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No mundo globalizado, nos deparamos com um consumismo exagerado na aquisição de bens de consumo por parte de todas as populações e, com isso, acabamos produzindo uma quantidade enorme de lixo por habitante, cujo destino final nem sempre é o adequado pelos governos e políticas de saúde dos países. Estudos revelam que 30% do lixo produzido no Brasil, são jogados nas ruas sem nenhuma preocupação por parte da população, isto acaba ocasionando problemas sérios e graves ao meio ambiente que afetam a todos nos grandes centros urbanos. Problemas como: entupimento de bueiros e galerias pluviais pode causar doenças transmitidas pela água contaminada que tem dificuldade de escoar, propiciando doenças como: cólera, hepatites, leptospirose, dengue entre outras. A contaminação do solo também é um indicativo importante para surgimento de outras doenças na população, cuja transmissão ocorre predominantemente por animais sinantrópicos como: roedores, insetos, aranhas entre outros. É importante que tenhamos uma responsabilidade ambiental no sentido de mudar paradigmas, nos cerceando de conscientização coletiva, para mudança de hábitos nas pessoas, para que possamos melhorar a nossa qualidade de vida com atitudes como:
-Realizar coleta seletiva de lixo em: indústrias, residências, serviços de saúde, restaurantes e Instituição de longa permanência para idosos entre outros; -Utilizar materiais recicláveis na construção civil; -Estimular o surgimento de cooperativas com inclusão de catadores de materiais recicláveis; -Preservar e recuperar áreas verdes; -Estimular a agricultura urbana; -Usar copos individuais nos locais de trabalho.
Com estas atitudes individuais, conseguiremos alcançar o objetivo de um meio ambiente mais saudável e agradável para futuras gerações, isentando-as de acometimento por doenças e complicações destas, que podem evoluir para mortes, decorrentes do desrespeito ao solo urbano e rural , no qual estamos vivenciando atualmente.
VAMOS SUPERAR A ERA DO DESPERDÍCIO E TRANSFORMAR O LIXO EM RECURSO?

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O livro de Levítico, na Bíblia, contém passagens que podem ser interpretadas como uma base para a promoção de práticas sustentáveis na agricultura e no uso da terra. (pedido para trabalho escolar)

Passagem do Levítico - Ordens para o descanso da terra e a devolução das terras aos proprietários originais a cada jubileu.

Interpretação - Pode ser interpretado como uma base para a promoção de práticas sustentáveis.

A partir de Levítico 25, analisa o significado essencial da terra para o ser humano, em seus diversos aspectos. O texto bíblico, assim como a terminologia usada para designar a terra, demonstram que há uma conaturalidade entre as pessoas e a terra. A partir dessa relação, toda a natureza é beneficiada, em vista de uma ecologia total. As leis sobre o ano sabático e o ano jubilar visam garantir a posse e o uso da terra de maneira justa e equitativa. Segundo essa visão da Bíblia Hebraica, uma outra relação com a terra é possível, com uma mística de respeito à vida em sua totalidade. Para realizar este ideal de direito à terra como direito à vida, Levítico 25,23-24 estabelece princípios fundamentais, como: não vender a
terra para sempre, para evitar o empobrecimento; visto que a terra pertence a Deus, ela é um bem sagrado; os seres humanos são inquilinos e não proprietários na terra; caso alguém perca a sua terra, terá o direito de resgatá-la.

A história do povo bíblico praticamente se confunde com a luta pela conquista da terra. A posse da terra é regida por princípios que asseguram o seu bom uso, bem como a relação harmoniosa entre o ser humano e a natureza, a fim de garantir o bem-estar das pessoas, e a convivência justa em sociedade. Regidas por uma mística diferenciada, algumas leis acentuam o direito à terra como direito fundamental ao sustento e à vida. Entre a realidade do antigo Israel e a do Brasil atual, há semelhanças e diferenças.
A luta pela terra, entretanto, é um paradigma constante. Significa que serve como exemplo, modelo ou protótipo. Nesse sentido, pode iluminar a realidade atual, como inspirou a situação histórica de muitos povos e culturas. Considere-se que a Bíblia é sagrada, canônica, normativa, é palavra de Deus para o seu povo.

