Os objetivos desse trabalho são:
- Analisar o herói moderno e suas relações com a cidade.
- Identificar a solidão e a melancolia do homem na cidade moderna.
- Citar a influência e o impacto do maquinismo e das utopias técnico-científicas na contemporaneidade, especialmente no filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin.
Chaplin foi uma figura bastante crítica em relação à história da sua época e do cinema. Estudar Carlitos como herói moderno em seus filmes é um grande desafio. Ele constrói, através de seus filmes, representações da realidade e através disso acrescenta o riso e a dor, mexendo assim com o sentimento das pessoas. Na maioria de seus filmes, são sugeridos estímulos que provocam o riso e o choro, aliviando e gerando novas tensões, uma vez que o sentido trágico da vida domina toda a sua obra. Porém, Carlitos consegue esconder, habilmente a tragédia sob seu delicado humor.
As características mais marcantes nos filmes de Chaplin seriam basicamente, esses objetivos a serem analisados neste artigo. No primeiro objetivo, que seria analisar o herói moderno e suas relações com a cidade, irei analisar principalmente no filme “O Garoto”, onde Chaplin mostra que ainda é possível ser uma pessoa boa em meio a tantas diferenças sociais na cidade moderna. O herói é visto como uma pessoa que entra em confronto com a modernidade, mantendo um relativo afastamento da multidão e de tudo que a cerca. Além disso, é aquele que tem um confronto com o mundo, que o pressiona com todas as suas tecnologias modernas. O herói não consegue, assim, viver desse modo tão intenso, como toda essa multidão, sugada pela modernidade. Mas sem abandonar a multidão e a modernidade, consegue diferenciar-se da primeira e manter sua individualidade. E é isso que Chaplin irá mostrar em seu personagem Carlitos.
Já no filme “Luzes da Cidade”, irei discutir o segundo objetivo: a solidão e a melancolia do homem na cidade moderna. Pois nesse filme ele demonstra muito a solidão frente às pessoas que já não se interessa mais em viver, conversar, ou até mesmo cumprimentar umas as outras, pois se tornaram frias e sem sentimentos. Foram essas pessoas que a modernidade criou e domesticou. Carlitos irá buscar a pureza e a sinceridade numa mulher cega e sem maldade, pois essa não vê o mundo ao seu redor e por isso confunde Carlitos com um homem rico. Mas a partir do momento que volta a enxergar, com a ajuda de Carlitos, essa o despreza porque vê que ele não é um homem rico. Suas esperanças se foram junto com a cegueira da mulher. E por ele não conseguir inserir-se nesse mundo, acaba se tornando uma pessoa triste e melancólica. Essa é uma característica da cidade moderna, as pessoas necessitam ouvir os barulhos produzidos pela era moderna, mas não costumam mais usar o olhar e a fala, a ponto dessas ficarem se olhando por minutos a fio sem dizer uma só palavra, só escutando os barulhos das fábricas, dos carros, enfim, os barulhos da modernidade.
Vale frisar que essas características estão em todos os seus longas-metragens. Mas analisando cada um detalhadamente, veremos que cada característica está mais num filme que em outro, pois Chaplin queria mostrar, talvez mesmo sem saber, passo a passo de uma pessoa que não conseguia se inserir nesse mundo moderno.
Nesse momento irei frisar um aspecto na filmografia de Chaplin, que seria a representação da máquina e da técnica no filme “Tempos Modernos” – 1936.
Chaplin no seu filme “Tempos Modernos”, mostra o seu personagem Carlitos como sendo uma cobaia desses tempos e da modernidade em que se insere. A máquina vai ser o principal objeto de Chaplin que mostra em Carlitos a pessoa que não se acostuma a ela.
Vemos, a partir do filme, a submissão do corpo à máquina. A cena em que Carlitos repete vários gestos iguais e depois sai à rua repetindo os mesmos gestos, mostra bem essa submissão. O corpo do personagem não consegue se controlar em meio às máquinas que estão cada vez mais velozes, ou seja, o corpo torna-se escravo dessas máquinas. Carlitos, por ser uma pessoa que não consegue se acostumar com essa rapidez da industrialização, sofre um pouco mais e acaba entrando em uma neurose, ou seja, ele se transforma numa máquina que sempre repete seus movimentos sem parar um segundo sequer. Chaplin quer mostrar a partir disso, que os trabalhadores da era industrial irão virar uma máquina, não conseguindo controlar seus próprios movimentos, perdendo assim a sensibilidade dos gestos. Além disso, esse trabalhador saberá fazer uma só coisa, que será o seu objeto de trabalho, como por exemplo o único movimento de Carlitos na fábrica.
Claro que Chaplin põe isso de um modo cômico, fazendo com que as pessoas riem de coisas que estão acontecendo com elas próprias, pois Chaplin expressa a modernidade através dos filmes de modo que o expectador tenha um olhar mais crítico de uma situação já vivenciada por ele, mas ainda não pensada mais a fundo. O que o expectador não percebia, na sua dura rotina, consegue agora perceber através de um filme. A partir daí, esse imaginário será usado pela coletividade para formar uma certa identidade. A função do símbolo, o filme, é de introduzir valores, modelando os comportamentos individuais e coletivos. Além disso, o símbolo é construído a partir de experiências dos expectadores, seus desejos e motivações. O cinema, nessa era de modernidade, se preocupa em fazer com que as realidades do nosso mundo fiquem mais próximas do público, e a partir disso, é criado um desejo, do público, sobre o cinema. Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de ter tão perto quanto possível, na imagem, na sua cópia e na sua reprodução.
