POR RENATA BRAVO - DESDE 2013
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No mundo globalizado, nos deparamos com um consumismo exagerado na aquisição de bens de consumo por parte de todas as populações e, com isso, acabamos produzindo uma quantidade enorme de lixo por habitante, cujo destino final nem sempre é o adequado pelos governos e políticas de saúde dos países. Estudos revelam que 30% do lixo produzido no Brasil, são jogados nas ruas sem nenhuma preocupação por parte da população, isto acaba ocasionando problemas sérios e graves ao meio ambiente que afetam a todos nos grandes centros urbanos. Problemas como: entupimento de bueiros e galerias pluviais, podem causar doenças transmitidas pela água contaminada que tem dificuldade de escoar, propiciando doenças como: cólera, hepatites, leptospirose, dengue entre outras. A contaminação do solo também é um indicativo importante para surgimento de outras doenças na população, cuja transmissão ocorre predominantemente por animais sinantrópicos como: roedores, insetos, aranhas entre outros. É importante que tenhamos uma responsabilidade ambiental no sentido de mudar paradigmas, nos cerceando de conscientização coletiva, para mudança de hábitos nas pessoas, para que possamos melhorar a nossa qualidade de vida com atitudes como:
-Realizar coleta seletiva de lixo em: indústrias, residências, serviços de saúde, restaurantes e Instituição de longa permanência para idosos entre outros; -Utilizar materiais recicláveis na construção civil; -Estimular o surgimento de cooperativas com inclusão de catadores de materiais recicláveis; -Preservar e recuperar áreas verdes; -Estimular a agricultura urbana; -Usar copos individuais nos locais de trabalho.
Com estas atitudes individuais, conseguiremos alcançar o objetivo de um meio ambiente mais saudável e agradável para futuras gerações, isentando-as de acometimento por doenças e complicações destas, que podem evoluir para mortes, decorrentes do desrespeito ao solo urbano e rural , no qual estamos vivenciando atualmente.
VAMOS SUPERAR A ERA DO DESPERDÍCIO E TRANSFORMAR O LIXO EM RECURSO.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Physis - a natureza enquanto fonte de progresso e evolução

Desde os seus primórdios, a humanidade interagiu com a Natureza, seu ambiente original, primeiramente para conhecer os seus recursos e sobreviver, depois para extrair materiais utilizados em atividades artísticas, sociais e econômicas, ou seja, para criar uma cultura. A partir do momento em que passou a tentar explicar a natureza pela razão, não por mitos e religiões, o ser humano criou a Ciência. Esta, de uma visão integrada da natureza na Grécia Antiga, passou no Renascimento a um modelo mecanicista e reducionista, inspirado pelo relógio mecânico e criador de um universo mecânico. Este modelo de Ciência exauriu-se por suas próprias limitações. A teoria dos sistemas, a termodinâmica do não-equilíbrio e o pensamento complexo abrem perspectivas para uma nova forma, não só de Ciência, mas também de o ser humano se reencontrar com a Natureza, da qual nunca deixou de fazer parte, e com a sua própria natureza interior.

Os filósofos gregos desenvolveram uma sofisticada concepção da natureza como um organismo vivo, a qual foi herdada por nossos antepassados medievais. [...] Os grandes filósofos acreditavam que o mundo da natureza fosse vivo devido ao seu movimento incessante (SHELDRAKE, 1993: 53-54).


As primeiras culturas humanas procuravam explicar o que ocorria na natureza, aquilo que estava além de sua compreensão, através de espíritos que habitavam as rochas, as árvores, os animais, os corpos aquáticos e o céu: era a época da magia e dos mitos, em que forças inexplicáveis despertavam o temor e a admiração do Homem.

Na Grécia Antiga, século VI a.C., emergiu um novo tipo de explicação para o cosmos e a natureza, a partir da razão, iniciativa dos atualmente denominados filósofos pré-socráticos (os primeiros cientistas - na época, ciência e filosofia não se dissociavam). Tornava-se mais complexo o entendimento do mundo, que passou, conforme Bornheim (1999), do estágio mítico ao noético (do mito e da magia para a percepção e o raciocínio).

Heisenberg (1981) credita aos pré-socráticos os conceitos de matéria, de ser e vir-a-ser (devir, o resultado das transformações do ser). Para Tales de Mileto, a água era a causa material de todas as coisas; para Anaximandro, havia uma substância primeira, eterna, infinita e indestrutível, o apeíron, a envolver o mundo, e uma luta entre o ser e o vir-a-ser, sem um dominar o outro, conflito responsável pela criação do mundo; para Anaxímenes de Mileto, o princípio fundamental era o ar; Parmênides de Eléia entendia a mudança como ilusão (não existiria o vir-a-ser); Heráclito de Éfeso via o fogo como elemento primordial de incessantes mudanças, da antítese entre o ser e o devir, do conflito de opostos criador da unidade, em um mundo ao mesmo tempo unidade e variedade; Empédocles de Agrigento adotou o pluralismo dos quatro elementos, terra, água, ar e fogo, a se misturar uns aos outros quando o Amor se aproxima e o Conflito se distancia (origem da variedade das coisas), e a se separar na situação oposta; Anaxágoras de Clazômene defendia a mistura e a separação de elementos como causa das mudanças (a diversidade viria das diferentes proporções de vários tipos de sementes presentes em todas as coisas) e a presença de todas as coisas em tudo; Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera criaram um materialismo, com base na antítese entre o cheio e o vazio, e o conceito de átomo como as menores unidades de matéria, indestrutíveis, sem propriedades físicas. O sistema de Leucipo se baseava em um completo determinismo: tudo ocorria por uma razão ou necessidade.

Todos os pré-socráticos tinham a mesma preocupação: introduzir algum tipo de ordem para entender o mundo, a ordem entendida como alguma forma de Unidade, e reduzir tudo a um princípio fundamental, do qual derivaria a infinidade das coisas. Bornheim (1999) lembra que os pré-socráticos criaram o termo physis, a partir dos vegetais, com o significado de fonte originária, gênese de todas as coisas, realidade subjacente às experiências, princípio de tudo o que vem a ser, algo fundamental presente em tudo o que ocorre; não somente a natureza concreta e objetiva, mas também seu componente psíquico e espiritual, conceito mais abrangente que o atual de natureza. A physis estaria no movimento dos elementos em Anaximandro; na transformação dos elementos em Anaxímenes; no fluxo dos elementos, na tensão e harmonia entre os contrários, na divisão da unidade no múltiplo e no retorno do múltiplo à unidade, em Heráclito de Éfeso.

Para Prigogine & Stengers (1997), a Ciência constitui uma tentativa de o ser humano dialogar com a natureza, por meio da razão e da experimentação, para tentar dela obter respostas aos seus questionamentos. Tal diálogo já ocorria com os antigos gregos, no entanto faltou-lhes aplicar o método experimental, para sua concepção de ciência se assemelhar à atual.

A filosofia de Platão trouxe uma nova concepção de realidade, primou pela razão, pelo mundo das idéias oposto ao da natureza sensível (dualismo precursor do elaborado por Descartes). Aristóteles voltou ao estudo da natureza sensível, para ele organizada e solidária; observou-a, classificou-a, elaborou leis sobre o universo. Prigogine & Stengers (1997) entendem que, no seio do mundo aristotélico o Homem encontrava o seu lugar, simultaneamente, como ser vivo e ser conhecedor; o mundo era a sua medida; o conhecimento intelectual atingia o próprio princípio das coisas, a causa e a razão última de seu devir, o fim que as habita e organiza.

Na Europa Medieval, Deus estava no centro do universo; para Sheldrake (1993), as teorias gregas sobre a natureza, a tecnologia romana, as tradições locais pré-cristãs e a religião cristã se harmonizavam em uma complexa síntese. Para o europeu medieval, o microcosmo, seu pequeno mundo pessoal, espelhava o macrocosmo, o universo.A partir do Renascimento, o Homem colocou-se no centro do Universo, um antropocentrismo que consagrou seu poder sobre o objeto Natureza, a ser conhecida no diálogo com o sujeito Homem pelo método científico inspirado na filosofia utilitarista de Bacon, no dualismo de Descartes, na matemática e física de Galileu e Kepler (e depois, de Newton). A natureza, geometrizada, passou a ser considerada sem vida, mecânica.Inspirada pelas idéias filosóficas, ligadas aos conceitos fundamentais da ciência na época, a atitude humana perante a natureza cambiou do contemplativo para o pragmático, nos séculos XVI e XVII (Heisenberg, 1981). Segundo Prigogine & Stengers (1997), ocorreu uma mudança da visão de natureza: a antiga era fonte de sabedoria; a medieval falava de Deus; a moderna tornou-se muda.

Filósofo e político, Francis Bacon recomendava torturar a natureza para esta revelar seus segredos, ser dissecada, forçada a sair do estado natural, amassada e moldada, reduzida a escrava, constrangida a servir. Por sua vez, Galileu descrevia uma natureza sem qualidades sensíveis (no seu entender, ilusórias), valorizava apenas as que poderiam ser mensuradas e quantificadas, em uma combinação do trabalho empírico com a matemática. Descartes questionou a aceitação não crítica do que os sentidos percebem e acreditava no raciocínio lógico como ponto de partida para se chegar a um conhecimento fundamental. A separação entre matéria e espírito (corpo e alma), prenunciada em Platão, tornou-se total. Os animais e as plantas não diferiam de máquinas simples, de autômatos com seu comportamento determinado por causas materiais. O universo era constituído por matéria em movimento, tudo funcionava de maneira mecânica. A natureza era morta, inanimada. Newton, pela lei da gravitação universal, encontrou uma força similar a uma qualidade oculta, fórmula de um devir repetitivo, a explicar todos os movimentos de todo o Universo, consagrado como mecânico, determinado, reversível. A transformação da natureza em máquina se completou e Newton tornou-se o símbolo da ciência moderna. Sua mecânica descrevia um mundo onde Deus e as pessoas eram desnecessárias. Segundo Prigogine (1996), a ciência clássica ou moderna, assim estruturada, com modelo na física, em suas leis da certeza, em seu determinismo, negava a complexidade e o devir: elaborou um mundo idealizado, estático, previsível, ao qual o Homem era estranho.

Na opinião de Sheldrake (1993), a revolução mecanicista criou um modelo de universo similar a uma máquina; a natureza perdia sua espontaneidade, liberdade, criatividade. O universo de Newton funcionava como um relógio, novo modelo para explicar o movimento dos astros.

Império da razão técnica, a ciência clássica ou moderna procurou encontrar as unidades elementares, antagonizou o sujeito humano e o objeto natureza. O homem do Ocidente negou a diversidade, hierarquizou-a, dominou o diferente, ou seja, os outros homens e a natureza; esta, inanimada, regida por leis sem subjetividade, foi seccionada em objetos e em áreas de estudo. O mundo das qualidades e das percepções sensíveis, em que se vive, ama e morre, cedeu lugar ao dageometria deificada, da quantidade, em que para tudo há lugar - exceto para o Homem. Importava entender a natureza apenas para ela ser controlada e servir aos desígnios humanos.

Para Heisenberg (1981), a ciência clássica partiu da ilusão de descrever o mundo, ou partes dele, sem referência alguma aos seres humanos: mundo idealizado, objetivamente descrito. Os resultados científicos obtidos pela experimentação, como método fundamental da ciência da natureza, eram avaliados por critérios puramente objetivos. Uma abordagem reducionista, que visava a converter conhecimento em poder.

Em suma, de acordo com Prigogine & Stengers (1997), na ciência clássica: o Homem era um ser estranho ao mundo descrito; a Natureza, submissa, estúpida, mecânica, um autômato, simplificada, repartida em pedaços, mutilada, para ser interrogada pela hipótese testada na experimentação; a complexidade e a diversidade dos processos naturais se reduziam a casos de aplicação de leis gerais; leis dinâmicas descreviam o mundo por trajetórias reversíveis e deterministas; havia uma linguagem matemática única, a da geometria deificada; inexistia lugar para qualidades sensíveis; o relógio mecânico servia como paradigma; a descrição do mundo era mais objetiva, eliminado o observador, e feita de um ponto exterior; discriminava-se entre uma realidade objetiva e o ilusório, ligado à subjetividade humana; esgotavam-se todas as possibilidades de aproximação racional aos fenômenos da natureza, para a ciência descobrir a verdade global; negava-se a liberdade, a possibilidade de inovação e a existência de processos intrinsecamente irreversíveis, considerados resultantes apenas da imperfeição dos meios de manipulação, e não das leis que regem o mundo; o funcionamento físico-químico de um ser vivo regia-se pelas mesmas leis da matéria inanimada; negavam-se as dificuldades, questões persistentes e instabilizadoras do desenvolvimento científico; cada novo progresso acarretava mais desencantamento; a oposição ao mecanicismo era vista como oposição à ciência; impedia-se a manifestação de outros saberes e conhecimentos.Para D’Ambrosio (1997), essa concepção reducionista da ciência moderna levou o Homem a tratar a natureza e o universo como poços de riquezas infindas, privilegiou um modelo único de desenvolvimento, ignorou a complexidade cultural, econômica, espiritual e social de sua espécie, e empobreceu a própria concepção de ser humano, visto como pequena engrenagem em um universo mecânico. A fragmentação da Ciência em inúmeras disciplinas causou a perda de visão do todo, esvaziou de sentido a vida das pessoas, incapacitou-as a perceberem a beleza do mundo. Porém, a própria ciência moderna continha em si o germe de sua destruição. A idéia de tudo estar determinado abriu caminho para idéias de indeter minismo e de espontaneidade. No século XIX, quando a ciência clássica mecanicista chegava ao auge como explicação para o universo e seu método granjeava uma crescente confiança, surgiram questões que ela não conseguia resolver, como as relativas aos campos eletromagnéticos e à dissipação do calor.