A luta pela conquista e pela posse da terra parte de princípios diferentes, seja na Bíblia, seja na realidade do mundo atual. Enquanto lá a mentalidade é religiosa com olhar de fé e transcendência (teocêntrica), aqui ela é materialista e se concentra no ser humano (antropocêntrica). Enquanto lá se visa o bem-estar comunitário e a integração dos pobres (comunitária), aqui o olhar está centrado no lucro a qualquer custo (capitalista e egocêntrica). Enquanto lá a preservação da natureza é prioritária( ecológica), aqui a exploração desrespeita o meio ambiente (predatória). Em vista destas diferenças de ótica, a Bíblia serve como inspiração constante para a realidade hodierna.

A terra é elemento essencial para a vida do ser humano. Falar de terra é diferente de discutir sobre bens de consumo. A humanidade vive sem geladeira, televisão, automóvel, mas não vive sem a terra. Já os filósofos gregos pré-socráticos consideram os quatro elementos da natureza, terra, água, ar e fogo, como fundamentais para a sobrevivência humana.

A TERRA EM TERMOS BÍBLICOS

Para designar o vocábulo terra, a Bíblia Hebraica possui as palavras terra fértil (’adamah) e terra habitável (’erez).

A terra fértil (’adamah) se refere mais ao campo como solo arável ou cultivável, isto é, ao húmus. A raiz da palavra provavelmente é ’adam que originalmente significa vermelho, aplicada a solo vermelho e cultivável. Em seguida, o sentido se deslocou para ’adam como nome próprio do primeiro homem, Adão. Daí se deduz a conaturalidade entre o ser humano e a terra, conforme Gn 2,7, em que Deus modela o homem (’adam) da argila do solo, isto é, da terra fértil (’adamah) (COPPES, 1998).

A terra habitável (’erez) é a terra em oposição ao céu ou em oposição à água, e designa também região ou país. Sempre construído em feminino, o substantivo talvez conserve a reminiscência da concepção da mãe terra. É a quarta palavra mais utilizada no Antigo Testamento, com 2.504 ocorrências. A concepção segundo a qual a terra é criação de Deus, juntamente com o céu, percorre inúmeras páginas da Bíblia (SCHMID, 1978).

Outros termos hebraicos se referem a pó ou terra seca (’apar), a porção ou campo (helqah) e a solo árido ou terra seca (yabbashah) ou ainda a campo, terra, campo aberto (sadeh) (COPPES, 1998).

Na tradução grega, chamada Bíblia dos LXX ou Septuaginta, os termos terra e mundo ganham dois equivalentes, terra fértil (ge) e terra habitável (oikumene). Há ainda campo (agros) e mundo ou ornnamento (kosmos).

O Novo Testamento mantém as palavras terra cultivável ou planeta (ge) e terra habitada (oikoumene). Emprega ainda campo (agros), solo ou poeira (chous) e mundo (kosmos) (MORGENTHALER et al., 2000).

A TERRA EM LEVÍTICO 25

Diante de uma temática tão fundamental e tão extensa, cabe, certamente, um recorte mais específico, que possa caber dentro de um artigo. Por isso, a opção se concentra sobre Lv 25, um texto que concentra vários aspectos e possibilita dialogar com outros textos bíblicos.

A organização do texto de Lv 25 praticamente se impõe pela sequência dos assuntos, e é seguida pela Bíblia de Jerusalém, bem como pelas demais traduções. As subdivisões são
as seguintes, conforme Ibañez Arana (1974, p. 197-8):

Introdução para motivar a conexão das leis com o Sinai (v. 1-2a);

1) Ano sabático (v. 2b-7).
2) Ano jubilar (v. 8-17).
3) Garantia divina perante as dificuldades (v. 18-22).
4) Casos de empobrecimento de israelita:
1º) Necessidade de venda e direito de resgate:
a) de terra (v. 23-28);
b) de casas (v. 29-31);
c) de casas de levitas (v. 32-34).
2º) Empréstimos: norma geral (v. 35) e proibição de juros (v. 36-38).
3º) Israelita que se vende para pagar suas dívidas:
a) a outro israelita (v. 39-41.42-43); escravos estrangeiros (v. 44-46);
b) a um estrangeiro (v. 47-55).

