Não há como negar que a humanidade possui limites para a expansão
de suas atividades: os limites do próprio planeta e a natureza permanece a
ser interpretada como recurso e o homem como sujeito – do mundo social –
diante do objeto a ser explorado, a natureza, integrante do mundo natural.
Não há como negar também que a sucessiva ocorrência de impactos ambientais decorrentes da ação humana frequentemente provoca a irreversibilidade
de certas situações de degradação e a manifestação de seus efeitos em longo
prazo. Isto posto, a qualidade de vida das gerações que ainda estão por vir
termina por ser afetada, despertando temor e inquietação social, incorrendo
na exigência de mecanismos de efetivação do direito ao meio ambiente a
partir da presença do Estado. Em contrapartida, a dogmática ainda encontra
dificuldades em operar com direitos que possuem como titular o gênero humano, utilizando, em certa medida, a solidariedade como um princípio legitimador de restrições impostas.
Nesse sentido, questiona-se: a solidariedade, como fundamento da
preservação ambiental, justifica a imposição de limites aos sujeitos existentes
frente aos sujeitos não-nascidos, por meio da exigência de uma postura de
prevenção, em nome da promoção do direito ao meio ambiente?
Diante de tal questionamento, apresenta-se como uma das hipóteses, a
solidariedade na qualidade de vínculo limitador entre gerações. Trata-se de
uma problemática específica do direito ao meio ambiente em razão da necessidade deste, quando promovido, exercer um controle social diante de atos
praticados por sujeitos já existentes, mas em nome de sujeitos ainda não
existentes. Para tanto, a justificativa seria a precaução de danos ambientais e
o direito que possuem as futuras gerações de desfrutarem de um meio ambiente equilibrado e sadio.
Entretanto, a presente problematização opera por meio de algumas
variáveis: o projeto de libertação, lançado na modernidade, teria provocado a
construção de paradigmas que não comportam a promoção do direito ao
meio ambiente pautado no ideal da solidariedade. Por outro lado, a elaboração da precaução como regra ambiental internacionalmente reconhecida,
indica a tendência a instituir a solidariedade como um fundamento para a
imposição de limites aos atos humanos potencialmente degradadores.
Todavia, a eficácia da solidariedade como fundamento, passa a ser
questionável a partir do momento em que os sujeitos sofrerão limites hoje
em nome de sujeitos que ainda não existem. Portanto, diante da incapacidade de representação, as futuras gerações dependem da postura solidária da
geração presente. Ou seja, os sujeitos de hoje precisariam reconhecer a solidariedade como um vínculo limitador, o que encontra restrições nos paradigmas dominantes no direito.
MEIO AMBIENTE: SOLIDARIEDADE, SUSTENTABILIDADE E PRECAUÇÃO
Quando os problemas ambientais passam a ser vistos não apenas na
qualidade de resultado inevitável do crescimento técnico e científico e a natureza tem a sua condição de fragilidade reconhecida, a proposta de uma
política de proteção ambiental ganha espaço.
Mais que um estudo científico da situação, a referida política precisaria
apelar para ética e para o Direito, ou seja, para uma teoria geral de normas
morais e jurídicas capaz de conduzir nossas ações por meio de um modelo
reflexivo que reconheça os vínculos entre o risco e o futuro. Uma proposta
diacrônica.
O referido reconhecimento dos efeitos futuros do risco parte da aceitação de que a representação do futuro até então adotada, cujo controle se
dava por meio de condições razoáveis de previsibilidade, mostra-se insuficiente para o estado atual. “Nas sociedades contemporâneas, não há mais condições de representá-lo – o futuro - com certeza e segurança. Qualquer esforço nesse sentido seria dedutível em termos de uma descrição apenas simplificada de uma provável ou possível sociedade”.
Além de uma gestão racional dos recursos naturais, a noção de sustentabilidade impõe refletir sobre o legado a ser transmitido às gerações futuras.
Este não se limitaria a um patrimônio natural de qualidade, mas, principalmente, permitir a possibilidade de escolha das gerações futuras, ou seja, a
não criação de situações irreversíveis.
Além da preocupação em garantir as escolhas futuras, parece necessário superar o paradigma moderno sujeito-objeto, introduzindo uma concepção dialética homem-natureza4 de modo que o domínio e a exploração de um
sobre o outro seja substituído por uma lógica sustentável e, assim, o acesso
equitativo aos recursos seja garantido para o futuro.