Na física, conforme Prigogine & Stengers (1997), a ciência do calor foi a grande ameaça ao edifício newtoniano. A transmissão de calor por condução, diretamente de um corpo a outro, afigurou-se como processo irreversível, inexplicável pela ciência clássica. O aprofundamento das pesquisas levou à criação da primeira ciência não clássica, primeiro passo para uma ciência da complexidade, a termodinâmica. O mundo queima como fornalha e não se recupera; conserva-se a quantidade de energia, mas esta se dissipa como calor. O mundo tende a um estado de equilíbrio térmico. Clausius formulou o conceito de entropia, evolução espontânea e irreversível dos sistemas térmicos. Em sistemas fechados, a entropia tenderia a aumentar até o valor máximo possível.

Na Biologia, Darwin e Wallace elaboraram uma teoria evolutiva, baseada no processo de seleção natural, em que os indivíduos aptos sobreviviam e geravam descendentes. Através de pequenas variações acumuladas, os seres orgânicos aos poucos se modificavam e novas espécies mais complexas emergiam.

Contra o iluminismo científico reducionista e mecanicista também reagiu, no início do século XIX, o movimento do romantismo, que sugeria a presença de uma verdade elevada que o Homem precisava conhecer pelas emoções, não só pela razão. A tradição científica da Alemanha, menos reducionista que as da França e da Inglaterra, abriu espaço para a escola da Naturphilosophie, cujos adeptos Goethe e Schelling sugeriam a existência de uma unidade subjacente a todas as coisas, a ser conhecida não apenas pela lógica, pela razão pura, mas também pela apreciação estética, como recomendava Kant.

Segundo Helferich (2005), na conexão entre o iluminismo e o romantismo e entre os modos racional e intuitivo de entender o universo, pela prática de uma metodologia rigorosa e de observações minuciosas, despontou Alexander Von Humboldt, que unia o conhecimento científico à apreciação estética da natureza: aquele sem esta não tinha valor. Insatisfeito em apenas medir e catalogar a natureza, Humboldt a descrevia de modo inspirado, aliava o rigor científico à admiração apaixonada pela beleza transcendente de um universo pesquisado. Para ele, de nada valia saber a composição do ar, se não se apreciasse a beleza de um límpido céu de verão: o deleite com as estrelas complementava o fato de suas órbitas serem marcadas por uma precisão matemática.

A partir de uma coleta de dados sistemática e acurada, Humboldt inventariou, com o auxílio de Bonpland, as plantas da América e aumentou o conhecimento sobre suas espécies de animais; estudou a influência de fatores físicos sobre a vida das plantas, criou a biogeografia; confirmou a mudança do campo magnético da Terra com a latitude; refez mapas da América Latina e pesquisou culturas indígenas. Suas descobertas abrangeram os campos da geografia, geologia e geofísica, antropologia, fisiologia, botânica, zoologia e oceanografia. Com Humboldt, híbrido singular de iluminismo e romantismo, intelecto e sentimento, contemplação e ação, a ciência criava ordem (cosmos) a partir da aparente desordem (caos) dos fenômenos naturais. As conexões e relações entre os elementos da natureza adquiriram valor na tentativa de se descobrir a sua unidade. A busca do padrão de todas as coisas era sua meta: em suas viagens por várias regiões do mundo, tentou encontrar a unidade na diversidade, a harmonia subjacente sob as complexidades da natureza.

No mesmo século XIX, no estudo dos gases, as leis da cinética química reintroduziram o caos na física, exigiram uma descrição estatística para eventos com população numerosa, e o conceito de alças de retroação. Na termodinâmica, Boltzmann interpretou o crescimento irreversível da entropia como expressão do crescimento da desordem molecular. Seu raciocínio, generalizado para sistemas que admitem um estado de equilíbrio, permitiu criar uma resposta da física à questão da complexidade da natureza: a termodinâmica do equilíbrio (Prigogine & Stengers, 1997).

No início do século XX, com base em avanços teóricos originados, no século anterior, pelo estudo dos campos eletromagnéticos, Einstein formulou a teoria da relatividade restrita, que trouxe novos atributos ao tempo e ao espaço, inter-relacionados de forma desconhecida na mecânica de Newton, onde eram independentes. Na relatividade geral, Einstein concluiu pela ação da gravidade sobre a luz (desvio de trajetória), pela geometria não-euclidiana para o espaço (curvo) e pela relação desse espaço curvo com a distribuição das massas no universo.

Heisenberg (1981) relata o abalo para a ciência clássica que adveio da física quântica, cuja natureza dos fenômenos diferia radicalmente do que ocorre no nível macroscópico: não se poderia prever com certeza o resultado das observações, que dependia do observador, incluía componentes subjetivos; o instrumento medidor interagia com o observador, a atitude deste selecionava o evento real ocorrido entre os possíveis; os resultados só encontravam explicação pela análise estatística. A física atômica afastou a física da tendência materialista que a permeara no século XIX. A teoria quântica não permite uma descrição totalmente objetiva da natureza; suas leis substituíram as da mecânica clássica no nível microscópico, estenderam e modificaram a lógica clássica. Prigogine & Stengers (1997) relatam que, no século XX, também emergiu a termodinâmica do não equilíbrio: nas estruturas dissipativas, os estados instáveis aumentam a entropia, as flutuações se amplificam e geram processos de organização espontânea. As noções de história, de estrutura e de atividade funcional impõem-se na descrição da ordem por flutuação, brotada do não-equilíbrio.

Os sistemas vivos constituem exemplos de uma termodinâmica longe do equilíbrio. Do estudo de suas inter-relações com o meio ambiente e entre si, emergiu a Ecologia, inicialmente como ramo da Biologia, posteriormente uma ciência com status próprio, que contribuiu para a criação de uma nova abordagem científica, holística.

Segundo Prigogine & Stengers (1997), as ciências naturais agora descrevem processos evolutivos múltiplos e divergentes, singularidades, instabilidades e crises, uma natureza onde proliferam estruturas ativas, um universo rico em diversidades qualitativas e surpresas potenciais. A indeterminação e a irreversibilidade criadora de ordem prevalecem no mundo, com o papel construtivo de permitir os processos de organização espontânea dentro da natureza. Prigogine (1996) comenta que as leis da natureza tratam agora tratam de possibilidades e afirmam o devir, não mais apenas o ser. A ciência do devir estuda processos de não-equilíbrio e irreversíveis, como as estruturas dissipativas, suas oscilações e bifurcações, os sistemas caóticos; cria conceitos novos, como o de auto-organização. A ciência atual evita as concepções alienantes de um mundo totalmente previsível, regido por leis sem qualquer lugar para a novidade (como na física clássica), e de um mundo sem causas, onde nada se prevê ou se descreve em termos gerais. A irreversibilidade e a indeterminação constituem regra na natureza, e a reversibilidade e o determinismo, casos particulares; o tempo reencontrado fala da nova aliança entre o Homem e a Natureza; a descrição do mundo abre-o e situa o Homem no seu interior. A preferência nos estudos deixa o estável, volta-se ao mutável, como a evolução das espécies vivas e as mudanças geológicas; o diálogo racional se processa com uma natureza complexa e múltipla. A física tradicional reduzia a explicação dos fenômenos complexos a elementos simples; a ciência atual procura na complexidade uma nova forma de ser e estar no mundo.

Bertalanffy (1973) propôs transformar as categorias do pensamento pelo trabalho com o complexo, as totalidades, os sistemas compostos por diversas variáveis interdependentes, organizadas com interações não-lineares fortes: a pesquisa dos sistemas como entidades, não como aglomerados de partes, constituiria a única maneira inteligível de estudar organizações.

O ponto de vista sistêmico remonta a pensadores como Aristóteles, Nicolau de Cusa, Ibn-Khaldum, Paracelso, Vico e Leibniz. Um de seus precursores no século XIX, Claude Bernard, criou o conceito de homeostase, aplicado ao equilíbrio interno dos seres vivos. Bertalanffy elaborou sua teoria dos sistemas a partir da concepção organísmica em biologia, que reconhece os organismos como sistemas abertos e tenta descobrir seus princípios de organização. A teoria enfatiza questões sobre ordem, organização e totalidade, excluídas da ciência mecanicista como metafísicas, e do procedimento analítico, válido se não há interações entre as partes, ou se elas são lineares, o que permite aos processos parciais se sobreporem para formar o todo (algo estranho aos sistemas). A ordem hierárquica, conceito primordial na teoria sistêmica, relaciona-se a questões de diferenciação e evolução, e com a medida da organização. Os sistemas abertos (em que várias condições iniciais geram um mesmo resultado) produzem entropia em processos irreversíveis e importam negentropia (organizam-se internamente). O segundo princípio da termodinâmica pode se formular com a entropia no papel de uma medida de probabilidade e a tendência para a máxima entropia como tendência para a máxima desordem. A evolução biológica assinala uma seqüência de transições para ordens mais altas, maior heterogeneidade e organização.

O princípio da isomorfia, aplicável aos sistemas em geral, alerta para a existência de propriedades gerais dos sistemas em vários campos: por exemplo, o uso de equações e outros recursos matemáticos para descrever o comportamento de espécies animais e vegetais em um ecossistema. A isomorfia se manifestaria também no nível das leis e na unidade da ciência.

A teoria da informação de Shannon, simultânea à teoria geral dos sistemas, compara o fluxo de informação a um fluxo de energia, conceitua a informação como expressão isomorfa à da negentropia e cria a expectativa de se utilizá-la como medida de organização (a entropia como medida da desorganização ou da desordem). Ela influencia a cibernética, uma teoria dos sistemas de controle preocupada com a transferência de informação entre o sistema e o meio e dentro de um sistema. A cibernética, que resulta da tecnologia dos computadores, da teoria da informação e das máquinas auto-reguladoras, utiliza os conceitos de retroação e informação e pode ser tida como parte da teoria dos sistemas: o sistema cibernético seria um caso especial de sistema auto-regulado; seu modelo aplica-se a mecanismos reguladores em biologia e em outras ciências. No entanto, a cibernética não produziu uma explicação para a totalidade das coisas, uma grande concepção de mundo; ela se coloca mais como uma extensão do que como substituição da concepção mecanicista.

A teoria geral dos sistemas, para Bertalanffy (1973), oferece vantagens sobre a abordagem clássica da ciência: assume um papel que lembra o da lógica aristotélica na antiga Grécia; soluciona problemas desprezados pela ciência clássica (da complexidade organizada); elabora um pensamento que acredita em oposições complementares; delineia um modelo isomórfico aplicável a vários campos do conhecimento; propõe modelos para explicar os seres vivos e suas propriedades de auto-regulação e auto-restauração, ausentes nos sistemas tecnológicos; compreende os acontecimentos como determinados pelos sistemas, mais do que por decisões individuais; valoriza sistemas alternativos, como outras culturas e saberes; contribui para uma educação integrada e estimula a interdisciplinaridade.

Sistemas

Um sistema pode ser inicialmente definido como uma entidade unitária, de natureza complexa e organizada, constituída por um conjunto não vazio de elementos ativos que mantêm relações, com características de invariança no tempo que lhe garantem sua própria identidade. [...] um sistema consiste num conjunto de elementos que formam uma estrutura, a qual possui uma funcionalidade (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2000: 284-285).

Um sistema só existe se houver um conjunto de elementos, o universo do sistema, que mantêm interações e inter-relações entre si; o mero agrupamento casual de unidades próximas ou justapostas não o define. Os elementos que compõem o sistema são suas partes, agentes ou atores a realizar atividades; suas propriedades podem se expressar por parâmetros variáveis ou constantes, cujos valores decorrem de características do próprio elemento, de suas relações com outros elementos e das restrições externas que sofre. Classificam-se tais elementos em três grupos: os de entrada ou importação (inputs), os de processos de transformação interna do sistema, e os de saída ou exportação (outputs). Em conseqüência das propriedades de seus elementos e das interações entre estes, um sistema desenvolve processos, assume estados e apresenta propriedades específicas.

As relações entre os elementos de um sistema não tornam as propriedades deste uma mera soma das propriedades de seus elementos ou subsistemas; ocorre tanto a emergência de novas propriedades como o impedimento da manifestação de outras. Morin (2005a) afirma que o todo é mais do que a soma de suas partes (graças às propriedades emergentes) e ao mesmo tempo é menos do que a soma de suas partes (devido às imposições). Como exemplos de emergências, o autor cita o perfume das flores e a beleza das obras de arte; a regulação da atividade de uma enzima no interior de uma célula ou a não expressão de todo o conjunto de genes desta são exemplos do segundo caso. As relações que implicam em restrições, imposições, sujeições e repressões levam à criação de regras, hierarquias, controles, ajustes de equilíbrio e comando de mudanças.

Conforme Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), a sinergia (positiva nas emergências, negativa nas inibições) constitui a primeira propriedade a emergir ao se constituir um sistema; outras propriedades fundamentais são a globalidade (estabelecimento de uma unidade global invariante) e a possibilidade de surgirem novidades; simultaneamente, o sistema preserva sua estrutura e propriedades e se abre a inovações.

Os elementos ativos de um sistema estabelecem entre si relações diretas e indiretas. A rede dessas relações pode assumir a forma de árvore, como nas relações de hierarquia, ou circular (de anel, de laço), ao se processar pelo princípio do círculo recorrente: os efeitos da relação entre os elementos são causas dessa mesma relação; o produto de um sistema regula a produção do mesmo produto; o estado final de um sistema gera ou modifica seu estado inicial; retroagem os efeitos sobre suas causas. As retroalimentações (retroações) podem ser positivas, se os círculos reforçam uma ação e provocam um efeito cumulativo; ou negativas (homeostáticas), se a estabilizam.

As relações de hierarquia constituem um caso particular de relações de ordem. Para se considerar um sistema como ordenado, pelo menos uma das relações que caracterizam sua estrutura deve ser de ordem, ou seja, esta precisa estar obrigatoriamente presente no sistema.