Como se pode observar por este elenco, há aí uma convergência de diversas leis, de épocas diferentes. A proposta deste estudo, entretanto, é de fazer uma leitura sincrônica, isto é, tomando o texto em sua redação final, como hoje se apresenta à nossa leitura. Outros estudos específicos analisam as diversas camadas literárias, a formação dos textos e os momentos de sua aplicação. Nossa análise é temática e aproxima textos de diversas proveniências, gêneros e matizes, em vista de uma visão conjunta e abrangente.

Essas leis visam uma sociedade igualitária e livre de opressão. “Os redatores as fundam no sentimento de solidariedade nacional, na propriedade de Yhwh sobre toda a terra de Canaã, no respeito a Yhwh vingador do pobre e no agradecimento a Yhwh, que livrou Israel da escravidão do Egito” (IBAÑEZ ARANA, 1974, p. 197).

Na base da proposta de Lv 25, está a motivação de uma ecologia total, que considere a vida das pessoas, com seu direito básico à terra e em harmonia com a sociedade e com a natureza. “A conservação dos recursos naturais e outros que é preceituada por esta legislação forma a base da boa prática agricultural e ecológica” (HARRISON, 2011, p. 206).

O ideal de uma ecologia abrangente se baseia no direito à posse da terra e no respeito a toda a natureza, mas visa, no seu objetivo final, o bem-estar das pessoas, numa convivência livre, com base no direito e na justiça. De acordo com Douglas (1999, p. 242), “Lv 25 dá a grande proclamação de liberdade”. E logo adiante a autora explica: “Liberdade significa que ninguém pode ser permanentemente escravizado, que as dívidas devem ser canceladas e que a terra deve retornar para seus donos originais no ano do jubileu” (DOUGLAS, 1999, p. 243).

Por isso, Levítico insiste sempre na experiência do êxodo, que marca a ação original de Deus em favor da libertação do seu povo.

Alguns destaques temáticos, com base em Lv 25, são apresentados a seguir, para
destacar o direito à terra como direito à vida e ao bem viver.

ANO SABÁTICO

“Quando entrardes na terra que eu vos dou, a terra guardará um sábado para o Senhor” (Lv 25,2)

.
Conforme Lv 25,2-7, a cada sete anos a terra deve ter um ano de repouso e, com ela, os vinhedos e os cereais. Esse ano de descanso coloca em igualdade proprietários, servos e servas, empregados e hóspedes. Os benefícios se estendem ao gado e aos animais.

Essa lei do ano sabático é, certamente, uma das leis mais sábias encontrada na Bíblia. Ela assegura o descanso da terra e a reposição de seus nutrientes, estende os benefícios aos animais e assegura a condição justa e igualitária dos seres humanos (REIMER, 2006).

Essa lei do ano sabático está inserida no chamado “Código de Santidade” (Lv 17-
26) e apresenta algumas características próprias, como um sábado “em honra ao Senhor” (v. 4) com caráter “solene” (v. 5). O descanso da terra é motivado, portanto, pelo caráter sagrado do tempo santo (REIMER; RICHTER REIMER, 1999).

Além de ser amplamente testemunhada na Bíblia, a lei do ano sabático é antiga e
praticada pelos povos vizinhos a Israel. Com aplicações no antigo Egito, a prática do descanso da terra já devia ser comum em Canaã, com motivações agrícolas e religiosas (GARMUS, 1998).

O ano sabático é um espelho do dia sabático, conforme prescrito no “Código da Aliança”: “Trabalharás durante seis dias, e farás toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor teu Deus” (Êx 20,9-10). Assim como a cada seis dias de trabalho segue-se um sétimo dia de descanso para todas as pessoas e animais, sejam livres, escravos ou estrangeiros, assim também, a cada seis anos de cultivo, deve se seguir um sétimo ano de repouso completo para a terra. “Durante seis anos semearás a tua terra e recolherás os seus frutos. No sétimo ano, porém, a deixarás descansar e não a cultivarás, para que os pobres do teu povo achem o que comer, comam os animais do campo e o que restar. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival” (Êx 23,10-11).