A doutrina nacional menciona o princípio da equidade intergeracional, cujo conteúdo prevê que o homem teria o dever e a responsabilidade para com
o futuro, ressaltando sua vinculação com o princípio da precaução, tendo em
vista que este último seria um instrumento de projeção temporal no que
concerne às variáveis envolvidas nas atividades potencialmente degradadoras.
A proposta de equidade reforçaria, assim, a promoção de uma ética da
alteridade intergeracional, revelando a impossibilidade jurídica de avaliar a
transcendência das dimensões não apenas do espaço, mas também do tempo
– no que diz respeito ao sujeito transgeracional ao meio ambiente – a partir
de critérios exclusivamente normativos.
Destaca-se, ainda, que a referida equidade intergeracional estaria fundamentada por três princípios: o princípio da conservação de opções, segundo o
qual cada geração deve prezar pela conservação de recursos naturais e culturais, permitindo que as gerações futuras tenham condições de avaliar a solução de seus problemas e a satisfação de suas necessidades; o princípio da conservação da qualidade que, garantiria o direito das gerações futuras de usufruir
de uma qualidade do planeta proporcional à qualidade usufruída pelas gerações anteriores e por fim o princípio da conservação do acesso. Neste último,
cada geração teria por obrigação permitir que seus membros tenham o direito ao acesso ao legado das gerações passadas bem como a obrigação de preservar o acesso para as gerações futuras.
Assim, diante de uma lógica da durabilidade e equidade, produzir
uma mudança de comportamento representa uma tentativa de organizar o
porvir, de encontrar elementos de controle das consequências futuras dos
atos humanos presentes. Exige-se assim, o compromisso em evitar as consequências tidas como negativas, principalmente aquelas que corresponderiam
aos efeitos tidos como irreversíveis.
O bem-estar das gerações presentes e futuras não deve ser atingido
pelas inconsequências científicas e políticas. Cria-se uma “lei-limite da natureza diante da autonomização da lei estrutural do valor”. Defende-se uma
relação indissociável entre a satisfação das necessidades econômicas e sociais
e a proteção do meio ambiente.
Assim, as propostas do ecodesenvolvimento surgem num momento
em que havia a tendência em planificar o desenvolvimento por meio das
teorias da dependência, do intercâmbio desigual e da acumulação interna de
capital, fazendo com que a pretensão de flexibilizar a planificação e proporcionar uma lógica que admitisse uma dimensão ambiental, não passasse de
mera pretensão.
O discurso propunha que, por meio da teoria de sistemas, fosse reintegrado ao sistema econômico tanto um conjunto de variáveis, que incluiria
crescimento populacional e mudança tecnológica, como também, condições
ambientais, a exemplo de processos ecológicos e degradação ambiental.
O ecodesenvolvimento não conseguiu construir um novo paradigma
produtivo, tendo sofrido um deslocamento de propostas para o discurso do
desenvolvimento sustentável. Esse adquiriu maior representação na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada em 1992 no Rio de Janeiro, contribuindo também para o fortalecimento do discurso da precaução e para própria construção da precaução enquanto princípio do direito ambiental.
Convém aqui ressaltar que não se pretende realizar um estudo aprofundado acerca da teoria do desenvolvimento sustentável, nem tão pouco
enfrentar o debate sobre a capacidade ou não da referida teoria de desconstruir o paradigma econômico moderno e limitar de forma eficaz os novos
paradigmas econômicos assumidos pela sociedade contemporânea. Ou seja,
identificar o desenvolvimento sustentável como um instrumento hábil ou
não a promover o reconhecimento das ameaças e contingências da chamada
segunda modernidade.
O objetivo é demonstrar como as ideais de crise ambiental, risco e sustentabilidade estão relacionadas e que terminaram por contribuir para a formação da teoria acerca da precaução. Essa, sim, será aqui considerada enquanto instrumento a serviço do Direito para a construção de uma nova dimensão de responsabilidade a partir de uma concepção de solidariedade e
ética ambiental não recíproca.
O problema ora apresentado analisa o direito ao meio ambiente partindo do segundo pós-guerra como marco histórico, momento em que as
discussões voltam-se para a solidariedade e fraternidade entre os povos.
Ressalta-se que, nesse momento, alguns direitos sofrem uma relevante alteração estrutural: o sujeito de direito deixa de ser individual tornando-se difuso, assim, seu destinatário passa a ser o gênero humano, motivo pelo qual
sua proteção deixa de ser responsabilidade das Nações em separado e passa
a exigir uma perspectiva internacional de proteção.
