Uma das situações mais frustrantes para os estudantes é deparar-se com um novo conceito matemático sem a devida contextualização, ou ainda, sem a apresentação de situações práticas e reais onde esse conceito possa ser aplicado, dando-lhe um significado e um sentido. Este é precisamente o caso quando estudamos logaritmos na escola: aprendemos as regras para operá-los, trabalhando com as identidades logarítmicas (produto, quociente, potência, raiz), mudanças de base, etc. Mas na boa: para que servem os logaritmos, afinal? A verdade é que logaritmos são aplicados em temas tão diversos quanto probabilidade e estatística, algoritmos computacionais, fractais, música, entre outros; o problema neste caso é que são necessários conhecimentos sobre uma enorme variedade de outros assuntos para entender e contemplar a beleza e o poder dos logaritmos nessas aplicações, uma tarefa inglória para o estudante do ensino fundamental. Existe, porém, uma forma de aplicar logaritmos em situações práticas bem próximas da realidade do aluno através da chamada Lei de Newcomb-Benford. A lei de Newcomb-Benford estabelece empiricamente que em determinadas fontes de dados numéricos o primeiro dígito não apresenta uma distribuição uniforme de ocorrências dos algarismos de 1 a 9, mas antes uma distribuição logarítmica decrescente quanto maior for o algarismo. Este tipo de distribuição ocorre para uma ampla gama de conjuntos de dados: número do endereço residencial, população por cidade, taxas de mortalidade, balanços contábeis, bem como constantes físicas e matemáticas. Simon Newcomb, astrônomo e matemático canadense, foi o primeiro a identificar este princípio estatístico, ou pelo menos a reportá-lo formalmente em seu artigo de 1881, onde afirma:
Simon Newcomb |
Frank Benford |
d | P(d) |
1 | 30,1% |
2 | 17,6% |
3 | 12,5% |
4 | 9,7% |
5 | 7,9% |
6 | 6,7% |
7 | 5,8% |
8 | 5,1% |
9 | 4,6% |
Despesas | 01/2016 | 02/2016 | 03/2016 |
Despesas com pessoal | |||
Salários | 4.088,00 | 5.068,00 | 9.020,65 |
INSS | 2.609,12 | 5.420,44 | 2.582,46 |
PIS | 69,02 | 61,46 | 71,48 |
Vale Transporte | 199,40 | 98,80 | 98,00 |
FGTS | 863,15 | 650,98 | 571,50 |
Contribuição Confederativa | 106,12 | 110,65 | 110,65 |
Adiantamento | 2.217,00 | 1.630,00 | 1.851,00 |
Cesta Básica | 403,58 | 398,54 | 323,82 |
Despesas com refeitório | 63,00 | 48,00 | 97,60 |
Tarifas Públicas | |||
Luz | 1.773,96 | 2.214,26 | 2.289,06 |
Telecomunicações | 316,34 | 310,05 | 310,97 |
Conservação | |||
Materiais Elétricos | 115,45 | 19,80 | 580,65 |
Outros Materiais e Equipamentos | 869,46 | 549,46 | 558,61 |
Material de Limpeza | 606,00 | 47,71 | 672,71 |
Outros Serviços Prestados por Terceiros | 658,00 | 1.922,00 | 1.186,00 |
Material de Reformas e Reparos | 809,20 | 1.617,24 | 2.177,09 |
Retirada de Entulho | 340,00 | 240,00 | 85,00 |
Manutenção de Piscina/Sauna | 402,84 | 292,33 | 549,28 |
Vamos agora iniciar a seleção do primeiro dígito de cada uma dessas despesas, destacando-os com a cor vermelha:
Despesas | 01/2016 | 02/2016 | 03/2016 |
Despesas com pessoal | |||
Salários | 4.088,00 | 5.068,00 | 9.020,65 |
INSS | 2.609,12 | 5.420,44 | 2.582,46 |
PIS | 69,02 | 61,46 | 71,48 |
Vale Transporte | 199,40 | 98,80 | 98,00 |
FGTS | 863,15 | 650,98 | 571,50 |
Contribuição Confederativa | 106,12 | 110,65 | 110,65 |
Adiantamento | 2.217,00 | 1.630,00 | 1.851,00 |
Cesta Básica | 403,58 | 398,54 | 323,82 |
Despesas com refeitório | 63,00 | 48,00 | 97,60 |
Tarifas Públicas | |||
Luz | 1.773,96 | 2.214,26 | 2.289,06 |
Telecomunicações | 316,34 | 310,05 | 310,97 |
Conservação | |||
Materiais Elétricos | 115,45 | 19,80 | 580,65 |
Outros Materiais e Equipamentos | 869,46 | 549,46 | 558,61 |
Material de Limpeza | 606,00 | 47,71 | 672,71 |
Outros Serviços Prestados por Terceiros | 658,00 | 1.922,00 | 1.186,00 |
Material de Reformas e Reparos | 809,20 | 1.617,24 | 2.177,09 |
Retirada de Entulho | 340,00 | 240,00 | 85,00 |
Manutenção de Piscina/Sauna | 402,84 | 292,33 | 549,28 |
Dígito: | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 |
Ocorrências: | 12 | 8 | 6 | 5 | 7 | 7 | 1 | 4 | 4 |