Cumpre distinguir ordem e organização: para Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), a segunda constitui característica essencial de cada sistema; a primeira, característica particular de certas organizações e sistemas. Uma organização pode ser não ordenada, isto é, um sistema organizado pode não apresentar relações de ordem internas; e uma organização ordenada pode não ser totalmente hierarquizada. Ainda segundo os autores, a organização de um sistema identifica-se no conjunto de características estruturais e funcionais, a representar as relações, atividades e funções desse sistema, que o capacitam a transformar, produzir, reunir, manter e gerar seus próprios componentes; ela transforma a diversidade de comportamentos dos vários elementos do sistema em uma relação global e também cria diversidade e especificidades.

A estrutura de um sistema, invariante ou não com o tempo, resulta de uma articulação das relações entre os seus elementos; estes também conferem um funcionamento ao sistema e conduzem os processos de sua transformação. As funções de um sistema advêm de atividades desenvolvidas pelos seus elementos. Ao se exercerem, elas determinam uma funcionalidade do sistema, que se revela, então, como uma estrutura em funcionamento.

A distribuição dos elementos no interior de um sistema leva-os a encontros fortuitos que determinam relações entre eles, a partir das quais se origina a propriedade da organização. Toda organização contém certa dose de desorganização, que estimula ou reduz a organização. Para exercer o papel de criação, um sistema precisa se constituir e se desenvolver de modo às forças de atração ou cooperação entre seus elementos predominarem sobre as de repulsão ou competição, que semeiam desorganização. Ao preponderar esta, por condições criadas pelas forças de competição, o sistema entra em desintegração. Na situação oposta, em que se salientam as forças de organização, propaga-se a integração do sistema. Em seus limites, a crise de um sistema se manifesta como desorganização ou organização plena, ou seja, mobilidade ou imobilidade total. As forças de competição ou cooperação podem advir do exterior do sistema. Por estar aberto à novidade, o sistema pode sofrer desintegração e desorganização, que precedem a sua reorganização.

Um sistema pode ter objetivos (finalidades, propósitos, intenções, expectativas), a ele atribuídos e explicitados por um sujeito que o observa e pesquisa. Este também identifica suas fronteiras, que permitem delimitar os elementos internos, externos e de fronteira do sistema. Tudo o que se situa fora do sistema é o seu meio ambiente, universo que o complementa. Os elementos internos mantêm determinado tipo de relação apenas com elementos do universo do sistema, não com os do universo do meio ambiente, que, por sua vez, mantêm um tipo de relação exclusivamente entre si, não com aqueles do sistema. Já os elementos de fronteira estabelecem relações bilaterais entre o sistema e o meio ambiente, ao relacionarem-se com os elementos internos e externos ao sistema; como elementos de importação e exportação, são responsáveis pelas entradas no e saídas do sistema.

Energia, matéria e informação fluem do sistema para seu meio ambiente e vice-versa. Um sistema seria totalmente aberto se a ele fossem externos todos os elementos de fronteira; entretanto, se todos estes pertencerem ao universo do sistema, este se torna um conjunto fechado.

Um sistema em estado de equilíbrio apresenta como característica a estabilidade; em desequilíbrio, manifesta instabilidade. Existe um potencial para a segunda, em um sistema em estado estável, ou para a estabilidade, em um sistema em estado instável. Em estado de equilíbrio, o sistema não se transforma, mantém as suas características organizacionais; em desequilíbrio, ele se altera, mudam suas características de organização.

Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000) citam duas características dos sistemas como associadas à manutenção ou à mudança de seu estado: a regulagem, em que o sistema e seu estado de equilíbrio se mantêm, e a adaptação, expressada pela mudança para um novo estado de equilíbrio. A regulagem e a adaptação se dão através de atividades exercidas por elementos externos, internos ou de fronteira do sistema. Alterações no comportamento dos elementos de um sistema indicam sua mudança de estado.

As mudanças de organização ocorrem devido às certezas e incertezas que permeiam as relações dos elementos de um sistema e incluem-se entre os processos do sistema tidos como emergências (excetua-se a sobrevivência, uma condição prévia de existência do sistema): se decorrem de atividades predeterminadas e realizadas por elementos internos, externos ou de fronteira, são previsíveis; se não forem predeterminadas, e sim espontâneas e autônomas, são imprevisíveis. Mudanças predeterminadas podem complementar e facilitar as espontâneas, ou divergirem delas e antagonizá-las, criando dificuldades para o seu desenvolvimento, o que traz ao sistema um estado de contradição e conflito (crise). As mudanças podem ocorrer de modo contínuo ou descontínuo, através de incrementos ou de forma radical, em que há completa ruptura com a organização interior, como nos casos de catástrofes sistêmicas. As mudanças de estado se identificam pelos novos comportamentos dos elementos de entrada e saída do sistema; cada estado novo é considerado uma novidade no sistema.

Inesperados e imprevisíveis podem ser as propriedades e os comportamentos a surgir nas mudanças espontâneas, pois eles se baseiam em relações de sinergia, decorrem de altos graus de liberdade nas atividades dos elementos, da alta sensibilidade destes às contingências e circunstâncias ambientais, ou de desvios casuais. Tal ocorre quando atividades autônomas de elementos do meio ambiente, caracterizadas como ruídos, perturbações ou flutuações, se introduzem no sistema e influenciam as suas mudanças.

Existem várias categorias de sistemas: segue abaixo uma tipologia elaborada por Bresciani Filho & D’Ottaviano (2004).

Se as sucessivas mudanças no estado de um sistema ocorrem de forma a se manterem proporcionais os valores atribuídos às suas variáveis, do estado inicial aos subseqüentes, em relação a uma variável que caracteriza essa evolução dos estados, classifica-se o sistema como linear. Em um sistema não-linear não ocorre obrigatoriamente essa proporcionalidade; e se a sua evolução for hipersensível às condições iniciais, uma pequena alteração de uma variável no estado inicial causará grandes mudanças nos estados posteriores do sistema.Um sistema dinâmico aberto troca energia e massa (informação, só a contida na massa e na energia) com seu meio ambiente; se não houver troca, é um sistema conservativo. Se o sistema perde energia para o meio ambiente, é dissipativo ou degenerativo; se a recebe, é regenerativo.Em um sistema determinístico, cada estado emerge do anterior conforme uma lei preestabelecida (causas iguais, efeitos iguais); pode-se prever o estado seguinte ou deduzir o precedente.

Um sistema determinístico pode comportar uma pequena influência de fatores casuais, aleatórios, probabilísticos, sem seu comportamento evolutivo ser afetado pela retirada dos mesmos; esse comportamento pode se apresentar probabilístico e determinista ao mesmo tempo; a partir de um estado inicial não identificado com exatidão, todavia, por uma distribuição de lei probabilística, pode-se deduzir, de acordo com uma lei determinista, seu futuro estado.

Em um sistema dinâmico caótico predominam no comportamento leis determinísticas, embora ele possa conter uma dose de aleatoriedade, o que dificulta prever sua evolução, ou seja, embora de natureza determinista, esse caos pode comportar-se de modo não previsível. No caos entrópico, descaracteriza-se, em sua evolução, a organização do sistema: interações entre fatores de influência (com parâmetros variáveis ou constantes), de estabilidade e de instabilidade, agem no sistema, desenvolvem vários processos inter-relacionados, promovem tanto a sua organização quanto a sua desorganização. As forças dinâmicas de estabilidade atuam para criar condições de o sistema se organizar e se equilibrar; forças de instabilidade no sentido contrário atuam. A convergência e a divergência entre os dois tipos de força criam as condições básicas para os sistemas dinâmicos apresentarem um comportamento caótico que, ao ser observado, permite compreender processos considerados em parte organizados, esperados e deter minados, em parte aleatórios, inesperados e desorganizados.

O conjunto de estados de um sistema dissipativo, após determinado tempo, converge para caracterizar uma região permanente no espaço, em forma de pontos, curvas, ciclos ou outras figuras: os atratores, um conjunto de soluções para os estados de um sistema.

Os sistemas dinâmicos caóticos mostram durante sua evolução uma hipersensibilidade às condições iniciais e mudanças do comportamento organizado para o caótico; seu conjunto de estados desenha atratores caóticos ou estranhos. Estes são representados por trajetórias alongadas, dobradas, irregulares e com dimensões fracionadas (fractais). O aspecto irregular desses atratores estranhos resulta da dinâmica caótica de seus sistemas, de natureza determinística, não das perturbações, flutuações ou ruídos, de natureza estocástica e origem externa ao sistema. Já um fractal se revela como uma figura cuja forma se repete em escalas dimensionais cada vez mais diminutas, conservando um padrão de semelhança.

Um sistema dinâmico, na condição de estabilidade, apresenta-se sob o controle de retroações negativas, que amortecem as influências das variáveis que provocariam uma mudança de estado, fazendo o sistema retornar ao estado inicial. Na condição de instabilidade, conduzido por retroações positivas, que reforçam as influências das mudanças ocorridas nas variáveis, o sistema sofre mudanças de estado, que se acumulam e podem conduzi-lo a um colapso. Se ambas as retroações, negativas e positivas, se manifestam, seus efeitos podem levar o sistema a multifárias situações de comportamento.

Um sistema estruturalmente estável mantém suas características dinâmicas diante de pequenas perturbações. Já nas transições de um comportamento estável para um instável, do organizado para o caótico, com perda de estabilidade estrutural, surgem as bifurcações; os pontos em que se separam duas evoluções temporais de um sistema denominam-se pontos de bifurcação. Um número crescente de variáveis acopladas entre si, a influir no sistema, com variadas freqüências de mudanças, pode gerar bifurcações: o sistema pode passar do estado estável para o aspecto periódico e, então, ao caótico (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2004).

A evolução caótica de um sistema dissipativo de energia pode conduzi-lo a um conjunto de estados que formam atratores estranhos, criadores de uma nova organização implícita surgida do caos, e a um comportamento instável e complexo. Sua hipersensibilidade às condições iniciais torna imprevisíveis, em um longo prazo, as conseqüências das alterações nas variáveis desse sistema, que podem evoluir aceleradamente com o passar do tempo. Um sistema de evolução caótica acaba por se tornar irreversível no tempo, pois se torna desprezível a probabilidade de retornar à sua condição inicial, perdido um sincronismo perfeito das variáveis no espaço e no tempo.

Criação, auto-organização e complexidade

Sistemas complexos apresentam necessariamente relações circulares, apesar de seus elementos não serem obrigatoriamente numerosos. Os sistemas constituídos de muitos elementos, mesmo com relações arborescentes, podem ser considerados apenas complicados, mas não obrigatoriamente complexos. [...] a complexidade depende de quantidade de elementos, variedade de elementos, quantidade de relações e variedade de relações (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2000: 292-293).

A organização de um sistema apresenta dois aspectos complementares: o for mal, em que uma estr utura, predeter minada ou preconcebida (constituída por elementos internos, externos ou de fronteira) atende a um funcionamento que visa a uma finalidade prefixada; o informal, com uma estrutura e um funcionamento correspondente, não predeterminado, nem preconcebido ou planejado, que espontaneamente decorre das atividades dos elementos inter nos do sistema (raramente de sua fronteira), com elevado grau de autonomia. Os aspectos formal e informal se entrelaçam para constituir um sistema, e dinamicamente se relacionam para transformar organizacionalmente o sistema, em processos predeterminados, preconcebidos ou planejados, por atividades de elementos de fora, de dentro ou de fronteira; em processos espontâneos, conseqüências das atividades autônomas de elementos internos do sistema (raramente de fronteira); ou ainda pela interação das atividades autônomas com as predeterminadas.

A presença, na organização informal e nas mudanças organizacionais, de propriedades e de comportamentos inesperados e imprevisíveis, baseados na existência de relações de sinergia, decorre dos altos graus de liberdade nas atividades dos elementos, de altas sensibilidades dos mesmos às contingências ambientais ou até de eventos do acaso.

Um sistema pode adquirir a propriedade de ser criativo: a criação, uma emergência, procede de transformações, predeterminadas, ou espontâneas e autônomas, de elementos do sistema (ou de sua fronteira), ou da interação dos dois tipos de transformação. Ela pode ser um novo produto ou resultar de um processo de mudança organizacional, em que surgem estruturas ou funcionamentos novos.

A criação deriva da influência de fatores ligados aos graus de autonomia e à natureza constitutiva dos elementos do sistema (eventualmente de fronteira), como a plasticidade e a elasticidade, ou de uma capacidade de imaginação e concepção do sistema. Fatores incluídos na organização deste ou um meio ambiente motivador podem incitar a criação.

Entre a criação e a organização pode existir um círculo recorrente, em que a primeira estimula a modificação da segunda, que propicia a ocorrência da primeira.

Recorrência similar pode existir entre a criação no sistema e o meio ambiente; este pode propiciar a criação, que por sua vez o altera. A criação pode se inserir no processo dinâmico relacional entre o meio ambiente e o sistema, que a este garante sobreviver, reproduzir-se e evoluir. Porém, uma auto-referência se faz necessária para o sistema não perder seu caráter e sua identidade. Atlan (1992) caracteriza a auto-referência como uma memória do sistema, um registro de estados de seu passado.

Para Bresciani Filho & D’Ottaviano (2000), na evolução de um sistema, sucede-se uma seqüência de estados de desequilíbrio e de equilíbrio; diversas organizações surgem durante a transformação do sistema provocada pela ação de elementos internos, externos e de fronteira. Se cada nova organização surgida for uma novidade, a evolução do sistema se define como criativa. A evolução pode assumir o caráter oposto, de um processo de dispersão de elementos ou de degradação rumo à desorganização; também pode gerar uma diversidade de organizações.