Essa perspectiva humanitária dos direitos fundamentados no ideal de
solidariedade, propiciou a consagração internacional do direito ao meio ambiente por meio de tratados e acordos entre nações soberanas, tendo em vista
que o esforço necessário para a preservação ambiental passa a ser global e
não mais isolado. Deve-se levar em conta também, a impossibilidade de se
tratar a natureza de forma fracionada, pois a noção integrada do meio ambiente é extremamente necessária para sua preservação.
A exigência de cooperação internacional e de superação da tradição
individual-subjetivista, por meio do reconhecimento de direitos cuja titularidade não é individual, reflete a necessidade do direito assumir uma nova
postura que o permita trabalhar com direitos transindividuais. Eis o momento em que a solidariedade assume seu papel de fundamento do direito
humano ao meio ambiente, assim como sua função limitadora entre as gerações.
Destaca-se, também, diante dos atos internacionais de manifestação
em nome da preservação ambiental, o princípio da precaução. Integrante do
direito alemão desde os anos setenta, possui o intuito de proteger o meio
ambiente do risco de perigos ambientais, impondo o controle da previsão
dos riscos. Sendo assim, com sua consagração internacional como instrumento norteador de preservação e defesa de uma qualidade de vida global, a
precaução assume um caráter geral, constituindo um princípio representante
de um valor comunitário que é o meio ambiente.
A exigência de uma postura precaucional justifica-se na dificuldade
em restituir ao estado anterior algumas situações decorrentes de danos ambientais. Assim, o interesse maior é a realização de todos os atos capazes de evitar a ocorrência da degradação ambiental. Esta por sua vez deve ser evitada em razão do direito ao meio ambiente equilibrado, cuja titularidade é
difusa, incluindo as gerações futuras.
Dessa forma, a partir do momento em que o princípio da precaução
impõe que todas as medidas preventivas devem ser tomadas mesmo diante
da incerteza do dano ambiental e que seja observada a obrigatoriedade do controle
do risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, fica demonstrado o
intuito de limitação presente no referido princípio cuja motivação seria a
exigência de uma postura solidária para com as futuras gerações. Diante das
limitações estabelecidas pelo princípio da precaução, passa, então, a ser necessária a análise da solidariedade enquanto fundamento das restrições impostas aos sujeitos de direitos de hoje em nome da prevenção de danos que
promoverá o bem estar destes, assim como, dos sujeitos de amanhã.
SOLIDARIEDADE E NÃO-RECIPROCIDADE
Apesar da inquestionável necessidade de exigirem-se medidas preventivas para a promoção da proteção ambiental e, consequentemente, para a
consagração do direito ao meio ambiente, torna-se também necessário analisar como a solidariedade vem desempenhando seu papel de fundamentar a
precaução ambiental por meio de limites impostos aos atos humanos. Isso
porque o direito ao meio ambiente possui como peculiaridade o fato de operar com a humanidade enquanto sujeito, entretanto, uma versão infinita de
humanidade, pois se volta para gerações ainda não existentes.
Para tanto, é preciso reconhecer que as propostas de solidariedade até
então apresentadas e conhecidas pelo direito, atuam numa perspectiva de
fraternidade entre sujeitos conhecidos, ou seja, partem da ideia de reciprocidade,
o que na hipótese de limitar a geração presente em nome das futuras não
parece eficaz, tendo em vista que os sujeitos de hoje não gozarão dos benefícios oferecidos pela contrapartida das gerações futuras.
O ideal de solidariedade foi construído partindo do pressuposto que,
vivendo em sociedade, os homens precisam ser solidários entre si, seja em
razão de necessidades comuns ou pela necessidade de trocar experiências em
decorrência de possuírem diferentes aptidões. Posteriormente, discussões
acerca do pluralismo, adotadas pelo discurso pós-moderno, no qual se confundem ideias como diversidade e fragmentação, lançam o objetivo de respeitar a heterogeneidade na medida em que assumem a tolerância como um meio de propor uma nova textura do que se entende por coletivo, comunidade e, também, o que se pretende por solidariedade.
Mais uma vez a proposta solidária envolve a necessidade de reconhecimento, ou seja, o homem assume ser solidário frente àqueles que, de certa
forma, participam do seu grupo ou propõem a necessidade de incluir o que
se costuma chamar de outro a partir da defesa de um contexto de tolerância e
aceitação, permitindo, assim, a solidariedade entre sujeitos. Entretanto, ambas as situações envolvem sujeitos que existem e que, portanto, propõem-se a
serem solidários porque dividem semelhanças ou se propõem a aceitar as
dessemelhanças alheias.
