. Para Mantoan[1] “Não adianta, contudo, admitir o acesso de todos às escolas, sem garantir o prosseguimento da escolaridade até o nível que cada aluno for capaz de atingir. Ao contrário do que alguns ainda pensam, não há inclusão, quando a inserção de um aluno é condicionada à matrícula em uma escola ou classe especial”. (MANTOAN, 2003 apud REIS, 2010, p.50).
A partir da década de 90, percebeu-se grande empenho em inserir os estudantes com deficiência na rede regular de ensino. Entende-se que não é o estudante com deficiência que deve se adequar ao sistema de ensino, mas sim, o sistema de ensino é que deve se adequar às necessidades dos estudantes, surgindo assim, a concepção de inclusão onde não basta apenas inserir a criança no meio escolar, mas também integrá-la, aceitando e valorizando suas diferenças (REIS, 2010).
Em 1998 foi redigido o documento Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares (PCN-AC), onde são propostas adequações curriculares como: alterações nos objetivos, no tratamento e desenvolvimento de conteúdos, no processo avaliativo e no tempo e organização dispensada aos conteúdos, cuja finalidade é subsidiar a prática docente e auxiliar na aprendizagem dos estudantes. O documento ressalta ainda que “O acesso à escola extrapola o ato da matrícula e implica apropriação do saber e das oportunidades educacionais oferecidas à totalidade dos alunos com vistas a atingir as finalidades da educação, a despeito da diversidade na população escolar” (BRASIL, 1998, p.15).
As adaptações propostas no documento levam em consideração as qualidades, capacidades e potenciais da criança, e não se baseiam mais, como até então ocorria, em suas limitações e deficiências. Além disso se caracterizam como medidas pedagógicas a serem adotadas na sala de aula e não só para um aluno individualmente (BRASIL, 1998).
Para Vygotsky os indivíduos cegos possuem desenvolvimento cognitivo normal, e a falta de experiências visuais pode ser suprida com o uso de representações concretas. Vygotsky (1997) ressalta ainda que, não se pode tratar a cegueira apenas como uma deficiência, mas, em certo ponto, como uma Fonte de manifestação de suas capacidades. Sendo assim, faz-se tarefa do professor, buscar estímulos e instrumentos adequados, a fim de que os estudantes possam ter acesso ao conhecimento a partir de intervenções e interações.
Entende-se que a escola inclusiva é aquela em que todos estão em sala de aula regular, recebendo oportunidades e apoio necessários, e deve-se levar em consideração a diversidade no sentido de que também uma criança sem qualquer deficiência se difere das demais. Deste modo, a escola inclusiva vê cada educando como um ser único, dando meios para que o mesmo desenvolva suas potencialidades individuais. Não há em nossa sociedade um estudante padrão (REIS, 2010), logo, não pode existir um professor padrão, uma sala de aula padrão, um sistema de ensino padrão, assim, as aulas deverão ser únicas, para educandos únicos.
Sobre o uso de materiais manipuláveis para o ensino de matemática
Uma das possibilidades de aproximar o estudante vidente e cego do conhecimento matemático se dá pela utilização de materiais manipuláveis. Lorenzato (2006) refere-se a estes materiais como sendo aqueles em que o estudante pode: tocar, sentir e manejar, classificando-os em dinâmicos e estáticos. Os dinâmicos são aqueles em que há transformação, como por exemplo, a utilização de palitos de churrasco interligados com garrotes, que permitem a construção de várias formas geométricas, ou ainda, o Multiplano, que possibilita ao estudante realizar várias construções e transformações a partir de pinos e elásticos, já os materiais estáticos são aqueles cuja estrutura não pode ser modificada pelo estudante, sendo, por exemplo, jogos, sólidos geométricos, escala cuisenaire e blocos lógicos.
Apesar de existirem no mercado, muitos materiais manipuláveis comercializáveis para a utilização em aula, nem sempre estes estão em formato acessível a alunos cegos, sendo necessário que o professor realize uma adaptação do material. Batista, Miranda e Mocrosky (2016) reforçam a necessidade de utilização destes materiais ao afirmar que,
Na escola, a vida acadêmica passa pela organização disciplinar dos conteúdos a serem estudados e as disciplinas apresentadas em sala de aula utilizam muito a visualização de números, gráficos, letras, símbolos e imagens. Assim, alunos com cegueira ou baixa visão necessitam de reorganização na estrutura escolar, com recursos didáticos, tecnológicos e com o auxílio de materiais voltados para ajudar na compreensão do conteúdo, além de contar com educadores que saibam utilizar tais recursos e que entendam as dificuldades enfrentadas pelos deficientes visuais. (BATISTA, MIRANDA, MOCROSKY, 2016, p.116).
O processo de adaptação de materiais para o ensino de matemática a deficientes visuais pode ser realizado de maneira simples, sem a necessidade de grandes ideias que dispensem alto valor financeiro. É necessário utilizar materiais que possam ser tocados, sentidos ou ouvidos, a fim de aguçar os outros sentidos (BATISTA, MIRANDA E MOCROSKY, 2016), como reforçam Sá, Campos e Silva (2007)
[...] algumas atividades predominantemente visuais devem ser adaptadas com antecedência e outras durante sua execução por meio de descrição, informação tátil, auditiva, olfativa e qualquer outra referência que favoreça a compreensão do ambiente [...] os esquemas, símbolos e diagramas presentes devem ser descritos oralmente. Os desenhos, gráficos e ilustrações devem ser adaptados e representados em relevo. (SÁ; CAMPOS; SILVA, p. 25, 2007).