A interação das atividades predeterminadas, porventura existentes, com as espontâneas e autônomas entre os elementos internos (ou de fronteira) de um sistema, através de processos recorrentes, ou a introdução de atividades autônomas do meio ambiente, como perturbações, ruídos e flutuações, pode despertar no sistema processos de auto-organização, que modificam ou criam novas organizações.

A auto-organização e a criação podem se relacionar por meio de um círculo recorrente no qual a auto-organização propicia a realização da criação e esta, ao se realizar, propicia uma modificação na forma de uma auto-organização.

O conjunto das características estruturais e funcionais de um sistema, sua organização, representa as relações entre os seus elementos e as suas atividades e deixa subjacente no seu interior a presença de uma dinâmica estrutural e funcional. A estrutura e o funcionamento, com seus padrões de formação e evolução definidos, conferem uma identidade ao sistema. Em um processo de auto-organização não há padrões de formação e evolução predeterminados; muda-se de um estado para outro novo, emergente, por um mecanismo de adaptação estrutural e funcional.

Uma organização emergente, derivada da auto-organização, não apresenta necessariamente as características que a qualifiquem como criação organizacional. Nesses casos, a organização emergente pode ser identificada como uma reprodução ou duplicação de outra já existente ou com existência anterior. Isso ocorre na autopoese, propriedade auto-organizativa que garante uma constante manutenção e a reprodução dos seres vivos (Maturana & Varela, 1995). Na unidade autopoética, os componentes se envolvem no conjunto das reações metabólicas e possuem um limite definido, a membrana celular (portanto, constituem um sistema). Para a unidade autopoética, o ser e o fazer não se separam e constituem um modo de organização.

A autopoese refere-se à produção contínua da vida por ela própria. Os seres orgânicos não manteriam a vida sem o comportamento autopoético; subsistem como sistemas ao eliminar para o meio ambiente calor, ruído e incerteza, isto é, entropia e desordem.Os sistemas dinâmicos caóticos também comportam processos de auto-organização. A transição de um comportamento organizado para um caótico, de um regime estável para um instável, com perda de estabilidade estrutural, decorre da evolução temporal hipersensível às condições iniciais. Os parâmetros de organização do sistema podem influenciar nas transições de fase, em que as mudanças estabelecidas podem gerar novos padrões de organização.

Os sistemas dinâmicos caóticos admitem processos que comportam emergências (criações, transformações) com auto-organização: o estudo da dinâmica da constituição, da mudança dos atratores do sistema, pode se confundir com o dos processos de auto-organização. Um sistema complexo pode ter muitos atratores, que mudam em função de certos parâmetros de controle funcionais e estruturais do sistema (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2004).

Um sistema de evolução caótica se torna irreversível no tempo, pela quase impossível probabilidade de retornar às suas condições iniciais. Prigogine (2002) insinua uma intimidade entre irreversibilidade e complexidade: ambas formariam uma alça recorrente. A presença de relações circulares é característica necessária a um sistema complexo: um sistema dinâmico caótico é um exemplo de sistema complexo.

Segundo Bresciani Filho & D’Ottaviano (2004), a caracterização das noções de relação e de tipos especiais de relações permite discutir a noção de complexidade. Sua compreensão pode se dar pela visão sistêmica relacional desta forma: um sistema só pode ser descrito por inter-relações entre todos seus elementos; uma relação decorre de uma característica particular dos elementos constituintes do universo do sistema; este é criado por uma distribuição inter-relacional peculiar de seus elementos; tais inter-relações dependem de uma referência comum de todo o conjunto de elementos a constituir o sistema, determinantes da identidade deste. Quanto maior a quantidade e variedade dos elementos, quanto maior a quantidade e variedade das relações entre eles, maior será a complexidade do sistema.

Atlan (1992) destaca a presença de dois conjuntos de noções opostas nos sistemas: de um lado, repetição, regularidade e redundância; do outro, improbabilidade, variedade e complexidade; e também os compromissos entre dois extremos, o de uma ordem repetitiva, perfeitamente simétrica, e o de uma variedade infinitamente complexa, imprevisível em seus detalhes. Inspirado pela teoria da informação, pela cibernética e pelo princípio de ordem a partir do ruído, o autor propõe uma complexidade através do ruído, em que o elemento aleatório desempenha notável papel na organização dos sistemas.

A auto-organização leva a um aumento espontâneo de complexidade e não se restringe aos seres vivos e a modelos que os simulam: ela existe também em sistemas físico-químicos distantes do equilíbrio, cujas propriedades auto-organizadoras se originam de pareamentos de fluxos e de flutuações aleatórias, propriedades de sistemas termodinamicamente abertos. A auto-organização, um processo de aumento de complexidade estrutural e funcional, resulta de uma sucessão de desorganizações
companhadas pelo estabelecimento de um nível de variedade maior e de redundância mais baixa.

Para um sistema ser auto-organizador, sua redundância inicial deve ser mínima e o aumento de complexidade ocorrer pela destruição das restrições internas do sistema, isto é, de sua redundância, antagônica à ação do ruído. O acaso não gera apenas desordem, contribui para elaborar uma complexidade organizacional. Uma aparente desordem oculta uma ordem determinada. Paradoxo: o ruído que organiza deixa de ser necessariamente um ruído, um elemento de desorganização; de acordo com a reação do sistema, ele passa a fazer parte de uma organização. O ruído produz erros no sistema, que a eles reage e modifica a si mesmo em um sentido que lhe seja benéfico, garantindo, ao menos, a sua sobrevivência. Se o sistema integra os erros, estes perdem seu caráter de erro. O acaso e o aleatório, sempre considerados antinômicos à ordem e ao organizado, contribuem para organizar o sistema.

Através de uma seqüência de org anizações e desorganizações, ordens e desordens, que promovem modificações e criações no sistema, este se reorganiza e se torna mais complexo. A informação que o sistema possui sobre si mesmo, que aumenta pelo efeito do que ao observador parece ser um ruído, permite ao sistema funcionar e existir como sistema. Atlan (1992) acredita em uma circulação de incerteza entre o sistema e seu observador. Quanto mais desorganizado um sistema, menos informação ele carrega e maior se torna a incerteza do observador a seu respeito. A incerteza sobre um sistema seria uma medida da informação que falta sobre ele, caso em que a complexidade pode ser interpretada como um desconhecimento sobre os detalhes do sistema.

Morin (1999) ressalta a importância das interações e inter-retroações, especialmente nos fenômenos biológicos, e a relação antagonista e ao mesmo tempo complementar entre as noções de ordem, de desordem e de organização, que possibilitam a geração (a organização) de fenômenos ordenados a partir de agitações ou turbulências generalizadas. A organização, que compõe um sistema a partir de elementos diversificados, simultaneamente constitui uma unidade e uma multiplicidade, em uma complexidade lógica que o autor denomina unitas multiplex, que exige não transformar o um em múltiplo, nem este em um. Ao se organizar um todo, coações inibem ou reprimem as potencialidades dos elementos que se organizam, de forma ao sistema constituído se apresentar menor do que a soma de suas partes. Contudo, esse todo organizado, esse sistema, também se revela maior do que a soma de suas partes: surgem qualidades novas, as emergências, que retroagem ao nível dos elementos e os estimulam a exprimir suas potencialidades (princípio sistêmico ou organizacional). Também se verifica que a organização não se origina somente de um centro de comando e decisão, mas pode surgir em múltiplos centros ou de interações espontâneas entre grupos de indivíduos, como em organizações biológicas e sociais. No princípio hologramático, cada elemento de um sistema contém toda ou quase toda a informação do conjunto. Exemplo: uma célula armazena toda a informação genética do ser global, mas apenas parte de seus genes se manifesta, devido a inibições, repressões. O todo está na parte, que está no todo. Só se pode conhecer o todo ao se conhecer todas as partes, e compreender a estas ao se conhecer o todo. Um circuito de ida e volta se faz necessário entre os pontos individuais e seu conjunto, entre cada elemento e o sistema que os inclui. Nem a fragmentação, nem o totalitarismo do global. Com base no princípio do anel retroativo de Wiener, um dos criadores da cibernética, que rompe com a causalidade linear e permite a autonomia, a auto-regulação de um sistema, Morin (1999) se refere ao princípio de organização recursiva, aquela cujos efeitos e produtos produzem e causam o que os produz. A interação entre os indivíduos produz uma sociedade humana; essas interações criam um todo organizador que retroage sobre os indivíduos e os engendra como humanidade, através da linguagem e cultura. Quanto aos conceitos fechados e claros, o autor lembra: a complexidade não apenas exprime acasos, desordens, complicações, fenômenos mesclados; ela confunde as fronteiras de conceitos (como os de causa e efeito, produtor e produto, um e múltiplo) e rompe com a idéia cartesiana de clareza e distinção das coisas como critério de verdade; não se enunciam mais verdades claras e nítidas, elas se cingem de ambigüidade e confusão (ruído). A separação nítida entre o objeto (sobretudo os seres vivos) e o seu meio ambiente atinge novo patamar: não se pode mais, como na ciência clássica, retirar o objeto de seu meio ambiente, isolá-lo em um meio artificial, para modificá-lo, controlar suas alterações para conhecê-lo. (Etólogos quebraram este imperativo de isolamento e manipulação.) A autonomia, ignota no determinismo, assoma com a teoria dos sistemas: estes sobrevivem ao captar energia do meio ambiente, sua autonomia se funda na dependência do meio ambiente. Os conceitos de autonomia e dependência passam a se complementar em seu antagonismo. Um sistema autônomo precisa, no universo da complexidade, comportar-se simultaneamente como aberto e fechado, para preservar sua individualidade e originalidade. Para ser autônomo, precisa-se ser dependente. Como exemplos, podem-se citar os sistemas vivos, a partir dos quais se concebe o princípio da auto-eco-organização, um viver de morte e morrer de vida, opostas complementares a vida e a morte. Brota aqui o princípio dialógico: princípios ou noções que se excluem e ao mesmo tempo não se separam na mesma realidade; noções contraditórias se associam para conceber um fenômeno complexo, como a formação do universo pela ordem/desordem/interações/organização. O mundo físico não se entrega ao acaso, nem se submete a leis estritas: as organizações nascem de encontros aleatórios e obedecem a determinados princípios que determinam como esses elementos se ligam no todo.

Para Morin (1999), o observador volta à cena, desfaz-se a ilusão de eliminá-lo no ato de observar: o observador-conceptor se integra na sua observação e concepção, uma volta à modéstia intelectual e a uma aspiração autêntica da verdade; se a teoria não explicar o problema de sua própria produção, ele permanece. Restaura-se o sujeito, o conhecimento se assume como reconstrução/tradução por um espírito/cérebro dentro de certa cultura e em uma determinada época (Morin, 2000).

Sobre o paradoxo da contradição, Morin (1999) explica que a lógica clássica tinha valor de uma verdade absoluta e geral, não admitia contradições; estas exigiam o retorno do pensamento ao início do raciocínio. Mas o dialogar com a contradição permite estabelecer relações complementares e contraditórias entre noções fundamentais necessárias para se conceber o universo. O autor sugere transgredir a lógica aristotélica, ou substituí-la por outras.

A complexidade deve ser encarada como um desafio, que nos encoraja a prosseguir no diálogo com o universo, sem pretendermos conhecê-lo em sua totalidade; que exige estratégia para avançar no incerto e aleatório; que avança no mundo real e concreto dos fenômenos sem temer a incerteza, mas as integra com o máximo de certezas possíveis. Sem metodologia, cria seu próprio método: nunca considerar os conceitos fechados, rearticular o que foi separado, promover o diálogo entre os antagonismos complementares, pensar de forma organizacional, valorizar as relações auto-eco-organizadoras e hologramáticas, assim como a recursividade.

Não se trata de abandonar os princípios de ordem, de autorizar todas as transgressões, de expulsar todas as certezas, de opor o holismo global a um reducionismo mutilador; trata-se de repor as partes na totalidade, de articular ordem e desordem, de promover o diálogo entre a autonomia e a dependência, de integrar o pensamento linear e o sistêmico, de um ir e vir entre certezas e incertezas, de um unir e ao mesmo tempo distinguir, de repor as partes na totalidade e o todo nas partes (Morin, 2000).

Sistemas ambientais

Os sistemas ambientais representam entidades organizadas na superfície terrestres, de modo que a espacialidade se torna uma das suas características inerentes. A organização desses sistemas vincula-se com a estruturação e funcionamento de (e entre) seus elementos, assim como resulta da dinâmica evolutiva. Em virtude da variedade de elementos componentes e dos fluxos de interação, constituem exemplos de sistemas complexos espaciais (Christofoletti, 1999: 35).

De acordo com Troppmair (2004), não se estuda de maneira isolada solo, clima, água, vegetação e outros componentes do meio ambiente; este precisa ser visto como o lugar em que os seres vivos, inclusive o Homem, desenvolvem suas atividades, o que exige em sua pesquisa uma visão integrada e sistêmica. Uma concepção sistêmica permite entender os sistemas ambientais como organizações espaciais, estruturadas e em funcionamento como unidades complexas. Como exemplos de sistemas ambientais complexos, existem os ecossistemas (sistemas ambientais biológicos constituídos em função dos seres vivos) e os geossistemas (sistemas ambientais para as sociedades humanas, constituídos por elementos físicos e biológicos da natureza, analisados pela perspectiva geográfica). O estudo dos sistemas ambientais aponta para duas abordagens: a ecológica e a geográfica. A primeira enfoca as características das comunidades biológicas e seus habitats; a segunda se volta para a contribuição dos elementos físicos e biogeográficos na organização do espaço; a interação de ambas permite compreender de maneira integrada a complexidade de um sistema ambiental. Conhecer os elementos de um sistema ambiental, e como este funciona, permite elaborar modelos para estudá-lo, através dos quais se pode prever, por exemplo, que impactos ambientais podem afetá-lo, como romperiam o seu equilíbrio, assim como mitigar e reparar, ao menos parcialmente, os efeitos de tais impactos.