O próprio termo sábado (shabat) agrega os três significados, sétimo, descanso e
sábado. Possui, como visto, diversas motivações, entre elas, repouso para pessoas e animais, solidariedade para com os pobres, memória da libertação da escravidão do Egito, culto a Deus, descanso do próprio Criador e perdão das dívidas.

A lei do repouso sabático parte da concepção segundo a qual a terra possui direitos
próprios, assim como os animais e os seres humanos. Esse mesmo conceito precisa ser recuperado na sociedade pós-moderna, em que a terra passou a ser objeto de exploração. A lei bíblica irmana terra, animais e pessoas, como criaturas divinas, de direitos plenos. Assim como Deus ouve o clamor do povo oprimido (Êx 3,7), assim também ouve os gritos de socorro da terra explorada. O profeta Jeremias se pergunta: “Até quando se lamentará a terra, e ficará seca a erva de todo campo? Por causa da maldade de seus habitantes perecem os animais e os pássaros” (Jr 12,4).

Na época do Novo Testamento o sábado aparece como uma instituição formal e legalista. Nesse contexto se entende a frase de Jesus, para retomar o seu sentido original: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). 

Na história do Brasil, durante o triste período da escravidão, registram-se alguns casos de aplicação da lei do ano sabático, com a libertação de escravos a cada sete anos, mas são casos tão raros que se perdem no esquecimento histórico (TERRA, 1983). 

O sábado para os terrenos, com rodízio do cultivo agrícola, é prática comum entre pequenos agricultores.

ANO JUBILAR

“Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação de todos os
moradores da terra. Será para vós um jubileu: cada um de vós retornará a seu patrimônio, e cada um de vós voltará ao seu clã” (Lv 25,10).

Lv 25,8-12 prescreve o ano do jubileu, o sábado dos sábados, isto é, a cada quarenta
e nove anos, ou seja, sete vezes sete anos, haverá um ano especial chamado jubileu. A palavra jubileu vem de yobel, espécie de berrante ou trombeta feita de chifre de carneiro, que servia para dar o toque que anunciava a abertura do ano do jubileu, além de várias aplicações históricas, segundo Gorgulho (1998).

A trombeta ou yobel foi tocada em duas situações especiais para a formação do povo
de Israel. A primeira foi no momento da aliança do Sinai: “Quando soar o chifre de carneiro (yobel), então subirão à montanha” (Êx 19,13). A segunda ocasião foi diante das portas de Jericó, ao tomar posse da terra prometida: “E quando tocarem com fragor o chifre de carneiro (yobel), todo o povo lançará um grande grito de guerra, e as muralhas da cidade cairão e o povo subirá, cada um no lugar à sua frente” (Js 6,5).

Jubileu possui, portanto, sentidos diversos. Propõe o ideal do perdão das dívidas, restituição das propriedades aos donos originais, libertação dos oprimidos, enfim, restabelecimento da justiça. Jubileu relaciona-se com a santidade de Deus e, consequentemente, com a sacralidade da terra (Lv 25,10), bem como com o dia das Expiações (v. 9), e a libertação de todos os moradores da terra (v. 10). O profeta Ezequiel também trata o ano jubilar como “ano da liberdade”, em alusão à alforria do escravo (Ez 46,17). O mais específico, porém, do ano jubilar é o retorno de cada qual ao seu patrimônio e ao seu clã (Lv 25,10). Esse retorno constitui o ideal de retribalização, isto é, de volta ao sistema tribal em que cada família possuía a sua propriedade. “Neste ano do jubileu, tornará cada um à sua possessão” (v. 13) (REIMER; RICHTER REIMER, 1999, p. 95-6).

O ano do jubileu repropõe, de maneira enfática, o ideal ecológico de respeito à terra. Trata-se da proposta de repouso, para recuperação da fertilidade do solo. “O quinquagésimo ano será para vós um ano jubilar: não semeareis, nem ceifareis as espigas que não forem reunidas em feixe, e não vindimareis as cepas que tiverem brotado livremente” (Lv 25,11).

