Partindo disso, para entender o cenário da arte no início deste século XXI, se faz necessária uma análise da ruptura do papel da arte em fins do século XIX e início do século XX, com o objetivo de compreender como arte deixou, em algum ponto, de ser mero culto à reprodução técnica para ser expressão máxima do sentimento do artista em relação à sociedade no qual está imerso. Essa pesquisa desenvolvida com natureza bibliográfica investiga os fatores convergentes na comunicação e nas artes. Há de se ver a arte como um dos importantes componentes das experiências comunicativas humanas.
Marcas de mão na caverna de El Castillo (Espanha) com 40.800 anos foram consideradas a forma mais antiga de arte rupestre do mundo. Seja em uma pintura rupestre numa caverna, seja no teto da Capela Sistina, o homem sempre produziu arte.
Existem muitas correntes teóricas que dizem respeito à arte, a que vamos explorar nesse texto está mais próxima da fenomenologia de Edmund Husserl e MerleauPonty, que consideravam que, "a arte deve ser entendida como expressão do imaginário humano e de uma forma peculiar de expressar uma determinada visão de mundo, da qual compartilham o artista e o público ao qual sua obra se destina" (COSTA, 2004, p 18). A arte aqui é compreendida como, manifestação estética, transmissão de ideais e emoções nas quais ela se expressa e se torna comunicavél.
Acontece que a definição do que é arte sempre sofreu alteração com o passar do tempo. Contudo, a dinâmica comunicacional do mundo pósmoderno trouxe uma celeridade na mudança do pensamento do homem contemporâneo, gerando impasses nas definições de conceitos. Mas foi nos últimos 100 anos que houve as mais drásticas transformações na compreensão e produção da arte.
Até o fim do século XIX os efeitos da segunda revolução industrial promoveram diversas mudanças sociais, como a urbanização desenfreada, a mecanização do trabalho e a produção em larga escala pelo modelo econômico que ali se apresentava. Nesse cenário surgiram algumas ideias que colocariam em cheque os padrões estéticos produzidos até então.
Como disse Walter Benjamin, "por princípio a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens tinham feito sempre pôde ser imitado por homens" (1992, p. 75). Mas foi as novas tecnologias desenvolvidas nessa revolução industrial que possibilitaram o homem a reproduzir de forma sistemática a realidade. A fotografia torna obsoleta uma série de artes gráficas, o cinema consegue revolucionar a ideia da reprodução de realidade. Nesse contexto surge um grupo de artistas insatisfeitos com os moldes de produção artística realizada anteriormente, ele pretenderam mudar a forma de se criar arte. Foram chamados de Modernistas.
Num momento em que o homem se torna capaz de reproduzir tecnicamente o real e alterálo com a fotografia e, em seguida, de reinventálo com o cinema, o que pode ser dito sobre a realidade? Se a realidade vai ser cada vez mais o que fazemos dela ou o que queiramos que ela seja, a arte moderna vai desejar exatamente se libertar das amarras que mais a limitavam (GONÇALVES, 2007, p.7).
O modernismo, nome dado para caraterizar uma série de movimentos artísticos (Vale lembrar aqui que, apesar de haver vários pontos de identificação ideológica entre eles, há também diversos fatores de desencontros e até antogonismos.) , escolas e estilos que, como a própria palavra remete, pretende se contrapor ao que consideram ultrapassado. Entendiase que se fazia necessário uma nova roupagem nos moldes das artes plásticas, literatura, design e organização social. Construindo com isso uma nova cultura preocupada em participar na edificação de uma vida melhor para o homem.
Os artistas Édouard Manet (18321883) e Claude Monet (18401926) encabeçaram o primeiro movimento artístico modernista intitulado impressionista. O nome "impressionista" surgiu devido a um dos primeiros quadros de Monet, "Impressão, nascer do sol" que a princípio apresentaria um caráter pejorativo por se tratar de uma crítica a um quadro clássico (de mesmo nome) do pintor Louis Leroy. Entretanto, Monet e outros artistas adotaram o nome (impressionismo), pois sabiam que iniciavase ali um movimento artístico revolucionário.
Desde então outros movimentos influenciados pelo impressionismo, como o fauvismo, expressionismo, dadaísmo começaram a aparecer por toda a Europa. Rompese então com as concepções academicistas e a forma que se produzia arte que não levara em consideração as questões sociais. Pois, assim como diz Juan Mosquera em seu livro Psicologia da arte "A arte não é apenas a glorificação do belo, do significativo, mas a relação implícita que existe entre o fato social e a sua expressão" (MOSQUERA, 1976, p. 63). Os artistas que protagonizam o modernismo não se interessam mais pela busca da perfeição técnica. Eles enxergam na arte uma oportunidade de comunicar ao mundo suas ideias, vontades, desejos e sentimentos. Quebraram também com algumas acepções morais dos antigos e produziram "arte pela arte" sem ficar presos às amarras do pragmatismo estético dos tempos classicistas . Para compreender mais sobre a ideia da arte pela arte, veremos o que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche diz:
L'art pour l'art [Arte pela arte] – A luta contra a finalidade é sempre luta contra a tendência moralizante na arte, contra a sua subordinação à moral. L'art pour l'art significa: "Ao Diabo com a moral! (NIETZSCHE, 2006, p.77, grifo do autor).