Ecossistemas

Os organismos vivos e o seu ambiente não-vivo (abiótico) estão inseparavelmente inter-relacionados e interagem entre si. Chamamos de sistema ecológico ouecossistemaqualquer unidade (biossistema) que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica) numa dada área, interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não-vivas (Odum, 1988: 9).

A idéia da interação entre os seres vivos e seu meio ambiente (e dos seres humanos com a natureza) é antiga. Na segunda metade do século XIX, ela apareceu em publicações sobre ecologia nos Estados Unidos e Europa. Em 1935, o britânico Tansley sistematizou o termo ecossistema. Segundo Tricart (1977), Tansley entendia o ecossistema como um conjunto de seres vivos que dependem mutuamente uns dos outros e do meio ambiente em que vivem. De acordo com Christofoletti (1999), o conceito teve o objetivo de definir uma unidade resultante das interações entre todos os seres vivos habitantes de uma determinada região com as características físicas da mesma, ou seja, incluir não apenas os seres vivos, mas também os fatores físicos do meio ambiente - não se poderia separar os dois componentes de um sistema ambiental. Sem a presença de seres vivos, não há ecossistema.

Odum (1988) entende que em um ecossistema interagem uma comunidade biótica, o fluxo de energia e a ciclagem de matéria. O fluxo de energia unidirecional (irreversível) provém do Sol: parte da energia luminosa, captada pelos seres vivos clorofilados, transforma-se em energia química e se inclui na matéria orgânica sintetizada durante a fotossíntese; outra parte da energia, liberada na forma de calor, retorna ao sistema, dissipa-se (o ser vivo exporta entropia), não é reutilizada. Os materiais, como o nitrogênio, a água, o fósforo e o carbono, podem ser reutilizados inúmeras vezes, passam constantemente do corpo dos seres vivos para o meio ambiente físico e vice-versa. Todos os ecossistemas, inclusive o global, a biosfera, são sistemas abertos com uma entrada e uma saída para a energia que flui, para os seres vivos que emigram ou imigram, para os materiais que se movimentam em ciclos. A comunidade biótica se constitui pelo conjunto de seres vivos do ecossistema.

Do ponto de vista trófico, um ecossistema apresenta os organismos autótrofos, plantas ou bactérias clorofiladas, fixadoras de energia luminosa, que retiram, do meio ambiente, substâncias simples como água e sais minerais e sintetizam substâncias orgânicas complexas; e os organismos heterótrofos, que sobrevivem direta ou indiretamente à custa de substâncias orgânicas provenientes dos autótrofos, também nomeados como produtores. Os heterótrofos organizam-se em dois grupos: consumidores, representado pelos animais, que se alimentam diretamente das plantas ou de outros animais, e decompositores, principalmente fungos e bactérias, que degradam a matéria morta e os dejetos de animais. A decomposição libera, no meio ambiente físico, nutrientes inorgânicos como a água e o gás carbônico, disponibilizados aos produtores.

A cadeia trófica consiste em uma série de organismos em que cada qual se alimenta do anterior. Por exemplo, um vegetal é devorado por um pequeno mamífero roedor, este por uma serpente, esta por um gavião. A planta capta energia da luz do Sol na fotossíntese, armazena-a na forma de energia química nos alimentos produzidos e dissipa parte dessa energia, como calor (entropia) em processos como a respiração. Portanto, nem toda energia que ela absorve se mantém em seu organismo; a quantidade de energia contida em alimentos que ela cede ao roedor, consumidor primário, é menor do que a captada por ela. O roedor, por sua vez, também dissipa energia na forma de calor em seus processos metabólicos. A quantidade de energia que ele cede ao consumidor secundário, a serpente, ao ser devorado, é menor do que a que obteve da planta. O mesmo sucederá à serpente, ao ser predada pelo consumidor terciário, o gavião. Cada nível trófico dissipa como calor (entropia) parte da energia que recebeu do anterior, de modo que existe um limite para o número de elos da cadeia trófica.

As relações que ligam os seres vivos entre si, como o predatismo, em que um mata e devora a outro, o parasitismo, em que um se alimenta de outro mantido vivo, a simbiose, em que dois seres de espécies diferentes se unem para colaborar entre si, constituem casos de emergências em um ecossistema, no entender de Morin (2005b). A predação, uma relação antagônica extrema, de predador e presa (o gavião com a serpente, esta com o roedor), produz sua própria regulação e adquire o caráter de um fator de organização. A destruição se torna também um fator de conservação do predador e da presa, da diversidade e do antagonismo organizacional. No caso do mutualismo, um ser vivo se liga a outro de espécie diferente numa relação circular tão íntima, que a morte de um deles acarreta a do parceiro. As relações dentro de um ecossistema chegam a atingir formas tão complexas, que um ser vivo depende de outro para se reproduzir, como no caso da orquídea-balde e de sua abelha polinizadora. A extinção de uma das espécies resultaria também na de sua parceira. Morin (2005b) conclui, então, que a unitas multiplex (unidade na diversidade e diversidade na unidade) está presente nos ecossistemas.

O estudo dos ecossistemas se efetua pela Ecologia. Este vocábulo, proposto por Ernst Haeckel, em 1869, inicialmente um ramo da Biologia, assume atualmente o caráter de Ciência com um campo de estudos definido. A Ecologia pesquisa os ciclos de nutrientes, o fluxo de energia, as relações dos seres vivos com seu meio ambiente físico (biótopo) e entre si, as populações (conjunto de espécimes de uma espécie), as comunidades bióticas (biocenoses), os ecossistemas, os biomas (biossistemas de grande porte, como a Floresta Tropical) e a biosfera ou ecosfera (toda parte da Terra onde existe vida).

Dois conceitos importantes em ecologia são os de biodiversidade e sucessão ecológica. O primeiro se refere à variedade de espécies de um ecossistema, bioma, biosfera ou de regiões geograficamente delimitadas, como um país ou uma cidade. O segundo conceito se refere ao conjunto de modificações na diversidade biológica de um ecossistema e nas suas condições ambientais ao longo do tempo, rumo a um nível de organização cada vez mais complexo. Ao longo de um processo de sucessão ecológica, cada novo estágio (uma série) representa um novo estado do ecossistema; cada novo habitat ou nicho ecológico, surgido e disponível para ocupação, pode ser reputado como uma emergência; a evolução progride rumo a sucessivos níveis mais estáveis, organizados e complexos, com maior biodiversidade e biomassa, até atingir o estágio clímax, o mais elevado nível de complexidade do ecossistema durante seu processo evolutivo. Se um ecossistema em estágio clímax entra em crise, sofre danos por ação de agentes naturais como incêndios, abalos sísmicos, erupções vulcânicas, ou pela deliberada ação do Homem, sua complexidade diminui. Pode ocorrer uma sucessão secundária com sua parcial recuperação, como no Parque Estadual da Cantareira (São Paulo); em geral, origina-se um disclímax diverso do clímax primitivo, menos biodiverso e menos complexo.

Intervenções humanas causadoras de simplificação de sistemas ambientais ocorrem, por exemplo, ao se eliminar uma mata nativa e se lotear o terreno para instalar um condomínio, ou ao se substituí-la por um florestamento com monoculturas de espécies exóticas, como nos empreendimentos da indústria de papel e celulose. Nos dois casos, reduz-se a biodiversidade e a complexidade do sistema.

Para Tricart (1977), o Homem participa dos ecossistemas em que vive e os modifica conforme as suas necessidades, qualquer que seja o nível de desenvolvimento da sociedade humana. Não existiriam mais ecossistemas totalmente naturais, todos sofreram algum nível de modificação pela ação humana.

Geossistemas

[...] o Geossistema é um sistema natural, complexo e integrado onde há circulação de energia e matéria e onde ocorre exploração biológica, inclusive aquela praticada pelo homem. Pela ação antrópica poderão ocorrer pequenas alterações no sistema, afetando algumas de suas características, porém estas serão perceptíveis apenas em micro-escala e nunca com tal intensidade que o Geossistema seja totalmente [...] descaracterizado ou condenado a desaparecer (Troppmair, 2000: 5).

No século XX, a teoria geral dos sistemas adentrou o terreno da Geografia, com as propostas de classificação de sistemas geográficos, inclusive dos naturais, como as paisagens, e da formulação de modelos para pesquisá-los. A conexão entre duas contribuições, a tradição dos naturalistas viajantes e a teoria dos sistemas, permitiu elaborar um modelo teórico, para estudar o espaço geográfico, que valoriza a integração entre os elementos dos sistemas naturais: a teoria dos geossistemas, uma abordagem sistêmica que permite delinear unidades espaciais, em diversas escalas, com características elementares, relacionais e dinâmicas, similares entre si. Duas escolas elaboraram o conceito de geossistema, cada qual com suas nuances próprias: a russa, principalmente através de Sotchava (1977), e a francesa, com Bertrand (2005).

Para Sotchava (1977), o estudo dos geossistemas não se dirige aos seus componentes naturais em si, mas às conexões que estabelecem entre si; não se detém apenas na descrição da morfologia das paisagens e subsistemas, mas visa à compreensão de sua estrutura funcional e sua dinâmica. Os geossistemas constituem formações naturais, contudo os fatores econômicos e sociais atuam sobre eles: as paisagens antropogênicas significam estados alterados de primitivos geossistemas naturais. Não se define um geossistema pela justaposição de características reconhecidas em sua análise, isto é, classificações pedológicas, geológicas, fitogeográficas, climatológicas e geomorfológicas: a unidade mínima de um geossistema se define pela ocorrência de fluxos de matéria e energia limitados a um determinado espaço, abrangendo o território onde se encontram os elementos que asseguram a unidade deste sistema. Os geossistemas, sistemas dinâmicos abertos, em que se introduz negentropia oriunda do Sol e das forças internas da Terra, subdividem-se em terrestres e os referentes aos oceanos e mares, e ocupam áreas de centenas ou milhares de quilômetros quadrados. Por sua dinâmica, os geossistemas admitem uma classificação através de seus estados sucessivos, algo fundamental para se planejar sua utilização humana, o que exige a elaboração de modelos que reflitam a influência de parâmetros econômicos e sociais nas conexões do geossistema. O uso de modelos e gráficos, em especial nos geossistemas modificados pela intervenção humana, permite prognosticar a sua evolução e sugere as medidas mais adequadas para se proteger o meio ambiente.

Bertrand (2004) salienta a importância dos termos de origem ecológica, como a biocenose (número de espécies e indivíduos de uma região determinada) e o ecossistema. Este não apresenta escala definida (pode variar de uma lagoa até um oceano), é um conceito biológico, não geográfico, não recomendável para estudar o espaço, embora autores da Rússia e Estados Unidos o considerem como um sistema energético representativo de uma paisagem. O conceito de geossistema enfatiza a complexidade e a dinâmica do espaço estudado: uma paisagem nítida e delimitada, combinação local e única de elementos de vários subsistemas em interação (clima, rocha, sistema de declive, etc.) e de uma dinâmica comum (mesmas geomorfogênese, pedogênese e degradação antrópica). Essa paisagem apresenta certa homogeneidade fisionômica, um mesmo tipo de evolução, unidade biológica e um contínuo ecológico que combina fatores da geomorfologia, hidrologia e clima (potencial ecológico do geossistema, oposto complementar à sua exploração biológica). Na escala de um geossistema, que varia de alguns poucos a centenas de quilômetros quadrados, sucede-se a maioria das interações entre os elementos da paisagem. Na evolução do geossistema, as diversas formas de energia interagem e comumente se descortina um mosaico de paisagens em vários estágios, que permitem reconstituir sua cadeia histórica. O estágio clímax, de equilíbrio entre o potencial ecológico e a exploração biológica, raramente emerge pela complexidade dinâmica do geossistema num reduzido espaço-tempo, no qual a ação antrópica se torna determinante para promover alterações profundas.

Ao diferenciar ecossistema e geossistema, Troppmair (1983) entende que o primeiro termo, oriundo da Biologia, estuda as relações verticais entre os seres vivos e o seu meio ambiente, enquanto o segundo compreende inter-relações horizontais, geográficas e espaciais, analisa a interação de distribuição no espaço de componentes naturais, alterados ou não pelo Homem. Segundo Troppmair (2000), em um geossistema circula matéria e flui energia. A matéria contém vários produtos: naturais, metálicos, minerais não metálicos (calcário, argila), agrícolas de origem vegetal ou animal, industriais semi-acabados e acabados, que abastecem a esfera econômica ou que contém idéias, como os jornais e livros. A energia flui de forma unidirecional como nos ecossistemas e sua principal fonte é o Sol. Outras formas de energia são a hidráulica, a dos combustíveis fósseis, a eólica, a gravitacional e as de origem biológica, produzidas ou não pelo Homem para movimentar seus equipamentos e manter sua sociedade. Na dinâmica do geossistema, as alterações das variáveis podem ocorrer em minutos, como no caso do clima; no prazo de dias, caso das variações do estado do tempo; em meses, na variação da fenologia da fauna e flora, assim como nos ciclos hidrológicos; ou levar de milhares ou milhões de anos, como na pedogênese e morfogênese. As diferentes características de cada geossistema permitem falar-se em uma geodiversidade, diferentes formas de sua organização, tal como existe a diversidade biológica nos ecossistemas.

Troppmair (2001) considera o geossistema como a própria paisagem vista como um sistema, unidade real e integrada. Pode-se acrescentar ao seu ponto de vista, em uma visão sistêmica, que cada nova paisagem a surgir no interior de um geossistema teria o caráter de uma emergência e que as atividades humanas podem contribuir para aumentar a sua complexidade.

O conceito de geossistema resgata a visão do espaço dos antigos gregos e de naturalistas como Alexander Von Humboldt, de um todo integrado e complexo.