Quando Jesus anuncia, na sinagoga de Cafarnaum, a sua missão fundamental, retoma o texto de Is 61,1-2 que proclama evangelizar os pobres, libertar os presos, abrir os olhos aos cegos, libertar os oprimidos e “proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,19). Este “ano de graça” se refere exatamente ao ano do jubileu, que visava realizar, basicamente, todo o ideal aí sintetizado (LOCKMANN, 1998).

Ao longo da história do Cristianismo, o ano do jubileu teve aplicações diversas, que
encontram sua realização no chamado ano santo.

OUTRA RELAÇÃO COM A TERRA É POSSÍVEL 

“Neste ano do jubileu, tornará cada um à sua possessão. Se venderes ao teu compatriota ou dele comprares, que ninguém prejudique a seu irmão! Segundo o número dos anos decorridos depois do jubileu, comprarás de teu compatriota e segundo o número dos anos das colheitas, ele te estabelecerá o preço da venda” (Lv 25,13-15).

Lv 25,13-17, em conformidade com a legislação do jubileu, propõe o retorno da terra aos proprietários originais, conforme a distribuição tribal nas origens de Israel. Trata-se de uma reforma agrária radical, a cada cinquenta anos, em vista de uma verdadeira justiça agrária (SOUZA, 1985).

A lei visa evitar o acúmulo de terras nas mãos de poucos proprietários, para combater o latifúndio, como denunciam os profetas: “Ai dos que juntam casa a casa, dos que
acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Is 5,8; Mq 2,2). A justa distribuição da terra foi uma das mais árduas lutas dos profetas bíblicos (KESSLER, 2001).

O ideal da distribuição igualitária da terra motiva a construção de um projeto de justiça, presente na origem do próprio povo de Israel. Esse ideal de sociedade justa e igualitária é relatado no recenseamento do povo, como palavra de Deus a Moisés: “A estes a terra será distribuída em herança, segundo o número dos inscritos. Àquele que tem um número maior tu darás uma propriedade maior e àquele que tem um número menor tu darás uma propriedade menor; a cada um a sua herança, em proporção ao número dos seus recenseados” (Nm 26,53-54).

Em torno ao ideal da distribuição da terra às tribos de Israel, cria-se uma mística
com nova mentalidade e diversas motivações teológicas.

O princípio fundamental para o direito à posse da terra, segundo a Bíblia, é a partilha justa e equitativa da terra. Este ideário de uma reforma agrária ficou gravado na memória como recordação do primeiro passo do surgimento de Israel, quando a terra foi distribuída entre as tribos, logo da conquista de Canaã. Praticamente todo o livro de Josué se ocupa em explicar a tomada da terra e sua distribuição entre as tribos: “Agora, pois, divide a terra como herança entre as nove tribos e a meia tribo de Manassés: desde o Jordão até o Grande Mar ao ocidente, tu lhes darás; o Grande Mar será o seu limite” (Js 13,7). 

Uma segunda motivação para a posse da terra é o conceito de herança (PALMA, 2002). Herança (nahalah) é legado, possessão ou bem recebido. O profeta Ezequiel assim se refere à herança da terra: “Reparti-la-eis dando a todos porção igual da terra que jurei solenemente dar aos vossos pais, de modo que ela coubesse a vós como herança” (Ez 47,14). Dado que a herança provém dos pais ou antepassados, ela adquire caráter sagrado, por isso não pode ser negociada. Essa é a ótica da resposta do agricultor Nabot diante da proposta comercial do rei Acab, que queria comprar sua vinha: “Deus me livre de ceder-te a herança dos meus pais” (1Rs 21,3). Segundo o profeta Isaías, Deus afirma: “Mas aquele que põe sua confiança em mim herdará a terra” (Is 57,13). E o salmista reza: “Mas os pobres possuirão a terra” (Sl 37,11). A afirmação tem repercussões no Sermão da Montanha, quando Jesus declara: “Felizes os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5,4). 