Numa perspectiva mais pragmática, o dever de ser solidário para com
os outros em razão de sermos humanos, reflete a tentativa de alargar o que se
entende por nós. Entretanto, é provável que a humanidade ainda não tenha
reconhecido/aceitado a necessidade, ou até mesmo o dever moral, de ser
solidária para com aqueles que não promovem benefícios diretos, sejam eles
sujeitos existentes ou ainda não existentes. Torna-se, assim, necessária uma
transição paradigmática.
Ressalta-se que todo ato moral pressupõe um exercício de escolha entre vários atos possíveis. Consequentemente, as posturas morais assumidas
decorrem de preferências que, por sua vez, ocorrem a partir da análise das
possíveis consequências. Assim, opta-se por uma determinada conduta moral
em razão de preferir suas consequências às das outras opções.
A análise prévia acerca dos efeitos decorrentes das escolhas morais deveria levar em consideração a observação dos valores envolvidos. Dessa forma, a opção eleita pressuporia a escolha mais valiosa ou dotada de um comportamento mais digno. Nesse sentido, ao se tratar de proteção ambiental,
fazer da solidariedade um fundamento para a imposição de um vínculo limitador entre gerações, coloca como condição de possibilidade a capacidade
humana de se permitir limitações em nome do bem estar alheio. Ou seja,
identificar a limitação sofrida como a escolha moral mais valiosa e aceitá-la.
Essa parece ser uma problemática a ser enfrentada pelo direito humano ao
meio ambiente.
Nesse sentido, a análise aqui proposta justifica-se na medida em que a
aplicação da solidariedade como um vínculo entre gerações, promotor de
limites em nome da prevenção, provoca alguns questionamentos: a solidariedade justifica a limitação imposta pelo direito em defesa de interesses de
sujeitos ainda não existentes, carentes, portanto, de representação? É necessário proceder a uma releitura da ética tradicional que se preocupou com as
circunstâncias morais dos atos humanos e, portanto, a observância dos direitos dos sujeitos próximos e contemporâneos? O ideal moderno de tecnologia nos fez precisar de uma ética concentrada não apenas nos sujeitos isolados, mas sim de uma projeção para o futuro, acompanhada de uma consciência prévia?
Com o reconhecimento pela Constituição brasileira de que as futuras
gerações são titulares do direito ao meio ambiente, rompe-se o paradigma do
sujeito determinado e constrói-se a possibilidade de um direito ter como
titular um sujeito que hoje não é determinado e que também é indeterminável, na medida em que opera ao mesmo tempo com as gerações presentes e
com as gerações futuras.
Destaca-se também que o pós-guerra trouxe a consagração do direito
ao meio ambiente como um direito de ordem transnacional - a necessidade
da cooperação internacional em nome da defesa ambiental. Provocou-se,
assim, a identificação da solidariedade entre os povos como fundamento do
referido direito, o que despertou a possibilidade de que a exigência de uma
postura solidária decorra, também, da necessidade de preservar o meio ambiente para as futuras gerações.
Além disso, a solidariedade ambiental trouxe consigo a discussão sobre
a necessidade de uma mudança de perspectiva que possa introduzir na rede
de decisões uma sistemática de antecipação das consequências capaz de
substituir a tendência de um comportamento de estado de urgência. Ou seja,
que o comportamento tendente a cristalizar o provisório como permanente
possa ser substituído por uma noção ampliada de futuro.
SOLIDARIEDADE COMO LIMITE INTERGERACIONAL
A degradação ambiental foi analisada por Boaventura de Sousa Santos
como um dos problemas fundamentais que envolve diferentes espaçostempo. Na ocasião, o autor indicou que a agressão ao meio ambiente talvez
represente o mais intrinsecamente transnacional dos problemas mundiais e
que, a depender de como for tratado, poderá provocar tanto um conflito global, como poderá também, ser a base para a promoção da solidariedade
em nível transnacional e intergeracional.
Tais considerações apresentam bem a problemática a ser enfrentada
pela hipótese aqui proposta. Isso porque, com a consagração do direito ao
meio ambiente como um direito de ordem transnacional e intergeracional,
conforme acima ressaltado, surge a necessidade da cooperação internacional
em nome da defesa ambiental, provocando a identificação da solidariedade
entre os povos. Além disso, a exigência de uma postura solidária decorre,
também, da necessidade de preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Afirma inda o autor que, o mundo tem se deparado com problemas
globais, ou seja, problemas que exigem soluções globais, marcadas pela solidariedade entre as gerações.