Considerações finais

A Natureza é o que religa, articula, faz comunicar em profundeza o antropológico ao biológico e ao físico. Precisamos então reencontrar a Natureza para reencontrar nossa Natureza, como haviam sentido os românticos, autênticos guardiões da complexidade durante o século da grande Simplificação. A partir de então, vemos que a natureza do que nos afasta da Natureza constitui um desenvolvimento da Natureza, e nos aproxima ao mais íntimo da Natureza da Natureza. A Natureza da Natureza está em nossa natureza (Morin, 2005a: 451).

A teoria mecanicista da natureza, que a esta considerava inanimada e morta, motriz do progresso econômico a qualquer custo, aparentemente esvai-se. Todavia, todo cuidado é pouco. Prigogine & Stengers (1997) alertam para as repetidas ressurreições da fênix mecanicista, que sempre reaparece quando parece liquidada.Atlan (1992) se assusta com o neomecanicismo embutido na cibernética, teme a possível substituição do Homem por sistemas cibernéticos. Para Bertalanffy (1973), em um mundo cibernético, com referência nos sistemas, não mais nas pessoas, o ser humano se tornaria substituível e consumível; em um grande sistema mundial, não passaria de um boneco dirigido por botões. A teoria geral dos sistemas pode contribuir para se engendrar um estado ou nação como nível superior na hierarquia de um sistema, constituiria o fundamento de um estado totalitário, em que o ser humano seria uma célula insignificante em um organismo (pouco diferente de ser uma peça em uma engrenagem).

O relógio mecânico de Newton foi apenas substituído pelo digital, sem alma como a natureza vista por Descartes? Uma civilização que valoriza tanto a Ciência só se torna boa se o aumento do conhecimento humano for acompanhado por um aumento de sua sabedoria interior. Ou então, instala-se uma crise. O que se sucede com um sistema em crise?Pelo ponto de vista da teoria dos sistemas, uma crise se apresenta como uma oportunidade para uma mudança. A humanidade passa por um momento de bifurcação, em que pode derivar para a emergência de um estado sistêmico mais complexo e estável. Para tanto, não se prescinde do resgate da physis, não mais relegada aos antigos gregos, através do estudo dos sistemas ambientais.

Uma natureza que parte do indeterminismo, espontaneidade e criatividade, e se auto-organiza; que se alimenta da desordem e da incerteza, age de maneira flexível e aberta, sem planos definitivos e se abre às singularidades e novidades: esse novo conceito desconstrói as bases da civilização moderna, cria uma nova visão de natureza humana e um novo sentido para o relacionamento humano com o mundo natural. Tradições passadas se reconciliam com novas linhas de pensamento, a ciência e a espiritualidade se aproximam.

Segundo Morin (2005a), emerge da atual crise um novo universo, unidade de cosmos, physis e caos, singular, fenomênico e generativo, que produz de si mesmo desordem, ordem, organização, dispersão e diversidade: uma unidade complexa, que não exclui o singular pelo geral, nem o geral pelo singular. Um universo em movimento, em devir, em que a história se faz presente. Nesse universo, a physis se reencontra com a plenitude genérica a ela atribuída pelos pré-socráticos. Reanimada e regenerada, ela precisa ser generalizada, reintroduzida em tudo que é humano, em tudo o que é vivo.

Interagir de for ma complexa com a Natureza, interiorizá-la como valor perene, como fonte de alegria, beleza e identidade, promove um retorno à Natureza interior humana e seu resgate para reintegrá-la à Natureza exterior, ao se assumir responsabilidades com a vida e a Terra. Assim se resgatará um homem que não se reduz à sua dimensão social nem à de Homo faber, que não se assume só como Homo demens, mas que sabe ser Homo sapiens, que se preocupa em valorizar a beleza e a funcionalidade do meio ambiente.

Somos seres vivos, seres humanos, não somos máquinas, não somos constituídos por engrenagens ou circuitos integrados. Por mais habilidades que um computador manifeste, ele nunca será humano. A metáfora da máquina precisa ser abandonada, o fantasma da máquina precisa ser exorcizado, como no conto de Andersen “O rouxinol do imperador da China”: o supremo mandatário chinês trocou o pássaro verdadeiro por um mecânico, adoeceu por este funcionar mal e recuperou-se com a volta do pássaro vivo, com seu canto verdadeiro, não uma gravação a se repetir. Metáfora do resgate do ser humano de sua opção pelo mecânico, repetitivo, decepcionante, em favor da religação com a natureza da qual nunca deixou de fazer parte?

Como deve proceder então o pesquisador? O legado de Humboldt se afigura como exemplo: buscar a unidade da natureza permanece o seu papel; estudar as emergências e complexidades na organização do espaço, através de uma colaboração interdisciplinar de diversos profissionais, sem deixar de assumir a responsabilidade pelo conhecimento gerado, sem se omitir quanto à maneira pela qual ele será utilizado. Tal postura contribuirá para substituir a visão estritamente econômica pela ecológica, para se conservar e usar com sabedoria e consciência o espaço geográfico, preservar os ecossistemas e sua biodiversidade, manter o equilíbrio e a qualidade ambiental na Terra.

A religião tem um papel importante na formação de civilizações, influenciando a cultura, a política, a ética, a governança e a estrutura social.


A cultura grega antiga era fortemente influenciada pela religiosidade, e as duas estavam intimamente relacionadas:

Religião
Os gregos eram politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses, semideuses e heróis. Os deuses eram representados como figuras humanas, e cada um representava uma virtude. A religião tinha como objetivo moralizar a sociedade e unificar os povoados. Cultura

A cultura grega se manifestava por meio da literatura, da música e do teatro. As obras de arte, as peças de teatro e os textos escritos retratavam os deuses e elementos relacionados a eles. A música também era fundamental na cultura grega, e estava relacionada com a religião.


Alguns exemplos de manifestações da cultura grega relacionada à religiosidade são:

Jogos Olímpicos - Realizados na cidade de Olímpia, em homenagem a Zeus, o principal deus grego. Os Jogos Olímpicos eram realizados de quatro em quatro anos, e durante o evento, as guerras eram suspensas.

Templos - Os gregos construíram templos para realizar suas orações aos deuses.

Oráculos - Os gregos acreditavam que os oráculos eram meios usados pelos deuses para se comunicarem com eles.

Festas - As festas dedicadas às divindades eram importantes acontecimentos sociais.

A Grécia Antiga é considerada o berço da civilização ocidental:

- A Grécia Antiga foi uma das principais civilizações da Antiguidade, com um alto nível de sofisticação em diversas áreas.
- Foi na Grécia Antiga que surgiram as primeiras noções de democracia, artes cênicas, historiografia e literatura.
- A Grécia Antiga influenciou a cultura do mundo moderno, principalmente durante o Período Renascentista e o período neoclássico.
- A Grécia Antiga deixou um legado cultural que inclui a literatura épica, como "Ilíada" e "Odisseia", obras filosóficas de Sócrates, Platão e Aristóteles, e padrões de arte e arquitetura.

A Grécia Antiga se desenvolveu na Península Balcânica, na Península do Peloponeso e em diversos locais ao longo da costa do Mar Mediterrâneo.

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Um adendo a minha reflexão:

A religião é um conjunto de crenças e práticas sociais relacionadas com a noção de sagrado. Ela é influenciada pela cultura, mas também a influencia, permitindo conhecer os valores éticos de uma sociedade.

A religião pode ser um elemento fundamental para a formação de uma sociedade, como foi o caso das religiões dos povos antigos , como exemplo a Grécia antiga. Atualmente, a religião continua a ser importante em muitas sociedades, como no Oriente Médio e na África Subsaariana, onde é profundamente enraizada.

A Igreja Católica também teve um papel proeminente na formação da civilização ocidental. A Igreja fundou universidades, incentivou cuidados médicos e serviços de bem-estar, e influenciou filósofos ocidentais e ativistas políticos.

A religião sempre foi característica fundamental da humanidade. Em todas as culturas e épocas, a abertura à transcedência foi o que moveu a humanidade a buscar desenvolver-se no ^^ambito intelectual, social, ético e profissional. Estudos em fenomelogia da religião comprovam: mesmo as pessoas que não professam nenhuma crença possuem visões de mundo motivadas pela religiosidade. A religião molda o caráter, eleva os ideais e impulsiona a família humana a se ajudar mutuamente.

Portanto, a religião consiste em uma necessidade básica de todo ser humano. Especialmente, aqueles que se dedicam de maneira mais intensa ao estudo e ao desenvolvimento da ciência, uma vez que estas atividades abrem o espírito humano a uma inevitável elevação espiritual.

Fé e razão não são realidades antagônicas, como muitos querem afirmar. Na verdade, as duas se complementam e nos dão um caminho seguro para as verdades mais elevadas.


Um labirinto é uma construção com caminhos que dificultam a orientação espacial e podem fazer com que seja difícil encontrar a saída.

 O labirinto também pode ser uma atividade pedagógica que ajuda a desenvolver habilidades como a coordenação motora, o senso de lógica, o planejamento, entre outras.

Brincar de labirinto pode ser uma atividade pedagógica que ajuda a desenvolver habilidades como a coordenação motora, o senso de lógica, o planejamento, entre outras:
- Coordenação motora: A brincadeira de labirinto pode melhorar a coordenação motora da criança.
- Percepção espacial: O labirinto pode ajudar a desenvolver a percepção espacial da criança.
-Resolução de problemas: A criança precisa testar diferentes caminhos e estratégias para encontrar a saída, o que ajuda a desenvolver a resolução de problemas.
- Concentração: A brincadeira de labirinto pode ajudar a desenvolver a concentração da criança.
- Planejamento: A criança precisa planejar para encontrar a saída do labirinto.
- Senso de lógica: O labirinto pode ajudar a desenvolver o senso de lógica da criança.
- Senso direcional ou lateralidade: O labirinto pode ajudar a desenvolver o senso direcional ou lateralidade da criança.
- Senso de organização: O labirinto pode ajudar a desenvolver o senso de organização da criança.
- Autoconfiança: A criança se sente acolhida e adquire autoconfiança ao percorrer o labirinto.

Os labirintos podem ser encontrados em jogos de tabuleiro, em peças tridimensionais ou construídos com argila.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

O Dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção

Se você é educado para saber demais sobre as coisas, há o perigo de ver seu próprio conhecimento ao invés das coisas em si. Argumento aqui que caminhar oferece um modelo de educação alternativo que, ao invés de inculcar o conhecimento dentro das mentes dos alunos, os leva para fora, para o mundo. Eu comparo essas alternativas à diferença entre o dédalo e o labirinto. O dédalo (maze), que coloca uma série de escolhas mas predetermina os movimentos implicados em cada uma delas, põe toda a ênfase nas intenções do viajante. No labirinto (labyrinth), por outro lado, a escolha não está em questão, mas seguir a trilha exige atenção contínua. A educação que segue a linha do labirinto não oferece aos pupilos pontos de partida ou posições, mas constantemente os remove de quaisquer posições que eles possam adotar. É uma
prática de exposição. O tipo de atenção exigida por essa prática se submete às coisas, e está presente no seu aparecimento. “Aparecer as coisas” equivale à sua imaginação, no plano da vida imanente. A vida humana é temporalmente esticada entre a imaginação e a percepção, e a educação, no sentido original do grego scholè, preenche a lacuna entre ambas. Eu concluo que a “pedagogia pobre” implicada num tipo de educação que não tem conteúdos a transmitir, nem métodos para fazê-lo, oferece não obstante uma compreensão do caminho para a verdade.


No seu último livro, At the loch of the green corrie, o poeta Andrew Greig (2010) fala de seu amigo e mentor, Norman MacCaig. Seus olhos e coração eram atraídos por animais, diz Greig, e no entanto ele não sabia muito sobre eles.

Ele era capaz de nomear os pássaros mais comuns, mas não mais que isso. Eu acho que ele não queria saber mais, pois acreditava que conhecer seus nomes científicos, habitat, padrões de alimentação e reprodução, ou estação de muda acabaria obscurecendo a sua realidade. Às vezes, quanto mais você sabe menos você vê. O que você encontra é o seu conhecimento, não a coisa em si. (Greig, 2010, p. 88).

Penso que aqui Greig toca em algo muito profundo, que remete ao cerne do signifi cado e propósito daquilo que chamamos de educação. O conhecimento de fato leva à sabedoria? Ele abre nossos olhos e ouvidos para a verdade daquilo que há no mundo? Ou, pelo contrário, ele nos mantém reféns dentro de um compêndio feito por nós mesmos, como uma casa de espelhos que nos cega para tudo o que esteja além? Nós veríamos mais, experimentaríamos mais, e compreenderíamos mais, se conhecêssemos menos? E seria porque sabemos demais que parecemos tão incapazes de lidar com o que acontece em torno de nós, e de responder com cuidado, bom senso e sensibilidade? Quem é mais sábio: o ornitólogo ou o poeta – quem sabe o nome de cada pássaro, mas já os têm pré-classifi cados na mente; ou quem não conhece nenhum nome, mas olha encantado, admirado e perplexo para tudo o que vê?

Sugiro que essas alternativas correspondem a dois sentidos bem diferentes de educação (sobre essa distinção, cf. Craft, 1984). O primeiro é bastante familiar para nós, que nos sentamos em salas de aula no papel de alunos, ou que nos colocamos à frente da classe para ensinar. Este é o sentido do verbo latim educare: criar, cultivar, inculcar um padrão de conduta aprovado juntamente com o conhecimento que o sustenta. Há contudo uma variante etimológica que relaciona o termo a educere, ou seja, ex (fora) + ducere (levar). Nesse sentido, educar é levar os noviços para o mundo lá fora, ao invés de – como é convencional hoje – inculcar o conhecimento dentro das suas mentes. Signifi ca, literalmente, convidar o aprendiz para dar uma volta lá fora. Que tipo de educação é essa, que se dá durante o caminhar? E o que faz da caminhada uma prática tão eficaz para a educação, concebida nesse segundo sentido?