Contrários aos arquétipos da estética prémodernista, os artistas estavam agora interessados em carregar de informações as suas artes. Os artistas do movimentos holandês De stijl, por exemplo, primavam pela união da forma e da função, gerando significativas mudanças, principalmente no mundo do design, herança dos seus irmãos construtivistas russos, que a partir da revolução de 1917, pregavam os mesmos princípios para a arte.
A intenção era transformar a arte numa porta para o conhecimento, totalmente desligada de significações moralistas. Nesse sentido, os artistas modernos criaram uma releitura da produção estética. "Passase a operar por desconstruções", isto é, "o tema da arte deixa então de ser o mundo naturalista e passa a ser a própria arte e sua linguagem." (GONÇALVES, 2007, p.7)
A arte nos meados do século XX entra em crise. O objeto artístico convencional não mais satisfará o artista que passa questionar o sentido do fazer artístico e seus limites. Então, nessa contextura, a maior parte dos artistas desse tempo ao tentar transpassar esses limites, abandonam os objetos tradicionais. Esses mesmos artistas, ao pressionarem contra os limites da arte, descobriram que esses limites cedem, ou seja, a arte perde suas limitações. A pergunta fundamental deixa de ser "o que é arte?", "o que é obra de arte?" para ser, "Por que algo é uma obra de arte?". Entendese aí que qualquer coisa pode ser uma obra de arte. começa a se pensar a arte filosoficamente. É importante assinalar que ao mudar o foco artístico para o cognitivo, o que acontece é uma ampliação do próprio conceito de arte.
Em meio a essas transformações, surgem os pósmodernistas, que irão discutir o hermetismo dos "ismos" anteriores com maior veemência do que os modernistas, a inflexibilidade acadêmica dos artistas prémodernistas e a forma eufemista pela qual os mordenistas combateram a "antiga arte". Os pósmodernistas mudaram a maneira de entender e fazer arte no mundo contemporâneo. O que se via nas artes era uma fixação de meios , a arte conteporânea vai abrir uma infinidade de formas de suporte levando a uma hibridismo entre as linguagens. A meio deixa, assim, de ser parâmetro avaliativo. Não há mais restrição, limites aos objetos que podem se tornar arte. O artista poderá trabalhar agora em diversas plataformas.
A arte como criadora de novos conhecimentos
Seja na música, na poesia, no teatro, nas artes plásticas ou em qualquer outra forma de expressão de arte, a obra sempre transcenderá a individualidade do seu autor. Toda obra é carregada de símbolos comunicativos a serem interpretados singularmente por cada receptor. De forma muito mais sutil e significativa que em outros meios de comunicação, a arte é interpretada por cada espectador a partir da sua bagagem cultural, decodificando a mensagem de forma singular.
Toda obra carregada de símbolos está submetida à leitura do seu público, cabe a compreensão dos símbolos ao receptor. Quanto melhor a compreensão dos símbolos, melhor a leitura da obra. fica claro que existe aí uma curva de aprendizagem na leitura da mensagem por cada indivíduo. A obra isolada não se comunica, mas junto ao seu receptor abre então uma miríade de diálogos, restrita apenas ao repertório de seu interlocutor.
A terceira revolução industrial trouxe consigo uma infinidade de formas de se produzir e replicar informação. Encontramos nesse momento um modo de produção, economia, política e de relações humanas demasiadamente aceleradas, aquilo que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de "modernidade líquida" (2001). As novas tecnologias, como a internet, nos possibilitaram ferramentas de comunicação nunca antes vista, transformando a forma de se fazer jornal, televisão e todos os outros veículos midiáticos. Encurtando distâncias e modificando definitivamente a nossa forma de se comunicar.
De fato, encontraremos inúmeras vantagens que essas novas ferramentas trarão para o homem moderno, mas sem dúvida essa celeridade abriu portas para uma quantidade absurda de replicação de conteúdo, afetando dramaticamente a cultura e a capacidade de produção do homem.