Por isso supomos que esse riso do público é um riso não de alegria, mas de preocupação, pois a partir daí a imaginação do público será desperta para algo real, que até então esses não haviam percebido.
O cinema faz com que nós, o público, nos percebamos diante de coisas que fazem parte de nossa vida, e que passam sobre uma simples tela de cinema. Ficávamos presos a um mundo que era só aquilo e pronto, mas com a sua chegada, o cinema permitiu-nos que empreendêssemos viagens a longas distâncias. Essa natureza que se dirige à câmara não é a mesma do nosso olhar. A diferença está no fato de que o espaço em que o homem age conscientemente é substituído por outro, em que sua ação é inconsciente.
Na fábrica que Carlitos trabalha vemos uma alta tecnologia, o que aliás é uma das principais características da modernidade vinda com a Revolução Industrial. Essa, por sua vez, é vista no filme como algo ruim para as pessoas e os operários, pois nada nessa época tem limites e acaba fazendo com que o operário se transforme em uma espécie de “máquina humana”. Além das máquinas, vemos câmeras que controlam o trabalho dos funcionários, ou seja, controlam o tempo e como trabalham. Podemos notar até mesmo o exagero dessas tecnologias sobre os funcionários da fábrica, na cena em que Carlitos é cobaia de um experimento que faz com que o operário faça sua refeição e ao mesmo tempo trabalhe. A partir do humor, Chaplin mostra o trágico dessa modernidade: as máquinas irão controlar completamente a vida das pessoas, tanto a dos operários como das pessoas comuns. Entra a questão, aqui, do conceito de tempo dessa modernidade, pois até na hora de almoçar não se deve parar para não atrasar a produção.
Voltando à cena em que Carlitos faz movimentos únicos sobre os parafusos, vemos, de novo, a alienação da máquina sobre o corpo. A partir do momento que o dono da fábrica acha necessário aumentar o ritmo de trabalho, o corpo do personagem é obrigado a aumentar o ritmo e os gestos, se sujeitando à velocidade da máquina. Pois a preocupação nessa era da industrialização não é o ser humano, mas o tempo imposto sobre a produção. Se essa atrasa, a velocidade terá que aumentar, pois o tempo a partir dessa época, é dinheiro.
Outro exemplo é a cena em Carlitos é “engolido” pela máquina de parafusos, onde se mostra todo o mecanismo interior da máquina e Carlitos dentro dessa passa um ar de tranqüilidade, pois esse está tão abalado que para ele parece totalmente normal fazer parte do mecanismo dessa máquina. Este é um ótimo exemplo da apropriação do corpo pela máquina, pois essa suga, literalmente, o corpo do personagem Carlitos.
Charles Chaplin nesse filme mostra, através das grandes tecnologias, uma crítica a essa modernidade avançada, e usa Carlitos para mostrar o descompasso desse com o mundo moderno. Carlitos é incapaz de viver nesse mundo, pois ele é ainda aquele ser humano puro de alma, aquele que não consegue acompanhar o avançado desenvolvimento das máquinas e da sociedade. Mas, ele não é mais um homem perdido no mundo, inconsciente de seu drama. Agora ele conhece o sentido da existência, sabe que a liberdade é inútil se não há meios para fluí-la.
No filme vemos muitas cenas que mostram esse Carlitos, que parece não saber que existe tanta maldade, pobreza e tantos avanços. Numa cena em que ele pega a bandeira vermelha e acena para o caminhão, de onde esta caiu, ele nunca iria imaginar que podia ser preso como sendo um líder sindical, pois logo atrás de Carlitos estavam os grevistas fazendo sua manifestação. A ingenuidade desse personagem transpassa por todo o filme.
Mas apesar disso, ele acaba fazendo seus planos de ter uma casa, de constituir uma família e arranjar empregos, a partir do momento em que se apaixona por uma plebéia. Mas seus planos acabam não dando certo, e Chaplin novamente mostra sua crítica à modernidade, pois Carlitos, por ser essa pessoa ingênua e humana, não está preparado para esse mundo, pois não é aceito, e, não consegue sucesso em meio a tanta maldade, pobreza e confusão.
No final do filme, Carlitos se despede de seu mundo rumo a um lugar que dê espaço para ele, ou seja, o mundo anterior a essa modernidade. Esse seria o último filme de Carlitos, pois no mundo moderno não havia mais espaço para ele. E seria o último filme mudo de Chaplin, pois também não existia mais espaço para seus filmes mudos em meio aos avanços dos filmes sonoros, e que acima do valor do progresso se coloca o valor do homem.
O que se passa, no filme é a questão da melancolia, talvez até mesmo a tristeza pelo que esta acontecendo no mundo, por ser seu último filme como Carlitos, pois a partir daí esse já não irá mais existir. “Tempos Modernos” é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca de felicidade.
O filme adquiriu uma importância para a compreensão dos comportamentos, das visões e das ideologias de uma sociedade ou de um momento histórico, no caso, a emergência e consolidação da modernidade. Esse pode tornar-se um documento para a pesquisa. Tanto quanto a própria história, a idéia de cinema expressa um conjunto infinito de realidades e de informações, pois todo o filme é um documento histórico. O cinema na história designa o cinema como documentação para a investigação historiográfica. Com isso vemos que o cinema já faz parte do estudo historiográfico.