Nesse contexto de integração, a precaução foi erigida à categoria de
princípio-regra internacional em defesa do meio ambiente, passando a exigir
o cumprimento de todas as medidas possíveis para a prevenção de danos
ambientais. O fundamento de tal exigência mais uma vez será a solidariedade humana, tanto para com a geração presente como para com as gerações
vindouras. Sendo assim, a solidariedade passa a exercer o papel de instrumento de limitação, estabelecendo um vínculo entre gerações, e provocando
inclusive, uma forma de controle social.
Assim, considerando a hipótese de que a solidariedade enquanto fundamento para a imposição de limites aos atos humanos em defesa do patrimônio ambiental atua como instrumento de controle social, cabe resgatar,
como referência histórica, os conceitos de solidariedade mecânica e orgânica
apresentados por Durkheim.
Em sua obra Da divisão do trabalho social, o autor apresenta como problema a ser analisado o fato de que a divisão do trabalho passou a ser considerada a “lei superior das sociedades humanas e a condição do progresso”.
Ressalta, porém, que há em nós duas consciências: uma dotada de estados
pessoais e outra dotada de estados comuns a toda a sociedade. A primeira,
condutora da personalidade individual, e a segunda, do tipo coletivo, ou
seja, da sociedade. Dessa forma, afirma existir uma solidariedade nascida das semelhanças entre essas duas consciências, que provoca a vinculação do indivíduo à sociedade.
Eis o conceito de solidariedade mecânica ou por semelhança: em razão
da não diferenciação entre os indivíduos, a sociedade, sendo formada por
sentimentos, valores e crenças comuns, goza de coerência. Em contrapartida, a solidariedade orgânica, provocada pela divisão do trabalho, provém da
diferenciação entre os indivíduos. Ou seja, não há semelhança, havendo,
portanto, espaço para o sentimento de diferença, o que termina por provocar
o enfraquecimento da consciência coletiva. “A individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade torna-se mais capaz de
se mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos
tem mais movimentos próprios”.
Numa outra proposta de solidariedade, partindo de uma visão pragmática, Richard Rorty apresenta a necessidade, diante de horrores como os
ocorridos durante a segunda guerra mundial, de buscar algo que se afaste
das instituições. “E que poderá haver, a não ser a solidariedade humana, o
nosso reconhecimento da humanidade de outrem que nos é comum?”.
Entretanto, o autor parte da ideia de reconhecimento para defender que o sentimento de solidariedade ocorre quando identificamos o outro como um de
nós, onde o nós não representa a humanidade, e sim um determinado grupo
ou segmento. Assim, afirma Rorty, que “o nosso sentido da solidariedade é
mais forte quando se pensa naqueles relativamente aos quais se exprime
solidariedade como se fosse ‘um de nós’, em que ‘nós’ significa algo de mais
pequeno e mais local do que a raça humana”. Defende ele a ideia de progresso moral, e este responderia por uma maior solidariedade humana. Contudo, a solidariedade é analisada sob a perspectiva de reconhecer as diferenças, a capacidade de pensar em pessoas diferentes de nós como pertencentes
à esfera do “nós”.
Sendo assim, no momento em que a humanidade percebe o meio ambiente como um valor transnacional e transpessoal e certifica que o mesmo passa a ter como titular um sujeito que não necessariamente precisa apresentar-se para reivindicar seu direito a uma vida sadia e de boa qualidade - e que
esse mesmo sujeito, além de ser indeterminado, inclui pessoas ainda não
nascidas - a humanidade passa a lidar forçosamente com o valor solidariedade e o Direito com a concepção de transtemporalidade.
No caso da Constituição brasileira tal situação ficou evidenciada pela
previsão do direito das futuras gerações a um meio ambiente equilibrado e a
uma sadia qualidade de vida, conforme estabelece o art. 225.
Outros textos constitucionais, a exemplo do espanhol (art. 45) e do
português (art. 66), trazem expressamente o tema do meio ambiente observando o aspecto intergeracional, já outros não trazem a previsão expressa
quanto à intergeracionalidade, mas é possível identificá-la por meio dos dispositivos que estabelecem a proteção ambiental a partir de um dever - de
solidariedade, de responsabilidade para a proteção e manutenção do equilíbrio ecológico, de desenvolvimento sustentável.
A título de exemplo, convém destacar o comentário de Nicola Cesare
acerca da Constituição italiana. Apesar de não trazer expressamente o dever
para com as futuras gerações, a Carta indica haver uma responsabilidade
presente para com o futuro.