Nesse sentido, a criatividade do professor é fundamental no sentido de usar os recursos disponíveis adaptando-os conforme o objetivo da aula. É importante que os materiais criados tenham tamanhos e texturas diferenciados para facilitar a percepção tátil do estudante
O relevo deve ser facilmente percebido pelo tato e, sempre que possível, constituir-se de diferentes texturas para melhor destacar as partes componentes do todo. Contrastes do tipo liso/áspero, fino/espesso, permitem distinções adequadas. O material não deve provocar rejeição ao manuseio e ser resistente que não se estrague com facilidade e resida à exploração tátil e ao manuseio constante. (SÁ; CAMPOS; SILVA, p. 27, 2007).
Para Sá, Campos e Silva (2007), o ato de se utilizar recursos metodológicos que contemplem a deficiência visual, implica em melhor rendimento do estudante, que demonstra maior compreensão dos conceitos a partir da sensação tátil. Quando o professor cria recursos que auxiliem no aprendizado de estudantes com necessidades educacionais especiais, acaba também por beneficiar o ensino dos demais, facilitando a compreensão de todos (SÁ, CAMPOS, SILVA, 2007).
É importante ressaltar que o professor pode incentivar a participação dos estudantes na confecção de materiais, usando este momento para também ensinar conceitos matemáticos. Além disso, os materiais manipuláveis não podem ser restritos aos estudantes cegos, pois auxiliam também no ensino aos demais, e ao compartilharem a mesma metodologia e material de ensino, toda a classe é beneficiada e cria-se um ambiente mais inclusivo.
Uma possibilidade para o ensino de polinômios
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (DCE) (PARANÁ, 2008), a matemática não se restringe apenas à contagem e aplicação prática, mas se desenvolve através do pensamento abstrato, avançando em relação ao controle de quantidades e superando a operacionalização aritmética, de modo a surgir um novo ramo dentro da ciência matemática, denominado por álgebra: “A álgebra é um campo do conhecimento matemático que se formou sob contribuições de diversas culturas. Pode-se mencionar a álgebra egípcia, babilônica, grega, chinesa, hindu, arábica e da cultura europeia renascentista. Cada uma evidenciou elementos característicos que expressam o pensamento algébrico de cada cultura” (PARANÁ, 2008, p.51).
Educadores matemáticos e psicólogos, afirmam que o desenvolvimento do pensamento e da linguagem algébrica contribui na formação das funções psicológicas mais desenvolvidas do ser humano (SOUSA, PANOSSIAN, CEDRO, 2014). Mas afinal, o que é a álgebra? Este é um questionamento para o qual existem várias respostas, podendo ser uma ferramenta, uma linguagem, um modo de pensar, entre outras.
Sendo um tema que divide opiniões, Usiskin (1995) destaca quatro concepções sobre a álgebra de acordo com o significado que se dá às variáveis, são elas:
· Álgebra como aritmética generalizada, onde as letras são vistas como generalizações de padrões e modelos;
· Álgebra como estudo dos métodos para resolver certos problemas concretos (por exemplo, equações), onde as letras são consideradas como incógnitas a serem determinadas;
· Álgebra como estudo de relações entre grandezas (por exemplo, funções), onde as letras são vistas como variáveis dependentes e independentes;
· Álgebra como estrutura, onde as letras, vistas como símbolos abstratos, representam entes pertencentes às estruturas algébricas, por exemplo, corpos, anéis, grupos, etc.
Apesar das diferentes classificações e concepções em torno da álgebra, adota-se nesta pesquisa a concepção da educação algébrica, denominada, segundo Lins e Gimenez (1997) como concepção letrista facilitadora, na qual a utilização de material manipulativo e situações concretas têm como função auxiliar na formalização de estruturas.
O motivo desta escolha se deve ao fato de que se trata de um trabalho com estudantes deficientes visuais e, portanto, têm o tato (entre outros sentidos), como porta de entrada para novos aprendizados, além de considerar que os materiais concretos auxiliam, não apenas o aprendizado de estudantes com deficiência visual, como também o de videntes (LORENZATO, 2006).
A confecção do material utilizado na situação de ensino proposta foi pautada sob a perspectiva do Desenho Universal, que considera que o material deve ser pensado e construído de modo a contemplar todos os tipos de pessoas, com algum tipo de deficiência ou não, sem que haja a necessidade de adaptações.
A expressão Universal Design (Desenho Universal) foi usada pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1985, pelo arquiteto Ron Mace, que influenciou a mudança de paradigma no desenvolvimento de projetos urbanos, de arquitetura e design, inclusive de produtos. [...] o Desenho Universal aplicado a um projeto consiste na criação de ambientes e produtos que possam ser usados por todas as pessoas, na sua máxima extensão possíveis. (SÃO PAULO, 2010, p.14).
A proposta de ensino usada nesta pesquisa foi baseada na monografia intitulada “Estudo Básico de Polinômios na Educação de Cegos” (DIAS, SOUZA, 2007), porém com diversas adaptações, tanto na confecção do material quanto no desenvolvimento metodológico.
Com o Multiplano, é possível minimizar o problema referente às dimensões já discutidas anteriormente, além da possibilidade de variação das medidas, tornando o significado de grandezas variáveis de x e y mais fidedigno a tal conceito. Entretanto, o motivo pelo qual não foi utilizado o Multiplano durante a situação de ensino, se deve ao fato de que atualmente poucas escolas possuem este material em seu acervo, as que o possuem, apresentam pouca quantidade do mesmo, não sendo possível a utilização por todos os estudantes.
Dentre os principais erros cometidos está a má compreensão da regra de sinais, na subtração de polinômios, e/ou confusão no momento da representação solicitada.