Outra motivação para o direito à terra está na proposta de aliança. Aliança (berît) refere-se ao pacto ou contrato de Deus com o povo, com relação à posse da terra. O último capítulo do livro de Josué se refere justamente à grande assembleia das tribos, concluída com um pacto segundo o qual o povo de Israel se manteria fiel a Javé, ante a concessão da terra de Canaã. “Naquele dia, Josué fez uma aliança pelo povo; fixou-lhe um estatuto e um direto em Siquém” (Js 24,25). Já no monte Sinai, havia sido firmada a aliança com Deus, condicionando a posse da terra às cláusulas do contrato: “Agora, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos, porque toda a terra é minha” (Êx 19,5). 

Nova motivação reside na certeza da promessa. Deus promete a posse da terra, sob juramento, por isso, a garantia do seu cumprimento é absoluta. A promessa da terra remonta ao patriarca Abraão: “À tua posteridade darei esta terra, do Rio do Egito até o Grande Rio, o rio Eufrates” (Gn 15,18). Diversas tradições bíblicas mantêm a memória desta promessa. Segundo Deuteronômio, a terra é prometida sob juramento divino (Dt 1,8.35...), é dada (Dt 1,8.35...), como herança a Israel (Dt 1,8.21...), sendo uma terra boa (Dt 1,25.35...), cuja posse está condicionada ao cumprimento dos mandamentos (Dt 12,1; 17,14...). No Novo Testamento, o Cântico de Zacarias, conhecido como Benedictus, faz memória “de sua aliança sagrada, e do juramento que fez ao nosso pai Abraão de nos conceder que... o sirvamos com santidade e justiça” (Lc 1,72-75). 

Há ainda a motivação referente à bênção. “Deus os abençoou” com a fertilidade de todos os seres vivos para que cresçam e se multipliquem (Gn 1,22.28...). A promessa da terra traduz a bênção divina a Abraão, conforme o augúrio e bênção de Isaac a Jacó: “Que ele te conceda, bem como à tua descendência, a bênção de Abraão, a fim de que possuas a terra em que vives e que Deus deu a Abraão” (Gn 28,4). Em retribuição à bênção divina, as pessoas bendizem a Deus, como cantou Débora, ao comemorar a conquista da terra de Canaã: “Já que, em Israel, os guerreiros soltaram a cabeleira, e o povo espontaneamente se apresentou, bendizei ao Senhor” (Jz 5,2).

Mas o motivo que não pode ser minimizado é o da luta e conquista da terra. Deus prometeu a terra, mas não a concede sem o esforço humano e a estratégia sagaz para conquistá-la. Os livros de Josué e Juízes são a demonstração da tese segundo a qual a terra de Canaã foi conquistada à força. Ao recapitular as vitórias sobre os reis de Canaã, o autor de Josué afirma: “Moisés, servo do senhor, e os israelitas derrotaram-nos” (Js 12,6). Tempos depois, o Salmista canta e alerta: “Desde o seu santuário, Deus é terrível. Ele é o Deus de Israel, que dá ao povo força e poder” (Sl 68,36). O próprio nome Israel se explica pela luta de Jacó com Deus. “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel, porque foste forte contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste” (Gn 32,29). 

A luta pela reforma agrária, nos dias atuais, não carece de justificativa bíblica. A leitura dos textos bíblicos, porém, deixa evidente que há muito por fazer nesse sentido, para nos aproximarmos do ideal querido por Deus. 

A TERRA NÃO PODE SER VENDIDA 

“A terra não será vendida perpetuamente, pois a terra me pertence e vós sois para mim estrangeiros e hóspedes. Para toda a propriedade que possuirdes, estabelecereis o direito de resgate para a terra” (Lv 25,23-24). 

O texto de Lv 25,23-34 trata do resgate das terras, das casas e das pessoas. Para o interesse sobre a terra (Lv 25,23-28), a lei do resgate possui diversas motivações, partindo de uma proibição absoluta de vendê-la, passando por uma razão teológica de sua pertença a Deus e propondo um recurso para resgatá-la em caso de perda.

No ano jubilar todas as terras devem retornar aos primitivos donos. “A razão é dogmática: sendo Yhwh o único proprietário (Canaã é a herança de Yhwh), os israelitas não podem ser mais que forasteiros admitidos como inquilinos (Sl 39,13; 1 Cr 29,15)” (IBAÑEZ ARANA, 1974, p. 201).