Ressalta o autor que não resta dúvida que a Constituição italiana exige
por parte da República o desenvolvimento de políticas concretas aptas a preservar condições adequadas de vida, o pleno desenvolvimento de cada pessoa, independentemente do tempo em que vive cada uma delas. A vida é
vida para todos: para as gerações de hoje e para as futuras.
Afirma, por fim, que haveria princípios jurídicos fundamentais que
obrigam autoridades em todos os níveis a agirem de forma que políticas direcionadas à proteção da vida das futuras gerações sejam colocadas em prática.
Mais uma vez, torna-se pertinente destacar o posicionamento da doutrina italiana: a solidariedade representa um valor fundamental na busca por
possíveis soluções para a problemática da intergeracionalidade, chegando a
afirmar que a geração presente não pode ignorar a sua responsabilidade
diante desse contexto.
Marzanati ressalta que sempre a intergeracionalidade é mencionada
expressamente, mas é claramente identificada nas disposições que preveem a
proteção ambiental como um dever, de solidariedade, de responsabilidade
em nome da proteção do equilíbrio ecológico, logo do desenvolvimento sustentável. Destaca ainda, que mesmo que o dever de solidariedade esteja imputado ao Estado ou aos poderes públicos, não há como negar sua relação
direta com o comportamento de todos os sujeitos por uma solidariedade
participativa e fraterna – marcada pelos valores do desenvolvimento sustentável.
Entretanto, para que a solidariedade alcance sua função justificadora
das limitações impostas em nome da efetivação do direito ao meio ambiente,
tornou-se necessário o reconhecimento de que este direito possui como titular um sujeito indeterminado e, ao mesmo tempo, indeterminável, em razão
de consagrar as gerações futuras também como titulares de um ambiente
sadio e de uma vida com qualidade. Todavia, não parece ter sido suficiente
para superar o paradigma moderno da subjetividade.
O PASSADO, O FUTURO E UM NOVO SUJEITO
Fundamentados pelo ideal de solidariedade e pela necessidade de
uma ação cooperada, direitos como ao meio ambiente, direitos do consumidor e à paz passam a integrar as previsões constitucionais da segunda metade do século XX, trazendo como destinatário de suas respectivas previsões o
gênero humano e, teoricamente, a superação da tradição individual subjetivista.
Não foi à toa que o constitucionalismo trouxe solidariedade ao debate.
A experiência de duas bombas atômicas apresentou ao mundo a possibilidade da morte global da humanidade. Até então, costumávamos nos preocupar
com a nossa própria morte ou com a morte de quem tínhamos como próximos. Entretanto, duas manhãs de agosto no ano de 1945 introduziram uma
terceira preocupação: a possibilidade da humanidade ser extinta.
Presa em seu passado, a filosofia não compreende mais os novos
dados, assim como não consegue projetar a habitação das futuras gerações. Enquanto técnicos e cientistas criam um novo
mundo, a filosofia pensa nele como se fosse o antigo. Desde Nagasaki e Hiroshima, uma mudança de filosofia passou a ser necessária.
A necessária mudança de filosofia acima referida parece que terminou
por contaminar também o Direito, e fez com que alguns direitos fossem interpretados a priori, à luz do ideal de solidariedade. Atenta ao problema da
projeção das gerações futuras no que concerne ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e seguindo o alerta sobre a necessidade de um comportamento solidário e cooperado, a Constituição brasileira estabeleceu o dever
de todos de defesa e preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.
Entretanto, tal previsão fez surgir um outro problema. Esse diz respeito aos paradigmas dominantes no Direito, na medida em que a construção de
um novo sujeito de direito – o sujeito transgeracional – não limitado espacial
e temporalmente, trouxe algumas implicações.
A proposição de uma nova categoria de sujeito de direito, decorrente
da consagração do direito ao meio ambiente – sujeito transgeracional – será
aqui considerada, pois implicaria na vinculação de direitos a um sujeito em
parte não nascido, ou seja, implicaria na imposição constitucional de um
dever para com quem ainda não existe.
A identificação da coletividade e do Poder Público como sujeitos do
dever constitucional de preservação do meio ambiente e, por outro lado, das
presentes e futuras gerações como beneficiárias daquele dever, provoca o
seguinte questionamento: podem o dever de solidariedade como um vínculo
intergeracional e a figura de um sujeito total, não limitado temporal e espacialmente, justificar que os sujeitos existentes sofram limitações em nome de
sujeitos que, em razão de ainda não existirem, não contribuirão para a qualidade de vida dos que existem?