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Há muitas maneiras de caminhar, e nem todas nos levam para fora. Uma das que não nos leva, e que talvez evoque memórias de infância em alguns, é o que chamamos no Reino Unido de fila do "crocodilo”. Trata-se de um artifício usado por professores para levar a classe de um lugar a outro sem
contratempos. As crianças devem caminhar aos pares, numa linha reta. Se elas prestam atenção em torno delas, é apenas por razões de segurança, para evitar trombar com o tráfego ou com transeuntes. O caminho do crocodilo não é um modo de aprender; o aprendizado ocorre apenas no destino, onde o professor, mais uma vez, se posiciona na frente da sala para dirigir-se aos alunos. Mas quando essas mesmas crianças – acompanhadas por um dos pais ou guardiões, amigos, ou sozinhas – vão da escola para casa e vice-versa, elas caminham de uma maneira bem diferente. Às vezes com pressa, às vezes tranquilamente, saltitando e se arrastando alternadamente, a atenção da criança é capturada – ou, na visão do adulto que a acompanha, distraída – por qualquer coisinha: da dança de luzes e sombras ao voo dos pássaros e latido dos cães, do perfume das flores a poças d’água e folhas caídas, inúmeras pequenezas como caramujos e coquinhos, moedas perdidas e lixinhos reveladores. São essas coisas que fazem da rua um lugar tão interessante para o pequeno detetive que caminha com os olhos fixos no chão (Ingold; Vergunst, 2008, p. 4).

Para a criança a caminho da escola, a rua é um labirinto. Como o escriba, copista ou desenhista cujos olhos ficam na ponta dos dedos, a criança segue, sempre curiosa, seu vai e vem, mas sem uma visão de comando ou vislumbre de um fim. O desafio consiste em não sair da trilha, e para isso ela precisa se manter alerta. Em suas afetuosas lembranças da infância em Berlim durante a virada do século vinte, Walter Benjamin descreveu vividamente o fio de Ariadne que ele seguia no, e em torno do, Tiergarten: suas pontes, canteiros de flores, pedestais de estátuas (que, perto dos olhos, pareciam mais interessantes que as figuras erigidas sobre eles), quiosques escondidos entre os arbustos. Foi lá, diz Benjamin, que ele experimentou pela primeira vez aquilo para o que apenas posteriormente foi encontrar uma palavra. Essa palavra era “amor” (Benjamin, 2006, p. 54).
Mas, quando crescemos, aprendemos a deixar de lado essas tolices de criança. O crocodilo devora o detetive, e a disciplina engole a curiosidade. Para recuperar o que foi perdido, temos que sair da cidade, caminhar pela mata, campos ou montanhas governados por forças ainda não disciplinadas. Para o adulto, nota Benjamin, é necessário algum esforço para voltar a apreender as ruas da cidade com a mesma perspicácia de uma trilha no meio rural. Para obter sucesso – ou seja, retomar o labirinto e se perder nele – “os nomes de ruas devem falar ao andarilho urbano como o estalar de galhos secos, e as pequenas ruas no coração da cidade devem refl etir as horas do dia… tão claramente quanto um vale entre as montanhas”. Trata-se de uma arte, admite Benjamin (2006, p. 53-54), que ele perdeu na infância e só veio retomar no fim da vida.
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Para a maioria de nós, urbanitas disciplinados pela educação, as ruas não são um labirinto. Nós andamos por elas não pelo que revelam ao longo do caminho, mas porque elas nos permitem transitar de um ponto a outro. Ainda podemos nos perder nas ruas, mas essa perda é sentida não como descoberta ao longo de um caminho que não leva a lugar algum, mas como um revés na rota para uma meta predeterminada. Queremos chegar de um lugar ao outro, e somos frustrados por curvas erradas e becos sem saída. Para o consumidor ou trabalhador urbano, portanto, as ruas são menos um labirinto que um dédalo. Tecnicamente falando, o dédalo difere do labirinto por oferecer não um único caminho mas múltiplas escolhas, entre as quais a opção é feita livremente mas que, em sua maioria, levam ao fi m da linha (Kern, 1982, p. 13).Também difere no sentido de que suas avenidas são fl anqueadas por barreiras que obstruem qualquer visão que não seja a do caminho imediatamente à frente. O dédalo, portanto, não nos abre o mundo como faz o labirinto. Pelo contrário: ele o fecha, prendendo seus detentos numa falsa antinomia entre liberdade e necessidade.

Seja sobre ou sob o chão, navegando nas ruas ou no metrô, os pedestres urbanos devem negociar um dédalo de passagens delimitadas por muros ou prédios altos. Uma vez numa via específi ca, eles não têm alternativa senão continuar nela, visto que há paredes em ambos os lados. Mas essas paredes normalmente não são nuas. São, pelo contrário, repletas de propagandas, vitrines e coisas do tipo, que informam os pedestres sobre possíveis caminhos laterais que possam escolher tomar – e que, quando a oportunidade se apresenta, podem satisfazer seus desejos. A cada momento há uma bifurcação, uma decisão que deve ser tomada: ir para a esquerda, para a direita, ou possivelmente seguir em frente. O trajeto em um dédalo pode ser portanto representado como uma sequência estocástica de movimentos pontuada por momentos de decisão, de modo que cada movimento se baseia numa decisão tomada previamente. É, essencialmente, um empreendimento estratégico semelhante a um jogo. Isso não signifi ca negar as manobras táticas que ocorrem quando pedestres e mesmo motoristas se acotovelam para passar pela multidão em uma rua ou metrô lotados. Mas negociar a passagem através da multidão é uma coisa; encontrar seu caminho através de um dédalo é outra bem diferente.
No caminhar pelo labirinto, por outro lado, escolher não é uma questão. O caminho leva, e o caminhante deve ir para onde quer que ele o leve. Mas o caminho nem sempre é fácil de seguir. Como o caçador que persegue um animal ou um andarilho numa trilha, é importante manter os olhos abertos para sinais sutis – pegadas, pilhas de pedras, entalhes nos troncos das árvores – que indiquem o caminho adiante. Esses sinais te mantêm no caminho, e não te convidam a se afastar dele, como fazem as propagandas. O perigo está não em chegar a um beco sem saída, mas em sair da própria trilha. A morte é um desvio, não o fi m da linha. No labirinto, em momento algum se chega bruscamente a um fi m da linha. Não há paredes ou muros bloqueando o movimento para frente. Você está destinado a continuar por um caminho que, em caso de descuido, pode te levar para cada vez mais longe dos vivos, para o convívio com os quais pode nunca mais voltar. No labirinto, é de fato possível fazer uma curva errada, mas não por escolha. Pois naquele momento, você nem notou que o caminho se bifurcava. Você estava sonâmbulo, ou sonhando acordado. Caçadores indígenas frequentemente falam daqueles que, instigados pela presa que estavam perseguindo, adentram o mundo dela, no qual os animais aparecem para eles como humanos. Lá, eles levam suas vidas enquanto são considerados perdidos, presumidamente mortos, pelo seu próprio povo.
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O dédalo coloca toda a ênfase nas intenções do viajante. Ele possui um objetivo em mente, uma destinação projetada ou horizonte de expectativas, uma perspectiva a realizar, e está determinado a alcançá-la. Essa meta mais ampla pode, é claro, se desdobrar em diversos objetivos subsidiários. E também pode ser complicada por todas as outras metas confl itantes que o assediam por todos os lados. As escolhas nunca são simples, e raramente são feitas com base em informação sufi ciente para que não reste uma margem de incerteza considerável. Não obstante, no dédalo, o molde da ação exterior segue o molde do pensamento interior. Quando dizemos que a ação é intencional, queremos dizer que há uma mente trabalhando, operando a partir de dentro do ator, conduzindo-o para um propósito e direção que estão além das leis físicas do movimento. Intenções distinguem os viajantes num dédalo de bolas num jogo de bilhar, que – supõe-se – não fazem ideia de para onde estão indo, e são incapazes de deliberar se desejam ir para uma direção ou outra. No dédalo, a intenção é a causa, e a ação, o efeito.
E não obstante, o viajante intencionado, envolto no espaço de suas próprias deliberações, encontra-se ausente do mundo em si. Ele deve decidir para onde ir, mas, uma vez tendo estabelecido uma trajetória, não precisa mais olhar para onde está indo. No labirinto, por outro lado, aquele que segue o caminho não tem outro objetivo senão continuar, seguir em frente. Mas para fazê-lo, sua ação deve estar acoplada de modo próximo e retido com sua percepção – ou seja, um monitoramento sempre vigilante do caminho, à medida que ele vai se desdobrando. Colocado de forma simples, você tem que prestar atenção onde pisa, e também ouvir e sentir. Em outras palavras, seguir o caminho é menos intencional do que atencional. O andarilho é levado para fora, para a presença do real. Assim como a intenção está para a atenção, a ausência está para a presença, portanto. Esta é também a diferença entre vagar e navegar (Ingold, 2007, p. 15-16). É claro que há uma mente operando no vagar atencional do labirinto, assim como na navegação intencional no dédalo. Mas trata-se de uma mente imanente ao próprio movimento, e não uma fonte originadora à qual esse movimento pode ser atribuído enquanto efeito.
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Entre navegar no dédalo e vagar no labirinto está toda a diferença entre os dois sentidos de educação com os quais comecei este texto: por um lado, a indução (trazer para dentro) do aprendiz às regras e representações, ou aos “mundos intencionais” de uma cultura; por outro, a ex-dução (levar para fora) do aprendiz no próprio mundo, conforme ele se lhe apresenta através da experiência. Decerto, não há nada de novo ou radical em sugerir que o conhecimento é relativo ao seu ambiente cultural. Que cada mundo não é mais que uma visão de mundo, e que essas perspectivas ou interpretações são múltiplas e possivelmente confl itantes, tem sido o ponto de partida da filosofia da educação moderna, e mesmo pós-moderna. Os alunos são familiarizados com a ideia de que o conhecimento consiste em representações, e são sabidos o suficiente para perceber que as representações não devem ser confundidas com as “coisas em si”. Mas como observou o fi lósofo da educação Jan Masschelein, não é aí que está o problema.
O problema está, pelo contrário, no modo como um mundo que só pode ser conhecido através das representações que fazemos dele, de uma pletora de imagens, nos escapa no decorrer do próprio movimento através do qual tentamos retê-lo diante de nós. Nosso esforço de capturar as coisas sempre nos deixa de mãos abanando, se agarrando inutilmente a refl exos. Não podemos mais nos abrir para o mundo, e nem ele para nós. “Como”, pergunta Masschelein (2010b, p. 276), “podemos transformar o mundo em algo ‘real’; como podemos tornar o mundo ‘presente’, nos oferecer novamente o real e descartar os escudos ou espelhos que parecem nos trancar cada vez mais em autorrefl exões e interpretações, em voltas sem fi m a ‘pontos de vista’, ‘perspectivas’ e ‘opiniões’”? Como, em suma, podemos escapar do dédalo? A resposta de Masschelein é, um tanto literalmente, “através da exposição”. E é precisamente isso que visa a educação no sentido de ex-dução – ou seja, caminhar pelo labirinto.
Nesse sentido, a educação não tem nada a ver com objetivos rotineiros tais como “obter uma distância crítica” ou “assumir uma perspectiva” sobre as coisas. Não se trata de chegar num ponto de vista. No labirinto, não há ponto de chegada, não há destino fi nal, pois cada ponto já se encontra no caminho para algum outro. Longe de assumir um ponto de vista ou perspectiva a partir dessa ou daquela posição, o ato de caminhar continuamente nos remove longe de qualquer ponto de vista – de qualquer posição que possamos adotar. “Caminhar”, explica Masschelein (2010b, p. 278), “é colocar em questão essa posição; trata-se de ex-posição, de estar fora-de-posição”. É isso que ele entende por exposição. Não é que a exposição nos ofereça uma perspectiva ou conjunto de perspectivas diferentes; por exemplo, quando estamos no nível do solo, que difere do que obtemos quando estamos mais no alto, ou no próprio ar. Na verdade, ela não revela o mundo a partir de nenhuma perspectiva. A atenção do caminhante vem não da chegada a uma posição, mas de ser constantemente apartado dela, do próprio deslocamento.
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À primeira vista, essa conclusão parece notavelmente próxima à que chegou o psicólogo James Gibson (1979). Pioneiro na abordagem ecológica para a percepção visual, Gibson havia proposto que não percebemos o que nos cerca a partir de uma série de pontos fi xos; tampouco, argumentou ele, é tarefa da mente compor, na memória, as perspectivas parciais obtidas a partir de cada ponto num quadro compreensivo do todo. Pelo contrário, a percepção procede através do que ele chamou de caminho da observação. À medida que o observador segue seu caminho, o padrão de luz que chega aos seus olhos a partir das superfícies refl etoras presentes no ambiente sofre modulação contínua; e a partir das invariantes subjacentes dessa modulação, as coisas se nos revelam pelo que elas são. Ou mais precisamente, elas revelam aquilo que propiciam (afford), na medida em que ajudam ou atrapalham o observador na sua jornada, ou na realização de uma certa linha de atividade. Segundo Gibson, quanto mais experientes nos tornamos em andar por esses caminhos de observação, mais capazes nos tornamos de notar e responder fl uentemente aos aspectos salientes do nosso ambiente. Ou seja, nos submetemos a uma “educação da atenção” (Gibson, 1979, p. 254; ver também Ingold, 2001).
Não obstante a semelhança superfi cial, a educação para a qual o andarilho se abre através da exposição, segundo Masschelein, é o inverso do que Gibson tinha em mente. Não se trata de tomar, e reverter em sua vantagem, as propiciações (affordances) de um mundo que já está lá. Lembremos que o verbo francês attendre signifi ca “esperar”, e que, mesmo em inglês, atender (attend) a coisas ou pessoas carrega uma conotação de cuidar delas, servi-las, e acompanhar o que estão fazendo. Nesse sentido, a atenção acompanha um mundo que não está pronto, que é sempre incipiente, que se encontra no limiar da emergência contínua. Em suma, enquanto para Gibson o mundo espera (waits for) pelo observador, para Masschelein o caminhante atende (waits upon) ao mundo. À medida que o caminho acena, o andarilho se submete, e fi ca à mercê daquilo que acontece. Caminhar, diz Masschelein (2010a, p. 46), é ser comandado por aquilo que ainda não está dado, mas está a caminho de sê-lo.