Dígito: | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 |
Razão: | 12/54 | 8/54 | 6/54 | 5/54 | 7/54 | 7/54 | 1/54 | 4/54 | 4/54 |
Porcentagem: | 22,2% | 14,8% | 11,1% | 9,26% | 12,9% | 12,9% | 1,8% | 7,4% | 7,4% |
Dígito: | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 |
Porcentagem: | 22,2% | 14,8% | 11,1% | 9,26% | 12,9% | 12,9% | 1,8% | 7,4% | 7,4% |
Lei N-B: | 30,1% | 17,6% | 12,5% | 9,7% | 7,9% | 6,7% | 5,8% | 5,1% | 4,6% |
Nota introdutória
Este artigo introduz o leitor aos aspectos matemáticos elementares e a um exemplo de aplicação prática da lei de Newcomb-Benford. Esta lei é aderente a diversos fenômenos de caráter financeiro, contábil, físico, entre outros. Recomenda-se fortemente a leitura de outras fontes de pesquisa para um aprofundamento dos tópicos abordados.
Lei de Newcomb-Benford como ferramenta de auditoria
A administração de uma empresa em um cenário competitivo e globalizado exige recursos, metodologia e ferramental adequados que ofereçam suporte às tomadas de decisão da alta administração de modo a preservar, legitimar e manter íntegras as atividades nela desenvolvidas [1]. Com esse objetivo em mente as empresas constituem, através de políticas internas ou por determinação legal, um setor de auditoria interna que sustente a alta administração com informações e sugestões que auxiliem e dêem suporte às atividades pelas quais são responsáveis [2]. E dentro desse contexto, o auditor interno tem que transmitir uma posição de igualdade e justiça quando aborda assuntos muitas vezes sensíveis e até controversos, transmitindo confiança e responsabilidade na apuração e geração de informações fidedignas [3].
(1) |
(2) |
(3) |
Figura 1 – Distribuição logarítmica dos algarismos de |
(4) |
Tabela 1 – Probabilidade de ocorrência do primeiro dígito, segundo a lei de Newcomb-Benford |
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(6) |
Figura 2 – Densidade de probabilidades do primeiro dígito do número de endereço dos imóveis do município de São José dos Campos |
Tabela 2 – Probabilidades e proporções obtidas e esperadas e respectivos testes de hipótese para o primeiro dígito do número dos endereços dos imóveis do município de São José dos Campos |
Figura 3 – Densidade de probabilidades do primeiro dígito do número de endereço dos imóveis do município de Presidente Prudente |
Tabela 3 – Probabilidades e proporções obtidas e esperadas e respectivos testes de hipótese para o primeiro dígito do número dos endereços dos imóveis do município de Presidente Prudente |
Figura 4 – Densidade de probabilidades do primeiro dígito do número de endereço dos imóveis do município de Mongaguá |
Tabela 4 – Probabilidades e proporções obtidas e esperadas e respectivos testes de hipótese para o primeiro dígito do número dos endereços dos imóveis do município de Mongaguá |
Suponha que você possua um SGBD (Sistema Gerenciador de Banco de Dados) com uma tabela denominada MUNICIPIO com duas colunas: uma contendo o código dos municípios estudados, que chamaremos de CD_MUNICIPIO, e outra coluna contendo os números dos endereços dos imóveis, que chamaremos de NR_IMOVEL, do tipo INT(10). Um possível script SQL (padrão ANSI 92) a ser utilizado para a obtenção do primeiro dígito do número dos endereços dos imóveis está indicado a seguir:
select substr(cast((nr_imovel(format 'zzzzzzzzzz')) as char(10)),1,1) as digito, count(digito)
from municipio where cd_municipio = 100 and digito in ('1', '2', '3', '4', '5', '6', '7', '8', '9') group by 1, order by 1;
Note que, talvez, a parte mais trabalhosa seja justamente o levantamento dos municípios e respectivos números de imóveis e seu armazenamento em um SGBD, e não a aplicação da lei de Newcomb-Benford, que é bastante direta já que basta dividir a quantidade de ocorrências de cada dígito pela quantidade total de imóveis. A proporção obtida em cada caso deve ser igual, ou muito próxima, à proporção prescrita pela lei.
[14] Benford F., "The Law of Anomalous Numbers", Proceedings of the American Philosophical Society, Vol. 78, No. 4, pp. 551-572, 1938.
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