A consagração do direito ao meio ambiente como direito fundamental
previsto na Constituição brasileira, indica mais do que o envolvimento com a
sustentabilidade do planeta. Indica que após o dever imposto ao Poder Público e à coletividade de “defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações” (art. 225), as pessoas ainda não nascidas já representam para o
Direito sujeitos de direito, instituindo-se, assim, um dever constitucional de
preservação, cujo fundamento seria a solidariedade, que exerceria o papel de
vínculo limitador intergeracional. Nesse sentido, convém ressaltar:
A solidariedade dos deveres ou solidariedade fraterna, chama à
colação, de um lado, os deveres fundamentais ou constitucionais que o estado, enquanto seu destinatário directo (sic), não
pode deixar de concretizar legislativamente e, de outro lado, os
deveres de solidariedade que cabem à comunidade social ou sociedade civil, entendida esta, em contraposição à sociedade estadual ou política, como esfera de relações entre os indivíduos,
entre os grupos e entre as classes sociais que se desenvolvem fora da esfera das relações de poder características das instituições
estaduais.
Romper-se-ia, assim, o paradigma do sujeito determinado. Rompimento não apenas pelo fato do sujeito apresentar-se de forma não enumerável,
mas pela possibilidade de um direito ter como titular um sujeito transgeracional, por operar, ao mesmo tempo, com as gerações presentes e futuras. Estaríamos portanto diante de um paradoxo, na medida em que algo que não
existe, mas mesmo em sua inexistência, apresenta-se protegido pelo Direito,
pela Constituição?
A transtitularidade do direito fundamental ao meio ambiente nos faz
refletir de que forma a construção dos direitos fundamentais, partindo da
modernidade, pautada e concentrada no sujeito individualmente considerado, termina por dificultar a legitimidade de um sujeito em parte ainda não
nascido. Supõe-se que, a partir da construção dos direitos fundamentais sob
a influência do individualismo, existiria uma resistência natural à efetivação
do direito ao meio ambiente como dever solidário, o que exige levar em consideração não apenas os efeitos imediatos sofridos em razão da degradação
ambiental, mas também, os efeitos a longo prazo, os quais serão vividos provavelmente com maior intensidade pelas gerações futuras.
Diante do fato de que as implicações provocadas pela degradação ambiental, no que concerne ao objetivo e desejo de qualidade de vida, serão
sofridas pelo sujeito total, mas em maior medida por parte desse sujeito - a
parte ainda não nascida - o tempo presente assume um papel solidário e
preventivo. Sendo assim, tendo em vista a irreversibilidade do tempo, portanto, a impossibilidade de alterar o tempo passado e a indeterminação do
tempo futuro, a ação presente torna-se necessária e regeneradora.
Não que queiramos negar o caráter irreversível do tempo: o
passado está terminado e o futuro indeterminado. Logo, não se
trata nem de voltar atrás, nem de parar o curso do tempo, tratase antes, de regenerar o tempo que passa, conferindo-lhe a espessura de uma duração real, graças à fecundação recíproca de
um passado que, se bem que terminado, não esgotou suas promessas, e de um futuro que, se bem que indeterminado, não é
totalmente aleatório.
A função regeneradora do tempo presente atuaria frente a irreversibilidade da herança individualista e a indeterminação futura. Estaria, assim, o
direito ao meio ambiente sofrendo uma tensão por encontrar-se entre os
paradigmas da subjetividade e da solidariedade? Ou seja, por encontrar-se
entre os paradigmas da individualidade e da humanidade?
Nesse sentido, Michel Serres nos faz refletir sobre a suposta mudança
do paradigma da subjetividade para a solidariedade ao afirmar que, de forma
brusca, a natureza, antes considerada um objeto local, sobre o qual um sujeito parcial agia, transforma-se em um objetivo global, o Planeta Terra, no qual
passa a trabalhar um sujeito total: a humanidade.
Essa suposta tensão nos remonta à análise de Ost acerca da relação entre o tempo e o Direito. Ainda na apresentação de sua obra, o autor indica a
contribuição do Direito para a justa medida que torna os cidadãos livres. Essa
seria composta por quatro tempos: por um lado, memória e perdão, referentes ao passado e, por outro, promessa e a retomada da discussão, referindo-se
ao futuro.