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, membros da Escola de Frankfurt, na qual apresentavam uma linha de pensamento social marxista crítico, se propunham a pensar a sociedade aliando interpretações filosóficas, empregando práticas de mudança e melhoria social (aliados a grandes nomes, como Marx, Freud, Kant e Hegel). Com a intenção de entender a organização do tecido social, esse pensadores analisam o conceito chave de suas pesquisas no âmbito da comunicação social, a indústria cultural. Dentre vários objetos de estudos, Adorno e Horkheimer, ao analisar a arte, percebem que a força crescente da máquina capitalista, com seu poder de se apropriar, reproduzir e distribuir conteúdo, assimilara a arte convertendoa em produto, totalmente sujeito às regras econômicas de oferta e demanda. Este efeito havia fragizado a capacidade crítica da arte, a arte, tanto popular quanto erudita, foi reduzida à mercadoria. O efeito disso foi construir um público mais acrítico e resistente ao novo.
Os artistas contemporâneos que surgiram nos meados do século XX, poderam nos ajudar com essa questão. Esses irão nos servir como uma engrenagem importante da máquina de produção de novas subjetividades e de novos conhecimentos. Nos possibilitará, de forma mais poética, a criação de um espaço comunicacional diversificado, capaz de produzir conforme diz Janice Caiafa: "um trabalho criador com as formas expressivas" abrindo "brechas nas subjetividades padronizadas, fazendo surgir singularidades" (2000, p.66). "Assim, a arte vai nos importar menos pelo que expressa e mais pelas marcas que pode deixar em nós" (GONÇALVES, 2007, p.5).
A expressão artística como elemento crítico
Entraremos agora na área da sociologia da arte com a intenção de desvendar algumas relações entre as práticas artísticas e as outras áreas da sociedade. Cristina Costa em seu livro Questões de Arte: o belo, a percepção estética e o fazer artístico, aponta um estudo do inglês Dave Douglass, no qual o pesquisador faz comparações entre músicas criadas por trabalhadores de minas de carvão e marinheiros ingleses. Douglass percebe que as canções dos mineiros eram trágicas e alertavam para os desastres nas minas, ao passo que as canções dos marinheiros eram festivas e alegres, cantando a liberdade da vida no mar (2004, p 18). Temos o indício de que, nesse sentido, as construções estilísticas presentes nessas músicas são ocasionadas por fatores sociais.
A arte caminha lado a lado com os costumes de um determinado povo em um determinado espaço de tempo. De fato, a arte pode ser observada a fim de constatar mudanças no comportamento da sociedade. A arte enquanto "barômetro que anuncia com infalível certeza todas as tempestades políticas e sociais" (Kelly, 1972, p. 15). A exemplo, o surgimento dos movimentos artísticos que tendem a romper com concepções dos movimentos anteriores ao mesmo. Geralmente tecendo críticas a aqueles que se opõem as mudanças.
Nos últimos anos da primeira grande guerra mundial , o francês Marcel Duchamp, um dos precursores da arte contemporânea, preocupado com o uso das tecnologias na destruição do homem, principalmente em tempos de guerra, utilizase da arte para tecer críticas a essa sociedade. Em 1917, o artista colocou um urinol em uma exposição de arte em Nova Iorque. Ou seja, usando um objeto industrial de larga produção e de utilidade cotidiana, Duchamp trasnfigura o utensilio, sugerindo sua transformação em objeto de arte. O artista propõe, assim, a retirada de um objeto de seu lugar "natural", relocando em um espaço distinto do seu uso comum. O que dará início ao conceito de ready made, que se dá justamente no transporte de um elemento do dia a dia para o campo das artes.
Segundo Fernando Gonçalves, "Os usos artísticos de distintos elementos do cotidiano têm promovido uma intensa ressignificação de suas finalidades, capaz de instaurar com eles uma relação diferenciada" (2007, p.5). Há, a partir daí, uma ampliação no significado da arte. A criação estética tem voz ativa para se expressar. O homem moderno vai perceber na arte uma poderosa ferramenta de comunicação, um potencial meio de manifestar suas críticas. Uma quantidade cada vez maior de artistas passa a usar outras formas de arte diferentes, em diferentes plataformas. Na segunda metade do século XX nasce um gênero artístico nos Estados Unidos chamado Performance Art, ou, em português Arte Performática. A performance é conhecida como uma arte libertadora, pois usando apenas o próprio corpo a fim de se comunicar com o mundo, o artista traz consigo, de forma intrínseca, grande carga de expressão e significado. O homem deixa de ser somente artista, passa a ser obra de arte.
O que se vê hoje nas arte contemporâneas é uma participação de todas as classes econômicas, não só no consumo, mas agora como um potencial produtor de arte. Começa a surgir nas periferias de todo o mundo diversos movimentos artísticos populares, seja no pixo, grafite, música, dança, o homem suburbano encontrou uma forma de comunicar ao mundo suas dores, angustias e alegrias.