A mesma razão que assegura a propriedade de Deus sobre a terra motiva a interdição de vendê-la para sempre. A lógica é simples. Se a terra pertence a Deus, nenhum ser humano tem o direito de negociar com ela e obter lucros. Deus concede o usufruto da terra como dom de sua gratuidade, em forma de empréstimo, mediante algumas condições. As pessoas podem usá-la, como se fossem estrangeiras e hóspedes, mas não tomar posse dela definitivamente. Pelo mesmo argumento, caso alguém vier a perder o pedaço de terra que cultivava, por qualquer motivo, terá o direito de resgatá-lo (BRUEGGEMANN, 1986).

Os seres humanos não podem vender a terra, simplesmente porque esta não lhes
pertence. Se Deus é o proprietário da terra, em consequência, os seus usuários são apenas posseiros, sendo que a Bíblia os trata como peregrinos, hóspedes ou estrangeiros. É assim que o salmista reza: “Eu sou um estrangeiro na terra, não escondas de mim teus mandamentos” (Sl 119,19). E Davi, ao agradecer a Deus, afirma: “Diante de ti não passamos de estrangeiros e peregrinos como todos os nossos pais” (1Cr 29,15).

Da mesma forma a noção de povo de Deus como peregrinos e forasteiros ou como
estrangeiros e viajantes está bem presente no Novo Testamento, sobretudo na primeira carta de Pedro (1Pd 2,11).

Algo similar também se pode encontrar em tradições de outras culturas. Diz um
provérbio keniano: “Trate bem a terra. Ela não lhe foi dada pelos pais. Foi-lhe emprestada pelos filhos”.

As primeiras comunidades cristãs perseguem a recuperação deste ideal de manter a
propriedade comunitária da terra e dos demais bens para que não houvesse pessoas necessitadas, de acordo com os relatos de Lucas (At 2,44-45; 4,32-37).

A convicção de que a terra é propriedade de Deus e, consequentemente, não pode
ser vendida motiva diversas leis relativas à terra em Israel.

A TERRA PERTENCE A DEUS

“A terra não será vendida perpetuamente, pois a terra me pertence e vós sois para mim
estrangeiros e hóspedes. Para toda a propriedade que possuirdes, estabelecereis o direito de resgate para a terra” (Lv 25,23-24).

A convicção fundamental que rege todas as relações das pessoas com a terra é
que a terra é um bem básico, que não pertence ao ser humano, mas a Deus. Este é o porto de partida para todas as considerações sobre a realidade da terra e da reforma agrária na Bíblia.

Muitos textos bíblicos repetem a certeza de que a terra é propriedade de Deus.
Diante do Sinai, ao estabelecer a aliança com o povo, Deus afirma: “Toda a terra é minha” (Êx 19,5). E o Salmista canta: “Do Senhor é a terra e o que nela existe, o mundo e seus habitantes” (Sl 24,1). Para Isaías, o Santo de Israel “se chama o Deus de toda a terra” (Is 54,5).

Mais que proprietário, Deus é o criador da terra. Assim começa a Bíblia, em sua primeira frase: “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1). A realidade do Deus criador da terra se espalha por inúmeras páginas da Bíblia. Significa que a terra não pode ser concebida como uma realidade autônoma, mas sempre dependente de quem a concebeu. Como Senhor e criador da terra, Deus a concedeu aos seres humanos como um presente de sua bondade (WAINER, 1996).

Numa dimensão escatológica, ideal, após tantas peripécias dos seres humanos agredindo a terra, criatura divina, o próprio Deus propõe “criar novos céus e nova terra” (Is 65,17; 66,22), o que tem reflexos no Novo Testamento, praticamente na última página da Bíblia (Ap 21,1). 

Como a terra é criatura de Deus e propriedade sua, ela é santa ou sagrada. Diante de Jericó, a ser conquistada, o chefe do exército de Javé dá a seguinte ordem a Josué: “Descalça as sandálias dos teus pés porque o lugar em que pisas é santo” (Js 5,15). O Sinai é declarado montanha santa (Êx 19,23) e também Judá é chamado terra santa (Zc 2,16; 2 Mc 1,7). 