A memória que liga o passado, garantindo-lhe um registro, uma
fundação e uma transmissão. O perdão, que desliga o passado,
imprimindo-lhe um sentido novo, portador de futuro, como
quando ao término de uma reviravolta de jurisprudência o juiz
se liberta de uma linhagem de precedentes tornados ultrapassados. A promessa, que liga o futuro através dos comprometimentos normativos, desde a convenção individual até a Constituição, que é a promessa que a nação fez a si própria. O questionamento, que em tempo útil desliga o futuro, visando operar as
revisões que se impõem, para que sobrevivam as promessas na
hora da mudança.
A memória do direito ao meio ambiente parece estar envolvida pelo
registro do individualismo, o que representaria um dos paradigmas da tensão acima anunciada. Por outro lado, a transmissão dessa memória para o
paradigma solidário dar-se-ia por meio do perdão. Perdão que teria por desafio desligar o passado do individualismo e dar ao direito ao meio ambiente o
sentido de um novo paradigma. Esse novo sentido parece ter origem na
promessa realizada na Constituição Federal de que o futuro do direito ao
meio ambiente é uma obrigação de todos, considerando a consagração normativa das gerações futuras enquanto sujeito de direito. Por fim, temos a
função do questionamento diante do desafio da mudança.
Sendo assim, repete-se o questionamento antes apresentado de que estaria, assim, o direito fundamental ao meio ambiente sofrendo uma tensão
por encontrar-se entre os paradigmas da subjetividade e da solidariedade?
Ou ainda, estaria o direito ao meio ambiente sofrendo a tensão entre constância e inovação, entre passado e futuro?
CONCLUSÃO
A solidariedade atua como uma forma de limite entre gerações utilizado pelo direito, por vezes por meio do próprio princípio da precaução, mas
que apresenta uma problemática a ser discutida: o controle se dá diante dos
atos de sujeitos existentes, mas em nome de sujeitos não-nascidos, e que,
portanto, não possuem representação legítima nem tampouco provocam o
reconhecimento entre os sujeitos.
Para enfrentar essa discussão será necessário discutir novos referenciais éticos. Envolvida com a natureza, essa nova proposta ética deve ser capaz
de provocar a responsabilidade humana não apenas para com os homens, e sim, também, para com os elementos extra-humanos, combatendo portanto,
as posturas que põem em risco a continuidade indefinida da humanidade.
Além disso, levanta-se a necessidade de uma consciência prévia. Tal afirmativa encontra respaldo no princípio da precaução que norteia o direito humano ao meio ambiente, exigindo o cumprimento de todas as ações capazes
de prevenir danos ambientais.
Tendo em vista a proposta de precaução que orienta a promoção do
direito humano ao meio ambiente e que se fundamenta no dever de ordem
moral dos sujeitos de hoje para com os sujeitos de amanhã, é possível utilizar
a ideia de uma análise ampliada do futuro a partir da construção de uma
nova responsabilidade humana, de uma nova teoria ética como fundamento
teórico para a hipótese de que a solidariedade constitui um vínculo limitador
entre gerações.
Nesse sentido, ao falar em nova teoria ética, assume-se como pressuposto que o homem nunca agiu desprovido de técnica, mas cabe analisar
como a técnica moderna modificou o agir humano e as consequências dessa
mudança para com a natureza. Mais uma vez, a transição paradigmática
torna-se alvo de observações.
Assim, a ética da simultaneidade e da imediaticidade não responde às
novas dimensões do agir humano que propõe o homem como objeto da técnica, passando-se a exigir, para a formulação de novos limites, uma ética de
previsão e responsabilidade. Essa, por sua vez, dotada de longo alcance tendo em vista a amplitude do poder humano.
O legado ambiental para as gerações futuras é o resultado de ações que visam a conscientizar sobre o consumo sustentável, a alimentação saudável e o descarte correto de lixo.
O meio ambiente é o conjunto de elementos que promovem a interação entre os seres vivos e é fundamental para a vida. O meio ambiente fornece os recursos necessários para a sobrevivência, como o ar, a água, os alimentos e as matérias-primas.
Algumas ações que podem ser adotadas para ajudar na preservação do meio ambiente são:
- Plantar árvores- Reciclar o lixo- Castrar animais de estimação- Denunciar crimes ambientais- Economizar água e energia elétrica- Priorizar o consumo de produtos eco-friendly
A preservação ambiental é um conjunto de ações que visam proteger a natureza de forma que ela seja intocável, sem interferência humana. A preservação é necessária quando há ameaças à biodiversidade e às espécies, ecossistemas ou biomas.