A arte, enquanto campo de produção simbólica, é um espaço vital para o exercício desses questionamentos e dessas intervenções. A arte vai nos interessar especialmente pela aventura de caráter estético e subjetivo a que pode dar lugar onde o estético diz respeito a formas de sensibilidade criadoras e o subjetivo, à produção social de estilos de vida (GONÇALVES, 2007, p.4).
Um exemplo interessante de movimento artístico popular brasileiro é o Manguebeat, nascido e criado nos arredores da cidade do Recife, o movimento tem um contexto intrigante. Vejamos, o manifesto "Caranguejos com cérebro" escrito por Fred Zero Quatro em 1992 que revela um pouco sobre a situação da capital pernambucana. A metrópole já estava insuportavelmente abarrotada, a vida urbana tomava o espaço da terra em sua essência. Os manguezais, berço da vida marítima, fora praticamente todo destruído pelo homem para dar lugar a uma civilização que crescia desordenadamente, a classe menos favorecida fora esquecida pelos seus representantes governamentais. Sem voz, a população enfrentava o drama de viver numa cidade megapopulosa e com um dos menores IDHs de toda América até então. Surge então alguns artistas que irão começar a usar a arte como forma de expressão. Nessa perspetiva, a arte está totalmente ligada a produção cultural e comunicacional. A arte assume a condição de uma linguagem social.
Por meio das novas tecnologias, a arte expandese, constituindo um forte mecanismo de criação de subjetividade e mudando o nossos modos de existência. O artista encontrase sob a influência e dentro do contexto natural, social e cultural (KELLY, 1972, p. 42).
Os mangueboys e manguegirls foram a resposta social a esse conflito urbano, preocupados com a "parada cardíaca” iminente da Menguetown (alusão a cidade do Recife). Esses jovens articulados se interessavam pela desaceleração do mundo moderno e a construção de uma nova cultura áspera, mas rica em consciência social, política e musical.
O Manguebeat, tido como um dos movimentos mais genuinamente brasileiro, foi a forma que a periferia da grande Recife encontrou para comunicar ao mundo seus anseios. Uma relação da arte com o social. A expressão do povo buscando ser ouvido pelo mundo. Nesse contexto a arte passa a ser social, que, "na versão estreita, é a manifestação de arte a serviço de uma doutrina, em regra revolucionária, tentando uma mudança social" (KELLY, 1972, p. 38).
A arte passa a se integrar na sociedade em consonância com a economia, religião, política e com o homem em determinada comunidade com suas particularidades. Como dirá Celso Kelly citando Sérgio Milliet: Assim a poesia, cujo conceito e conteúdo variam de conformidade com a época, os problemas do homem, sua maneira de sentir e compreender o mundo. (KELLY, 1972, p. 34). A arte social ganha um papel fundamental na vida do homem contemporâneo.
Conclusão
O homem contemporâneo, num mundo onde até as relações humanas estão fragilizadas pelo aspecto moderno da vida acelerada e fluida, desvirtuouse no sentido de contemplador da existência. O homem moderno não mais aprecia as coisas como elas são, não tem mais tempo de admirar o mundo como ele é. A arte surge como uma válvula de escape dessa caótica realidade, como mecanismo de desaceleração. O homem moderno com suas novas ferramentas também se apresenta como um reprodutor de cultura. No que se refere à produção cultural, ele passa a criar muito menos e reproduzir muito mais. A arte, nessa orientação, aparece como fabricadora de novos conhecimentos, o artista é o artesão das novas competências.
Enxergamos na arte um potencial regulador da vida, já que ele não só é ferramenta de medição das transformações sociais como uma potencial solucionador dos problemas humanos. A arte pode não ter todas as respostas, mas de fato, ela mostra o fértil caminho do conhecimento, problematiza a existência do homem e constrói novas culturas, novos valores.
Então quando alguém pergunta: "o que é arte?", talvez essa seja uma pergunta errada, pois assim como a vida, o conceito de arte não merece uma definição categórica, é grande demais, caro demais à sociedade para tal. Mas é interessante pensar filosoficamente o papel da arte na sociedade. A arte como o maior catalisador da vida, isto é, como combustível da máquina homem.
Assim sendo, na subjetiva construção de valores e ideias, o artista está na vanguarda, pois ele sim conhece os valores últimos da tão soberba estimulante da vida. E passa para sua obra de arte o excedente das forças embriagadoras do homem. Para tanto, ele não pede juízo, não precisa de reconhecimento. O homem que reconhece uma obra como arte devora sua essência como a última refeição da vida. Pois reconhece naquela arte, como dirá Kelly, "o mais rico meio de expressão logrado pela humanidade" (1972, p. 47).
Epítome do blog Brincadeira Sustentável por Renata Bravo
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