O filósofo Henri Bortoft, em sua defesa dos princípios da ciência goethiana, avança um argumento semelhante através de uma inversão engenhosa da expressão “ela aparece”. Na ordem convencional e gramaticalmente correta das palavras, “ela” vem antes de “aparece”: a coisa existe antes de sua revelação, pronta e esperando para ser percebida pelo observador que se move, cuja atenção é afi nada com aquilo que ele propicia. Ao caminhar no labirinto, contudo, a atenção se desloca a montante, para o “aparecimento daquilo que aparece”. O andarilho espera, acompanha a emergência “dele”. O aparecer de uma coisa equivale à sua emergência, e testemunhar esse aparecimento é comparecer ao seu nascimento. Dizer “aparece ela”, comenta Bortoft (2012, p. 95-96), “pode ser uma gramática ruim, mas soa melhor fi losoficamente”, uma vez que contorna a quimera que nos levaria a supor que as coisas existem antes dos processos que as fazem emergir.
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Aparecer coisas, eu sugiro, equivale a imaginá-las. Imaginar algo é aparecê-lo, assistir na sua gestação e comparecer ao seu nascimento. Portanto, o poder da imaginação está não na representação mental, tampouco numa capacidade de construir imagens antes da sua realização material. Imaginar é um movimento de abertura e não de fechamento; produz não fi ns mas começos. Como dizemos coloquialmente, a propensão da imaginação é para vagar, buscar um caminho à frente, e não seguir uma sequência de passos rumo a um fim preestabelecido. Nesse sentido, a imaginação é o impulso generativo de uma vida que é perpetuamente impelida pela esperança, promessa e expectativa da sua continuação. Nessa vida, como afi rma o fi lósofo Gilles Deleuze (2001, p. 31), não há reais, apenas virtuais – as coisas encontram-se a caminho de serem atualizadas, ou dadas. Essa vida não pode ser encontrada num registro de realizações, e tampouco pode ser reconstruída como um curriculum vitae, através do arrolamento de certos marcos fi xados ao longo de uma rota já percorrida. Ela passa pelos marcos como um rio entre as margens, se afastando deles à medida que vai fl uindo. É isso que Deleuze (2001, p. 28) quer dizer quando fala de uma vida (ao invés de a vida), que se desdobra naquilo que ele chama de “plano de imanência”. Diante do que foi dito até agora, já deve estar claro que esse plano – de virtualidade, do aparecer daquilo que aparece – é também o plano do labirinto. A vida imanente é, em uma palavra, labiríntica.

Para explicar o que ele quer dizer, Deleuze dá como exemplo um episódio tirado de um romance de Charles Dickens, Our mutual friend. Um certo Sr. Riderhood, homem desagradável e de má reputação, havia sido resgatado por transeuntes após sofrer um acidente no rio Tâmisa. Seu barco a remo tinha sido virado por um barco a vapor. Depois de quase se afogar, ele é carregado para uma casa próxima, para onde um médico é chamado. Enquanto sua vida se equilibra na balança, as investigações pouco conclusivas do médico são recebidas por seus bravos salvadores e pela dona da casa com uma mistura de temor e reverência silenciosa. Eventualmente, contudo, o paciente se recupera, e à medida que ganha consciência o feitiço é desfeito. De volta a seu “eu” mal-humorado e grosseiro de sempre, o Sr. Riderhood repreende e ralha com todo o grupo, que àquela altura também incluía sua fi lha. Seus salvadores de outrora imediatamente recuam – seu respeito pela vida é eclipsado por seu desprezo por esse espécime particular dela. Nem neste mundo nem no outro, nota Dickens sardonicamente, Riderhood despertaria a compaixão de ninguém; “mas uma alma humana agonizante entre os dois pode fazê-lo facilmente” (Dickens, 1963, p. 444).

Como a estória de Dickens revela, o plano de imanência encontra-se precariamente suspenso entre as particularidades biográfi cas da vida e da morte, ou da consciência e do coma: uma suspensão em que essas particularidades – as decisões tomadas, trajetórias assumidas, fi ns alcançados, crimes cometidos – são dissolvidas ou colocadas entre parênteses. Passa-se o mesmo, como já vimos, nas estórias dos caçadores indígenas que, durante a perseguição da presa, também se encontram numa zona de incerteza existencial onde a balança da vida e da morte, entre caçador e presa, pode pender para qualquer um dos lados (Willerslev, 2007). Assim, andar pelo labirinto é como caminhar sobre teias de aranha, onde o próprio chão é um véu. Como a aranha, nos seguramos nela. Não que a vida, concebida desse modo, se restrinja a situações críticas. Como Deleuze (2001, p. 29, grifo do autor) não deixa de notar, “uma vida está em todo lugar, em todos os momentos por quais passa um determinado sujeito vivo”. Qual é portanto a relação entre os momentos virtuais da vida imanente, vivida por entre os caminhos do labirinto, e os momentos atuais, marcados por pontos de decisão no dédalo? Pois afi nal, não temos todos, a todo momento, um pé em ambos ao mesmo tempo?
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Parece-nos que o movimento de uma vida humana – talvez em contraste com as vidas de animais não humanos – seja temporalmente alongado. Sempre estamos, por assim dizer, constitucionalmente à frente de nós mesmos. A montante, concomitantemente com o aparecimento de coisas, está a imaginação, e vindo atrás está nossa apreensão perceptual de um mundo que já se encontra estabelecido, e no qual as coisas estão lá para aparecer. É por isso que em cada empreendimento e a cada momento estamos a um tempo totalmente preparados e completamente despreparados para o que vem à frente. Então, o que é que vai na frente, e o que é que segue? A resposta usual é dizer que, enquanto seres intencionais – ou seja, agentes – os humanos deliberamos antes de agir. Isso signifi ca, é claro, situá-los sobretudo no dédalo. Aí, a mente comanda e o corpo se submete mais ou menos mecanicamente às suas ordens. Nessa explicação intencionalista, o controle é cognitivo: se os humanos conduzem suas vidas, e não simplesmente as vivem, isso é produto da sua capacidade de conceber os planos antes da sua execução, algo de que os animais – ao menos para uma ciência da mente construída com base em princípios cartesianos – são considerados incapazes.
Priorizar o labirinto, contudo, signifi ca inverter essa relação temporal entre domínio e submissão. Aqui, a submissão conduz e o controle a segue. Ao invés de uma mente dominante que já conhece sua vontade conduzindo um corpo subserviente, na frente vai uma imaginação que sente o caminho adiante, tentando passar por um mundo ainda não formado, trazendo a reboque uma percepção já educada nos modos do mundo e habilidosa na observação e reação às suas propiciações. Uma vida que é conduzida se situa portanto na tensão entre submissão e domínio, imaginação e percepção, a vida que vivemos e as coisas que fazemos. A vida não é subserviente à agência, mas a agência é subserviente à vida. E essa lacuna entre as duas, entre o virtual e o atual – a distensão temporal na qual a imaginação sempre se adianta à percepção – não é mais, nem menos, que a escola, no seu signifi cado original (do grego scholè) de tempo livre.
Com isso, voltamos ao tema da educação, e à fi losofi a de Masschelein. “Educação”, argumenta ele, “é fazer ‘escola’ no sentido de scholè”. E enquanto arquiteto da scholè, o educador ou professor “é aquele que des-fi naliza, que desfaz a apropriação e a destinação do tempo” (Masschelein, 2011, p. 530). Ele ou ela é menos um guardião de fi ns do que um catalizador de começos, cuja tarefa é destravar a imaginação e lhe propiciar a liberdade de vagar sem um fim ou destino.

Não devemos, é claro, confundir escola nesse sentido com a instituição familiar às sociedades ocidentais conhecida pelo mesmo nome. Pois em sua história institucional, a escola tem se dedicado a conter a imaginação, a convertê-la numa capacidade de representar fi ns antes da sua consecução. O propósito da instituição tem sido, em larga medida, destinar o tempo, e não des-destiná-lo; completar a inculcação do conhecimento nas mentes dos alunos, e não desembaraçá-lo (Masschelein, 2011, p. 531). Tem sido afirmar a primazia do dédalo ante o labirinto, do controle ante a submissão. Desse modo, a instituição da escola e o tempo livre da scholè se comprometem, respectivamente, com os imperativos opostos de educare e educere: trazer para dentro e conduzir para fora, inculcação e exposição, intenção e atenção. O que a primeira apropria, a segunda coloca em suspenso. Ela introduz um adiamento na atividade direcionada para um fi m. Nesse plano de imanência, onde nada é mais o que era ou o que ainda virá a ser, tudo está, por assim dizer, em jogo. Inacabado, livre de fi ns e objetivos, comum a todos – o mundo se faz mais uma vez presente. Ele nos toca, para que nós – conjuntamente expostos ao seu toque (Masschelein, 2011, p. 533) – possamos viver com ele, em sua companhia. Em uma palavra, nós podemos corresponder com ele.
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Mas se scholè é o momento de sermos expostos todos juntos, é também o momento da tradição. Os andarilhos no labirinto – com os jovens aborígenes australianos que seguem as trilhas dos seus ancestrais na Hora do Sonho, onde o mundo era incipiente – refazem os passos de seus predecessores, tornando--se quem um dia foram. Todo imaginar é, nesse sentido, relembrar. Com os sábios nos monastérios da Europa medieval, passava-se algo muito parecido. Copiar um texto litúrgico com pena e tinta, ou lê-lo refazendo o traçado das letras com os dedos enquanto murmuravam-se os sons correspondentes, era seguir uma tradição no sentido original de traditio. Derivado do latim tradere (“entregar”, “passar adiante”), tradição signifi cava algo muito diferente naquela época. Tratava-se menos de um corpo de conhecimento a ser passado de geração a geração do que de uma performance através da qual, ao modo de um retransmissor, era possível seguir em frente. Toda estória nas escrituras, como toda trilha numa paisagem, deitava um caminho ao longo do qual esse movimento podia prosseguir, e cada trilha – cada estória – levava o leitor até certo ponto, antes de passar para o seguinte (Ingold, 2013a, p. 741).

Seja caminhando por uma trilha ou copiando um texto, o pedestre ou escriba se submete a uma linha que sempre o tira de posição. Não tendo uma meta, um fim em vista, sempre esperando, sempre presente, exposto e não obstante impressionado pelo mundo através do qual ele vaga, ele não tem nada a aprender nem nada a ensinar. Seu itinerário é um modo de vida, mas é um modo sem conteúdo a transmitir. Não há corpo de conhecimento a ser passado adiante. E porque não há nada a ser passado adiante, não há métodos para fazê-lo. Assim, entre a defi nição convencional de educação enquanto inculcação de conhecimento e o sentido de educação que exploramos aqui – conduzir para fora, para o mundo – está a diferença entre a metodologia rica e o que Masschelein (2010a, p. 49) chamou de “metodologia pobre”.
Ao ser empregada, a noção de metodologia transforma meios em fi ns, divorciando o conhecimento-enquanto-conteúdo dos modos através dos quais se conhece, e assim impondo um fechamento que é a própria antítese da abertura para o presente que a pedagogia pobre oferece. Se uma metodologia rica nos oferece conhecimento pronto, a pedagogia pobre abre nossas mentes para a sabedoria da experiência. Uma pertence à instituição da escola, e a outra, ao tempo da scholè; uma ao dédalo, a outra, ao labirinto. É a lógica do dédalo na opinião contemporânea que reduziu a cópia ao plágio, à usurpação ilegítima da agência de outrem, como se não houvesse nada mais no ato de escrever do que a escolha das palavras e sua execução mecânica. E a mesma lógica, se aplicada ao ato de caminhar, converte a perambulação exploratória da criança a caminho da escola numa disciplinada marcha de crocodilo que liga um ponto de partida até um destino preestabelecido. Na ponta do crocodilo, a professora se volta para encarar seus alunos, e, olhando para trás, articula uma perspectiva partindo do seu ponto de vista fi nal. Talvez antes mesmo de começar, ela já tenha lhes mostrado uma representação, em palavras e imagens, do que deveriam esperar. Esta é, com efeito, uma metodologia rica.

Trata-se contudo de uma metodologia que impõe um bloqueio ao movimento. Cara a cara, não há como seguir em frente. O conhecimento pula de cabeça em cabeça, mas as próprias cabeças – e os corpos aos quais elas pertencem – estão fi xas no lugar. Caminhar não é encarar e ser interpelado por aqueles que estão na frente, mas seguir aqueles que nos dão as costas. Copiar é parecido: participar através de movimentos de caneta, e não refletir ou assumir uma posição frente a um trabalho completo. O andarilho no labirinto, que se submete ao mundo e responde aos seus acenos, seguindo por onde outros já estiveram, pode seguir adiante, sem começo ou fim, abrindo caminho no fl uxo das coisas. Ele está, como diria Masschelein, verdadeiramente presente no presente. O preço dessa presença é a vulnerabilidade, mas a recompensa é uma compreensão, fundada na experiência imediata, daquilo que está além do conhecimento. É um entendimento a caminho da verdade. É como diz Greig do poeta: conhecendo pouco sobre o mundo, ele vê as coisas elas mesmas.