Há, pois, uma relação direta entre terra e religião, terra e fé, como demonstram, ademais, as profissões de fé em Israel. O chamado credo histórico está no contexto agrícola da festa das primícias, e proclama sua fé em Deus, porque “nos trouxe a este lugar, dando-nos esta terra, uma terra onde mana leite e mel” (Dt 26,9). 

O que fundamenta toda a relação com a terra é esta convicção básica, que pode ser assim resumida: a terra é propriedade de Deus, Ele é seu criador, por isso a terra é sagrada. Daí decorrem as diversas leis e práticas com relação à terra (BRUEGGEMANN, 1986). 

O conceito de que a terra é sagrada perpassa outras culturas, como as tradições indígenas, africanas e camponesas em geral. Na realidade de pequenos agricultores do Brasil e de outros países, vive-se uma relação de respeito à terra, pois é dela que provêm os produtos que garantem o sustento das pessoas. 

No pensamento de Jesus, a preocupação com a terra se torna presente, e se reflete na súplica pelo pão diário. O pedido para que o Reino de Deus venha, e que sua vontade se realize na terra como nos céus está expresso na oração do Pai-nosso (Mt 6,10).

O DIREITO DE RESGATE DAS PROPRIEDADES

“A terra não será vendida perpetuamente, pois a terra me pertence e vós sois para
mim estrangeiros e hóspedes. Para toda a propriedade que possuirdes, estabelecereis o direito de resgate para a terra” (Lv 25,23-24).

O mesmo texto que afirma a propriedade de Deus sobre a terra e motiva a interdição
de vendê-la para sempre prevê uma prática para recuperar a terra, em caso de endividamento. Com isso, a propriedade não é vendida definitivamente, mas por período determinado. Caso o vendedor não possa resgatar a sua posse, essa será devolvida no ano do jubileu. Isso significa que a cada cinquenta anos todas as propriedades voltam para os seus proprietários originais.

A noção de posse provisória já é cantada na prece do Salmista: “Ouve a minha prece, Senhor... Pois sou forasteiro junto a ti, inquilino como todos os meus pais” (Sl 39,13). E o
profeta Jeremias recordará o ideal da vida nômade: “Durante toda a vossa vida habitareis em tendas, para que vivais longos dias na terra em que residis” (Jr 35,7). O primo de Jeremias, Hanameel, lhe propõe: “Compra o meu campo de Anatot, no território de Benjamim, porque tu tens o direito à herança e o direito de resgate, compra-o” (Jr 32,8).

A história de Rute ilustra muito bem essa realidade, quando Booz resgata o terreno
do falecido esposo de Noemi (Rt 4,1-11) (IBAÑEZ ARANA, 1974).

A noção de resgate passou para o Novo Testamento aplicada normalmente a Jesus, o
Filho do Homem, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos” (Mt 20,28). Como quem paga o resgate, num mercado de escravos, assim “Cristo nos resgatou da maldição da Lei tornando-se maldição por nós” (Gl 3,13).

A conclusão do assunto se impõe. Ao ler a Bíblia na ótica do direito à terra como direito à vida, essa realidade salta aos olhos a cada página. Terra é realidade, é presença, e é símbolo. Existe uma conaturalidade entre ser humano e terra fértil. O ser humano (’adam) é feito da terra (’adamah) (Gn 2,7), e recebe a missão de cultivar a terra, “até que retornes ao solo (’adamah), pois dele foste tirado” (Gn 3,19). 

Essa relação estreita entre ser humano e terra assegura o bem viver da mulher e do homem. Mas garante, igualmente, o bem-estar da natureza toda, especialmente dos animais, que usufruem desse equilíbrio. Tudo isso se realiza em vista da convivência justa e igualitária. 

O conceito bíblico de distribuição da terra parece um ideal maravilhoso. Quem sabe nunca tenha se realizado plenamente, nalgum momento da história. Mas permanece como um ideal a ser perseguido. Propõe conceitos novos e desafiadores. Por isso, serve de inspiração para todas as épocas e para todos os lugares, especialmente para os dias atuais.


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